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2 de abril de 2012
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08:30

Euforia econômica da América Latina é passageira, acredita líder do Partido Obrero argentino

Por
Sul 21
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Altamira: "A linha geral do capitalismo é procurar sair desta crise pela via da exploração maior dos trabalhadores" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes

“A América Latina tem ficado afastada da crise, porque existe certa euforia econômica. Mas esta euforia é provocada pela própria crise. Tem um fluxo de capital estrangeiro de curtíssimo prazo que vem para a América Latina porque as possibilidades de lucro aqui são muito altas. Assim que este movimento especulativo terminar, a América Latina vai sofrer um enorme golpe”. A previsão é do líder do Partido Obrero argentino, Jorge Altamira, candidato derrotado nas eleições presidenciais do ano passado.

Aos 70 anos, foi um dos fundadores da sigla argentina, em 1982. Antes disto, havia lutado contra duas ditaduras militares da Argentina (a do Governo de Juan Carlos Onganía entre 1966-1970 e a das juntas militares entre 1976-1983). Nesta última, precisou se exilar, passando por vários países, inclusive o Brasil.

De volta à Argentina, em 1983 fundou o Partido Obrero (PO), oriundo do movimento Política Obrera, que já havia ajudado a fundar em 1964. Entre 2001 e 2004, Altamira foi vereador de Buenos Aires. Em 2001, com o país afundado em grave crise, lutou contra o Governo De La Rua, que acabou caindo. No ano passado, concorreu à presidência da Argentina pela Frente de Esquerda. Após a abertura, foi candidato cinco vezes a presidente. Em 2011, teve sua melhor votação: 497 mil votos (2,31%), ficando em sexto lugar e superando em mais de 300 mil votos sua melhor votação anterior.

Com ascensão dos Kirchner ao poder, Altamira segue na oposição, como sempre esteve. E faz críticas a todos os governos de esquerda que estão no poder na América do Sul. O Partido Obrero segue tendo orientação trotskista, defendendo bandeiras como a nacionalização das principais atividades industriais do país e o controle das fábricas pelos trabalhadores. Com vários livros publicados, analisando a realidade política, social e econômica da América Latina, Altamira esteve no Rio Grande do Sul para falar sobre os 30 anos do fim da Guerra das Malvinas, na Universidade Federal de Santa Maria, e sobre a crise mundial e seus efeitos na América Latina, na Assembleia Legislativa. Antes de sua palestra em Porto Alegre, o Sul21 conversou com ele sobre estes e outros temas.

Sul21 – Como o senhor avalia a crise do capitalismo? Este sistema entrou em decadência?

Jorge Altamira – A decadência do capitalismo tem se manifestado durante várias décadas. É um processo histórico. Esta crise que começou em 2007 é uma crise dentro de um período de decadência do capitalismo. A organização capitalista atual não é aquela jovem, que procurava novos continentes, novas áreas. Já ocupou o mundo inteiro e tem chegado a um limite de seu desenvolvimento histórico. A crise atual é uma quebra de todo o sistema bancário, combinada com uma recessão industrial importante e desemprego. É a crise mais importante desde os anos 1930 e nos próximos meses vai entrar no seu sexto ano, o que é uma indicação da importância desta crise. Ela não vai terminar em curto prazo.

Sul21 – Como é que o senhor vê o fato de os bancos estarem impondo seus interesses na Europa, em países em que a sociedade costuma ser bastante organizada?

Jorge Altamira – É o capitalismo em seu conjunto que impõe tudo isto. Os bancos estão em uma situação muito fraca, estão apenas sustentados pelo Estado. O Banco Central Europeu deu 1 trilhão de euros de subsídios aos bancos privados. A linha geral do capitalismo é procurar sair desta crise pela via da exploração maior dos trabalhadores, com redução salarial, flexibilidade trabalhista, mas tem outra fronteira desta crise, que é a quebra dos obstáculos para uma penetração capitalista de grande porte na China e na Rússia. Este é o verdadeiro atrito internacional. Um atrito que pode criar as condições para uma próxima guerra mundial.

