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20 de junho de 2012
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22:11

Apesar da vitória conservadora na Grécia, posição da Alemanha enfraquece na Europa

Por
Sul 21
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Nova Democracia, de Antonis Samaras, terá 129 cadeiras no novo parlamento da Grécia | Foto: Nova Democracia

Felipe Prestes

A vitória do partido conservador Nova Democracia foi festejada pela grande imprensa europeia. Antonis Samaras, líder da sigla, prestou juramento como novo primeiro-ministro nesta quarta-feira (20). Com 129 cadeiras conquistadas no último domingo (17), o partido vai compor governo com o PASOK (Movimento Socialista Pan-Helênico), que fez 33 parlamentares e foi a sigla que comandou o governo quando das medidas impostas pela Troika, formada pelo Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia. O Parlamento grego tem 300 cadeiras e os dois partidos juntos já somam 162, maioria que afasta de vez a possibilidade de moratória e saída do euro, que atemorizava a banca europeia.

Ainda assim, a posição da primeira-ministra alemã Angela Merkel, a ferrenha defensora da austeridade no continente, saiu fragilizada do último final de semana. Na França, que antes tinha um presidente leal a Merkel, os socialistas venceram as legislativas, conquistando maioria absoluta, o que ocorre pela primeira vez desde a vitória de Mitterand, em 1981. François Hollande, fortalecido, viu sua posição, em prol do estímulo ao crescimento, ser referendada pelo G-20, após reunião das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia, ocorrida em Los Cabos, no México.

O documento final do G-20 diz que “no caso de a situação econômica se deteriorar ainda mais, os países que dispõem de uma margem de manobra fiscal suficiente estão dispostos a coordenar e aplicar as medidas orçamentárias necessárias para apoiar a demanda interna”. Além disto, líderes de países atingidos pela crise como Itália e Espanha têm o apoio de Hollande para que os fundos de resgate europeu passem a comprar dívidas soberanas dos países da Zona do Euro.

A importância desta medida se dá porque diminui a dependência dos governos com os investidores. A Espanha, por exemplo, vai receber um empréstimo de 100 bilhões de euros do BCE para salvar os bancos privados do país, recapitalizando-os. A consequência disto é que os investidores passam a duvidar da capacidade de receberem por títulos da dívida espanhola e querem juros cada vez mais altos.

Assim, a “ajuda” aos bancos, em vez de aliviar a Espanha, chegou a trazer ainda mais pânico. Com a compra de títulos das dívidas por um fundo europeu os estados aliviariam esta pressão dos investidores. O simples anúncio de que esta medida pode ser adotada já aliviou a pressão dos mercados sobre o país ibérico. Ainda assim, Angela Merkel negou que isto fosse pauta entre os europeus na reunião do G-20, enquanto líderes dos países da língua latina defendiam abertamente a medida à imprensa. A Comissão Europeia, instituição política que representa a União Europeia, fez eco à líder alemã e também rechaçou a proposta. O argumento é de que os governos deixariam de fazer seu dever de casa, afrouxando os cintos de seus orçamentos.

Com a ortodoxia de Merkel, até mesmo Mariano Rajoy, o premiê conservador espanhol, que logo que assumiu aceitou de pronto medidas de austeridade, já tem tido atritos com a líder alemã. Após o G-20, a chanceler declarou que líderes mundiais haviam exigido detalhes sobre como Rajoy operaria o resgate aos bancos. O premiê espanhol desmentiu isto, dizendo que o maior interessado em decidir com rapidez os detalhes do resgate era ele próprio e que ninguém havia exigido isto.

Mesmo com maioria, Nova Democracia e PASOK indicam busca de governo de "salvação nacional" | Foto: Νova Democracia

Gregos devem contestar pontos do memorando de austeridade

A posição da Alemanha também é mais frágil na própria Grécia, mesmo com a vitória do Nova Democracia. É evidente que uma vitória da coalizão de esquerda Syriza, que se opõe radicalmente às medidas de austeridade, seria muito pior para os interesses alemães, mas o susto que as eleições gregas proporcionaram à Europa dá aos partidos políticos maior possibilidade de barganha. Na medida em que é pior sem eles, estes partidos devem bater pé para renegociar pontos da austeridade.

