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30 de outubro de 2012
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21:56

Manifestantes relatam ação violenta da BM em audiência em POA

Por
Sul 21
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Em último protesto realizado no dia 12, manifestantes exibiram fotos de pessoas que foram agredidas no dia 4 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

Integrantes do movimento “Defesa Pública da Alegria” estiveram na Câmara Municipal de Porto Alegre nesta terça-feira (30) para relatar as agressões sofridas pela Brigada Militar na noite de 4 de outubro, quando centenas de jovens se reuniram em frente à prefeitura para protestar contra a privatização dos espaços públicos da cidade. Na ocasião, os policiais acabaram reprimindo os manifestantes presentes ao final do ato, quando eles se dirigiram ao Largo Glênio Peres para uma dança em volta do mascote da Copa do Mundo de 2014.

Uma audiência da Comissão de Direitos Humanos do Legislativo da Capital ouviu depoimentos dos manifestantes e convocou também as autoridades envolvidas no caso. Estiveram presentes o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Fabiano Pereira (PT), o subdiretor-geral do Instituto Geral de Perícias (IGP), Paulo Leonel, o comandante da Guarda Municipal de Porto Alegre, Eliandro de Almeida, o advogado Marcelo de Almeida e os manifestantes Ricardo Bordin, Pedro de Camillis e Rayne Barcelos.

Leia mais:
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A reunião foi uma iniciativa da vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), que contou com o apoio da presidente da Comissão de Direitos Humanos, Maria Celeste (PT). Elas foram as únicas parlamentares presentes. O secretário estadual de Segurança Pública, Airton Michels (PT), foi convidado, mas não compareceu.

Músico teve o dedo quebrado e terá sequelas permanentes

Estudante de Música da UFRGS, Ricardo Bordin participou do protesto do dia 4 de outubro em frente à prefeitura e foi um dos primeiros a chegar perto do mascote da Copa do Mundo no Largo Glênio Peres. Na reunião desta terça-feira (30) na Câmara Municipal, ele contou que atravessou a grade de contenção logo após duas meninas terem feito o mesmo.

“Para finalizar o ato, que tinha iniciado às 16h, fomos dar uma volta ao lado do boneco, de uma forma bastante sarcástica e divertida, cantando músicas do Luiz Gonzaga”, relembrou, ressaltando que não havia intenção de derrubar o Tatu-Bola. “Nisso, a tropa de choque chegou pelo outro lado e iniciou a agressão. Em nenhum momento alguém atacou o boneco”, comentou.

Ricardo Bordin foi um dos primeiros a chegar perto do boneco e garante que não houve ataque ao mascote | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Com o início da repressão, Ricardo foi agredido e levado para o posto da Brigada Militar no Largo Glênio Peres. “Fiquei uma hora dentro de uma viatura e, nesse meio tempo, por sadismo dos policiais, apanhei mais um pouco”, disse.

Além de diversos hematomas, o músico teve um dedo mindinho da mão quebrado. Como não obteve atendimento adequado no Hospital de Pronto-Socorro (HPS), a fratura lhe trará danos permanentes. “Quando fui fazer uma revisão, o médico me disse que eu deveria ter sido operado naquele dia. A falange estourou e a fratura está calcificando”, lamentou Ricardo.

Assim como diversos manifestantes, ele também relatou ter sido intimidado e humilhado pelos policiais dentro do HPS. “Passei cinco horas no hospital ouvindo os policiais, que nos insultavam na frente dos médicos e de outros pacientes. Disseram que da próxima vez eu iria quebrar muito mais do que um osso e me chamaram de comunistinha de merda”, recordou.

“Disseram que eu seria a bonequinha do Central”, recorda Pedro

Pedro de Camillis não estava na manifestação do dia 4 de outubro. Ele foi ao local apenas no final da noite para buscar uma amiga, mas acabou chegando justamente no momento em que o conflito já estava instaurado.

Ele começou a ajudar as pessoas que estavam desnorteadas em meio a tiros e bombas de gás lacrimogêneo. “Fui atender uma amiga que havia aspirado gás e depois começamos a subir em direção à Borges de Medeiros”, contou.

Pedro (direita) levou nove pontos na cabeça | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Na tentativa de se afastar do tumulto, Pedro foi perseguido por dois brigadianos. Ele assegura que não reagiu à abordagem. “Quando percebi que eles estavam vindo, me abaixei e coloquei as mãos na nuca, num claro sinal de que eu não apresentaria qualquer resistência. Mesmo assim, me bateram com chutes e cassetetes. Minha amiga disse que aquilo era um absurdo, também apanhou e foi chamada de vadia e de vagabunda”, comentou.