Atrito entre China/Rússia e o Ocidente pode causar uma nova guerra mundial | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – A ameaça de guerra contra o Irã seria um princípio disto?

Jorge Altamira – Acho que está ligado, pelo fato de que o principal fornecedor de petróleo para a China é o Irã. Então, é um sinal para a China de que, se o Irã caísse em mãos do imperialismo americano, teriam mais chances de impor condições à China. Veja o que aconteceu na Líbia. Depois da queda de Kadafi, os investimentos ocidentais foram completamente mantidos, o que não aconteceu com os investimentos petrolíferos que tinham a Rússia e a China, que tentaram, com o apoio a Kadafi, salvaguardar os investimentos que tinham feito na Líbia. É um exemplo do que se está tecendo na política mundial.

Sul21 – Qual é o papel da América Latina nesta crise?

Jorge Altamira – Tenho a impressão de que a América Latina tem ficado afastada da crise, porque existe certa euforia econômica. Mas esta euforia é provocada pela própria crise. Tem um fluxo de capital estrangeiro de curtíssimo prazo que vem para a América Latina porque as possibilidades de lucro aqui são muito altas. Assim que este movimento especulativo terminar, a América Latina vai sofrer um golpe enorme. Então, é importante observar a dialética da crise mundial. A crise não é uniforme, não é todo mundo que quebra. Para sair da quebra, há movimentos contraditórios. Por exemplo: a Fiat está terminada na Europa, porém, na América Latina tem situação positiva. A perspectiva da Fiat está somente na América Latina. A pergunta final é: a América Latina pode salvar a Fiat?

Sul21 – Diz-se que temos muitos governos de esquerda na América do Sul, que estão promovendo, mesmo que timidamente, uma distribuição de renda…

Jorge Altamira – É uma distribuição de renda em favor dos usurários internacionais, porque todos eles pagam rigorosamente a dívida externa. E o fazem com prejuízo para a população trabalhadora. No caso de alguns deles, como (Rafael) Correa, não sei se a população sabe, mas a moeda do Equador é o dólar. É impressionante que o cara se coloque como nacionalista e gestione a economia com uma moeda estrangeira, que só pode ser emitida pelo Banco Central Americano.

Sul21 – Mas esta distribuição de renda que o Brasil faz, por exemplo, ainda que pequena, não ajuda a deixar o país fora da crise?

Jorge Altamira – É um raciocínio que não entendo bem.

Altamira: Brasil não fortaleceu mercado interno. Depende da exportação de minerais e soja mais do que nunca | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Um mercado interno fortalecido.

Jorge Altamira – Você acha que o Brasil fortaleceu o mercado interno? O Brasil depende da exportação de minerais e de soja mais do que nunca. Em segundo lugar, é uma fantasia nacionalista a ideia de que o mercado interno se fortalece pela demanda, pelo poder de consumo da população. Não. O desenvolvimento do mercado interno tem sido sempre na história o desenvolvimento de investimentos internos, de acumulação de capital. Não é que eu esteja contra, sou a favor de grandes aumentos salariais. Mas só porque eu defendo os trabalhadores, não defendo a exploração capitalista com o mercado interno. Este método de desenvolvimento do mercado interno não deu certo nunca. E os investimentos no Brasil são fundamentalmente estrangeiros.

Sul21 – Como o senhor avalia o Governo Kirchner?

Jorge Altamira – Está em uma crise extraordinária porque não tem mais recursos fiscais e recursos financeiros para sustentar a situação. A gente dá uma olhada mais de perto na situação argentina e percebe que há uma paralisia extraordinária. O sistema de transporte está quebrado, houve uma tragédia em uma linha ferroviária, que é inteiramente responsabilidade da organização econômica de transportes sob o Governo Kirchner.

Sul21 – Aqui no Brasil pessoas de esquerda costumam achar que o Governo Kirchner deu alguns passos mais importantes que o os governos de Lula e Dilma, no sentido de memória, verdade e justiça com relação à ditadura militar e no combate ao monopólio da imprensa. Como o senhor vê isto?