Tanto é assim que Antonis Samaras não quis formar um governo apenas com Nova Democracia e PASOK, porque consideram que é uma maioria frágil e dizem não querer o país dividido. O primeiro movimento de Samaras foi tentar um “governo de salvação nacional”.

O partido conservador, na verdade, não teve nem 3% de votos a mais que o Syriza. Ocorre que na Grécia o partido mais votado ganha 50 cadeiras de bônus. Assim, o Nova Democracia, com 29,66% dos votos, fez 79 cadeiras, mas ficou com 129. O Syriza teve 26,89% e ficou com 71 cadeiras. A soma dos votos do Nova Democracia e do PASOK chega a apenas 42%, não representando, portanto, nem metade do eleitorado.

Por isto, Samaras foi buscar o Syriza, que rejeitou de pronto a ideia de formar governo. Para o partido de esquerda não há outra saída que não reverter o memorando no qual o país se comprometeu com medidas duríssimas de austeridade, que fazem com que a Grécia hoje tenha um desemprego de 22% da população (índice que aumenta para 50% entre adultos com menos de 30 anos).

Fotis Kouvelis, presidente da Esquerda Democrática, diz que comitê central da sigla aprovou por "grande maioria" participação no governo | Foto: Esquerda Democrática

Mas o Nova Democracia conseguiu fechar acordo com a Esquerda Democrática, que fez 17 cadeiras e 6,26% dos votos. O apoio do partido de centro-esquerda demonstra que o novo governo está disposto a negociar pontos do memorando. Após uma reunião na noite desta terça-feira (19) com Antonis Samaras, o presidente da Esquerda Democrática, Fotis Kouvelis, confirmou que o comitê central do partido aprovou, por “grande maioria”, a participação no governo. Entretanto, disse que serão firmados compromissos entre os partidos para tentar remover do memorando de austeridade “medidas que sangram a sociedade grega”.

Antes disto, Kouvelis se encontrou com Evangelos Venizelos, presidente do PASOK, e declarou que o país precisa se liberar de “condições adversas” do memorando. Após o resultado da eleição, no domingo, em comunicado, Kouvelis interpretou que os gregos querem alterações nas medidas de austeridade. “Cidadãos pediram ao governo que garanta seu país no euro e a liberação de condições adversas do memorando”. O próprio Samaras, embora tenha ressaltado que vai cumprir os compromissos, disse após um encontro com o líder do Syriza, Alex Tsipras, que o país deve pedir mudanças nas medidas de austeridade.

No G-20, Merkel afirmou à imprensa que o novo governo deve cumprir os acordos. “O mais importante é que o novo governo respeite os compromissos adquiridos. É um costume na Europa, as eleições nunca colocaram em dúvida a continuidade dos compromissos e isto também é válido para o memorando firmado com a Grécia”. O ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, por sua vez, assinalou com a possibilidade de que sejam alterados apenas cronogramas para adoção das medidas.

“O mais importante é que novo governo respeite os compromissos adquiridos", disse Merkel sobre eleição grega | Foto: Savas Savidis

Entretanto, é possível que a Troika ceda bem mais à Grécia. Segundo apurado pela France Presse, um funcionário de alto escalão europeu teria admitido que a Troika e o novo governo grego devem conversar “até encontrar uma solução satisfatória”. A fonte afirmou que seria ilusão pensar que o memorando é inegociável e que, se for mantida nas bases atuais, não será cumprido.

Entre as medidas do memorando, estão que o governo arrecade 50 bilhões de euros em privatizações, flexibilização de leis trabalhistas cortes de até 150 mil empregos públicos (15 mil apenas em 2012) e corte de 300 milhões de euros apenas em 2012 com gastos de pensão. A Grécia deve buscar economizar ainda mais com custos de pensão nos próximos anos, aumentando gradualmente a idade de aposentadoria de 58 para 65 anos.

Campanha explorou o medo da população grega

O perigo da volta do drachma, a frágil moeda grega dos tempos pré-euro, foi um dos eixos da campanha do Nova Democracia, mesmo que o Syriza jamais tenha afirmado que buscava a saída do euro, apenas acenando isto caso se esgotasse a possibilidade de rever o memorando. Antonis Samaras declarou durante a campanha que os eleitores escolheriam entre a manutenção do euro e o “pesadelo” da volta do drachma.