Os golpes que levou na cabeça deixaram dois cortes, totalizando nove pontos. Por conta desses ferimentos, Pedro precisou fazer uma tomografia no HPS. Com a demora do procedimento, os policiais começaram a se irritar no hospital e xingaram ainda mais o jovem.

“Disseram que eu era uma boneca e estava fazendo aquilo para me safar. Disseram que eu seria a bonequinha do Central”, recordou. Após os exames, ele ainda recebeu a notificação de que estava sendo indiciado por “lesão corporal” a um brigadiano.

“Falaram que iriam me apagar”, conta manifestante

O baiano Rayne Barcelos ficou sabendo da manifestação ao passar pelo Centro de Porto Alegre na tarde do dia 4 de outubro e avistar uma roda de capoeira. Ele permaneceu no local o tempo inteiro e lembra do confronto que se estabeleceu entre manifestantes e Brigada Militar.
“Quando a tropa de choque chegou, fui agredido. Sofri um corte na perna. Fiquei apavorado e pensei que não conseguiria mais sair dali”, contou.

Rayne é, até o momento, o único manifestante que admitiu ter batido em um policial. Segundo ele, foi a única forma que encontrou para se livrar da agressão que estava sofrendo. “Na hora, eu pensei: ‘Ou reajo, ou continuo apanhando sem ter feito nada como todos os outros na minha volta’”.

Rayne reagiu a agressão de policiais | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Foi então que ele conseguiu afastar um policial com um chute e correr em direção à Borges de Medeiros. Mas, a essa altura, Rayne já estava marcado pelos brigadianos, por ter visivelmente resistido às agressões.

“Quando subi a Borges, levei um golpe de cassetete no rosto, meu óculos voou longe. Reagi com um soco e me afastei, mas logo em seguida me cercaram”, recordou. Ele disse que foi levado a uma sala do posto policial no Largo Glênio Peres onde foi espancado por quatro brigadianos de forma ininterrupta.

“Falaram que iriam me apagar. Eu pensei que iria morrer, com certeza”, contou. Após também ter sido hostilizado no HPS, Rayne recebeu uma acusação formal por lesão corporal e dano ao patrimônio público.

“O próximo a apanhar é o advogado deles”, disse policial dentro do HPS

O advogado Marcelo de Almeida chegou ao Hospital de Pronto-Socorro na madrugada do dia 5 de outubro junto com a vereadora Fernanda Melchionna para acompanhar os manifestantes que haviam sido agredidos pela Brigada Militar. No início, a parlamentar foi impedida pelos policiais de ingressar no estabelecimento.

“Tive que me esforçar para manter a calma, porque não dava para conversar com eles”, recorda a vereadora. Somente depois de uma ligação para um diretor do HPS e para um assessor do secretário estadual de Segurança Pública é que eles conseguiram entrar.

“A Lei Orgânica do Município permite que o vereador tenha livre trânsito em qualquer repartição municipal”, lembra o advogado, acrescentando que o HPS é um hospital do município.

Ao ingressar no HPS, Marcelo percebeu que os manifestantes estavam sendo intimidados pela Brigada Militar e resolveu falar com um segurança do hospital. “Aqui dentro eles são pacientes e não podem ser agredidos”, disse.

Ao perceber a conversa, um policial foi até o advogado e disse para ele “não se meter”. Ao informar que estava certificado pela OAB para atuar, ele ouviu a seguinte resposta: “OAB e merda é a mesma coisa para mim, te convence disso”. Em seguida, o policial ainda gritou aos colegas que “o próximo a apanhar é o advogado deles”, em referência aos manifestantes.

“O governo está debatendo o assunto”, garante secretário de Direitos Humanos

Fabiano Pereira se colocou à disposição para receber movimento | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Único integrante do primeiro escalão do governo gaúcho presente na reunião, o secretário de Justiça e Direitos Humanos garantiu que a administração estadual está atenta para a apuração de abusos cometidos pelos policiais no protesto do dia 4 de outubro. “O governo está debatendo o assunto. Esse tipo de conduta fere a ordem democrática e não pode mais ocorrer”, disse Fabiano Pereira.

O petista lembrou que há três procedimentos em andamento: um Inquérito Policial-Militar (IPM), uma investigação pela 17ª Delegacia de Polícia Civil e a apuração de violações por parte da Ouvidoria de Segurança Pública.

Ele disse que foi “muito importante” ter ouvido da boca dos agredidos os relatos. “Uma coisa é ler a notícia, outra é ouvir o relato e ver a dor de quem sofreu”, comparou. O secretário assegurou que está “à disposição” dos manifestantes para uma reunião oficial focada nas pautas do movimento.