Jorge Altamira – Li um monte de coisas, dizendo que tinha se combatido o monopólio de imprensa, mas o monopólio de imprensa continua. É muita falação. Em segundo lugar, o governo criou seus próprios meios, e os piores são esses. Toda a esquerda argentina tem possibilidade de ser entrevistada nos meios que não são do governo. Nos meios do governo, nunca. Eu jamais pisei no estúdio de um canal de televisão do governo. E o governo me ataca, dizendo que sou massa de manobra da direita porque vou às entrevistas nos canais privados. Se eles não me convidam e eu boicotasse os outros, eu simplesmente desapareceria da cena política. É de um cinismo absolutamente fenomenal. Eles transmitem uma ideologia da burguesia e procuram cercear a voz dos trabalhadores, mas os meios do estado são bem piores.

"Se um louco do Brasil empreende uma ação antiimperialista contra um são do imperialismo, eu estou com o louco brasileiro e contra o são do imperialismo" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O senhor falou em Santa Maria sobre a Guerra das Malvinas. Passados trinta anos, como é que o senhor avalia aquela loucura cometida pelos militares?

Jorge Altamira – Não é que eu não aceite a palavra loucura, mas ela tem uma conotação que significa o seguinte: ‘Como é que vocês fizeram isto para recuperar as Malvinas?’. Não. Todo o problema é o imperialismo inglês e americano. Foram eles que reuniram uma frota para derrotar e massacrar um povo que, louco ou não, ousou pôr os pés nas Malvinas. Nós na Argentina criticamos isto, mas na hora de falar a um meio do Brasil, devo sublinhar que o problema é o imperialismo inglês ou norte-americano, porque se um ‘doido’ do Brasil empreende uma ação anti-imperialista contra  ‘alguém normal ‘ do imperialismo, eu estou com o louco brasileiro e contra o normal do imperialismo.

Sul21 – Quais são as críticas aos militares?

Jorge Altamira – Eles não prepararam devidamente esta guerra. Veja o seguinte: durante toda a guerra, o governo pagou a dívida externa com a Grã-Bretanha. Isso sim que é uma loucura (risos).

Sul21 – Qual solução que o senhor vê para as Malvinas hoje?

Jorge Altamira – É bem mais grave, porque agora há uma certeza, já tem investimentos petrolíferos na área das Malvinas. Isto significa que vai se instalar um poder político e econômico muito importante, que vai exercer uma pressão insuportável à Argentina, pela necessidade de acesso ao território argentino, que é o mais próximo. Então, a questão das Malvinas tem se transformado em um dos problemas políticos mais sérios que tem a Argentina hoje.

Sul21 – Deve haver algum tipo de acordo comercial?

Jorge Altamira – Não, porque isto equivaleria a entregar a riqueza.

Sul21 – A Frente de Esquerda da qual o senhor foi candidato teve um crescimentos nas últimas eleições. Quais eram as principais propostas e a que o senhor atribui este crescimento, ainda que pequeno?

Jorge Altamira – Foi importante, não foi tão pequeno assim, porque a esquerda tradicional da Argentina votou contra a Frente de Esquerda. Em uma análise formal, a Frente de Esquerda deveria ter tido dez votos, porque a esquerda, o Partido Comunista, Partido Humanista, votaram pelo Governo, outros votaram na oposição encabeçada por um governador (Hermes Binner, do Partido Socialista, que governou a Província de Santa Fé). Porém, sem os votos da esquerda, a gente fez a melhor eleição da esquerda nos últimos anos. À luz das condições políticas, estes quase 700 mil votos (para as eleições presidenciais Altamira teve 497 mil votos) foram tremendos. Nossas propostas são aquelas pelas quais lutam os trabalhadores. Somos pela nacionalização sem indenização, pelo controle operário das principais indústrias do país. Isto foi explicado sistematicamente. Nossos votos foram votos em um programa.


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