Syriza, liderado por Alexis Tsipras, diz que "aliança profana" fez uso de "deturpação, extorsão e ataque psicológico” para influenciar voto dos gregos | Foto: Evi Fylaktou/Syriza

A pressão também era internacional. O diário espanhol El Pais aponta que houve pressão “assombrosa” sobre o povo grego. Um exemplo disto é que o diário Financial Times escreveu editorial pedindo que os gregos resistissem “à demagogia de Alexis Tsipras”. “Só com os partidos que aceitam os termos dos credores seu país será capaz de permanecer no euro”, disse o jornal britânico. O chefe dos ministros de Finanças europeus, Jean-Claude Juncker, disse que uma vitória do Syriza teria “consequências imprevisíveis”. Enquanto isto, gregos retiravam euros dos bancos do país e levavam e depositavam em países vizinhos, enquanto multinacionais, como a francesa Carrefour, deixavam a Grécia.

Após as eleições, o Partido Comunista Grego, que fez 12 cadeiras e 4,5% dos votos, disse que a eleição do Nova Democracia foi influenciada pelo “clima, o medo e o terror de expulsão da Grécia da zona do euro”. Já o Syriza declarou ter lutado “contra um terrorismo sem precedentes, deturpação, extorsão e ataque psicológico”. “Ontem (domingo), uma aliança profana de forças dentro e fora do país fez o seu melhor para travar o desejo do nosso povo por justiça e vida social com dignidade”.

François Hollande conta com popularidade de 61%, segundo revista britânica | Foto: Benjamin Géminel

Na França, Hollande surfa na popularidade e a direita vai para o divã

Em 2007, a União por um Movimento Popular (UMP), partido de Chirac e Sarkozy, e seus aliados fizeram 353 cadeiras no Parlamento francês. Na eleição do último domingo, eles acabaram com apenas 229 assentos. O Partido Socialista de Hollande, por sua vez, fez 314 cadeiras contra 204 na eleição anterior. A conquista deu à sigla mais da metade dos 577 assentos, o que faz com que sequer precise do apoio da Frente de Esquerda e dos Verdes, ainda que isto esteja sendo negociado.

Integrantes da UMP fizeram prontamente uma autocrítica, apontando que os acenos à extrema-direita feitos na campanha de Nicolas Sarkozy foram definitivos para a derrota. O ex-ministro da Fazenda, François Baroin, lembrou que a UMP surgiu em 2002, em resposta à presença de Jean-Marie Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais, ou seja: foi uma união de direitistas moderados, justamente em contraponto à extrema-direita. O senador Chantal Jouanno disse que o partido sofreu uma derrota “pesada” e condenou a estratégia de ir mais para a direita. A avaliação é de que a UMP perdeu votos de eleitores mais moderados e até da própria extrema-direita, já que entre o original e a cópia é preferível ficar com o primeiro. Tanto assim que a Frente Nacional de Marine Le Pen conquistou duas cadeiras, o que não conseguia desde 1997.

Enquanto isto, François Hollande surfa na popularidade. Segundo a revista britânica The Economist, ele é um dos presidentes mais populares recém-eleitos da Quinta República, com aprovação de 61%. Perde apenas para Charles de Gaulle e para o próprio adversário Nicolas Sarkozy, que no início de seu governo tinha 65% de aprovação.

Entre as medidas que a revista aponta para a popularidade do presidente está o comportamento recatado que cobrou de sua equipe. Hollande determinou que os ministros viajem de trem ou automóvel sempre que possível, recusem hospedagem de outrem e presentes caros. Veículos oficiais devem, até mesmo, respeitar os semáforos. Além disto, o socialista escolheu uma equipe de ministros jovem e formada em igual proporção por homens e mulheres. Hollande também prometeu retirar tropas francesas até o final de 2012 – retirada que estava prevista para um ano depois. Ele também irá reverter decreto de Sarkozy que aumentava idade de aposentadoria de 60 para 62 anos.

Com informações de The Economist, El Pais, BBC, The Guardian, Le Monde, Libération, Le Figaro e agências internacionais 


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