“Temos tecnologia para identificar todos os policiais envolvidos”, diz diretor do IGP

Escalado para representar a Secretaria Estadual de Segurança Pública, o subdiretor-geral do Instituto Geral de Perícias, Paulo Leonel, disse que o IGP possui tecnologia para identificar os policiais que agrediram manifestantes no dia 4 de outubro. “Com as imagens, temos tecnologia para identificar todos os policiais envolvidos. Mesmo mascarados, conseguimos identificar os brigadianos que queimavam pneus”, disse, em referência aos atentados que surgiram no ano passado contra o governo.

Paulo informou que o IGP ainda não foi provocado a atuar nas investigações do caso. O instituto, que não pode agir por conta própria, ainda não fez perícia no boneco do Tatu-Bola.

Essa informação causou espanto nos presentes, já que todos acreditavam que o mascote estava devidamente periciado – pois foi veiculado na imprensa que o boneco não teria sido depredado, apenas esvaziado.

O Sul21 divulgou no dia 10 um depoimento do titular da 17ª Delegacia, Hilton Muller, afirmando que o boneco não teria sido depredado. O delegado repercutiu a informação que recebeu da Opus – empresa que cuida das ações de marketing da Coca-Cola em Porto Alegre.
Na reunião desta terça-feira, o subdiretor do IGP disse que irá procurar o delegado para saber se ele solicitará uma perícia no boneco.

“Temos que cortar na própria carne para mudar metodologia fascista”, reconhece comandante da Guarda Municipal

Eliandro disse que repassará relatos ao prefeito  | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Representando o prefeito José Fortunati (PDT), o comandante da Guarda Municipal, Eliandro de Almeida, reconheceu que a corporação precisa “cortar na própria carne” para evitar que os agentes cometam abusos em abordagens. “É difícil falar depois de ouvir esses relatos. Temos realmente que cortar na própria carne para mudar essa metodologia fascista, para que não ocorram mais situações parecidas”, declarou.

Ele disse que irá levar os relatos ao conhecimento do prefeito e que já solicitou um relatório formal de cada um dos agentes presentes na manifestação do dia 4 de outubro. Além disso, Eliandro assegura que a corregedoria do órgão está investigando os abusos. Um dos casos envolvendo a Guarda Municipal é o do uruguaio Gérman Árvorez, que disse ter sido cercado por três agentes e agredido por um deles com um golpe de cassetete na cabeça.

Em sua fala, o comandante da Guarda pediu que os manifestantes destacassem representantes para dialogar com a prefeitura, na tentativa de evitar que outros protestos terminem em violência. “Naquele dia, tinha muita gente bebendo uísque desde antes das 17h. Entendo que vocês não podem responder por essas pessoas, que talvez sejam até estranhas ao movimento. Por isso mesmo precisamos de interlocução”, defendeu.

Fernanda Melchionna disse que declaração das autoridades na época foram “um escândalo” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Câmara irá solicitar reuniões com prefeito e secretário estadual de Segurança

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Porto Alegre decidiu nesta terça-feira que irá solicitar oficialmente uma reunião com o prefeito José Fortunati e outra com o secretário estadual de Segurança Pública, Airton Michels. Ambas ocorreram com a presença de integrantes do movimento “Defesa Pública da Alegria”, que realizou protestos contra a privatização dos espaços públicos da cidade e contra a repressão policial.

Presidente da comissão, a vereadora Maria Celeste disse que ficou “impactada” com os relatos de manifestantes agredidos pela Brigada Militar. “Esses relatos têm que ser ouvidos pelo prefeito e pelo secretário de Segurança”, sugeriu.

Maria Celeste se disse “impactada” por relatos dos agredidos | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

A petista ainda afirmou que a comissão irá solicitar informações à 17ª Delegacia de Polícia sobre o inquérito em andamento e fará, também, um pedido de informações ao prefeito sobre o convênio estabelecido com a Coca-Cola na cidade – que permite que a empresa utilize o espaço do Largo Glênio Peres em troca de uma série de reformas.

Proponente da reunião desta terça-feira, a vereadora Fernanda Melchionna qualificou os pronunciamentos de Fortunati e de Airton Michels sobre o caso como “um escândalo” e disse que a Brigada Militar “violou o direito constitucional à ampla defesa”.

Ela manifestou seu receio quanto à impunidade dos policiais que agrediram manifestantes, já que a investigação é conduzida pela corregedoria da própria BM, formada por integrantes da corporação.


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