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17 de abril de 2020
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23:26

Prefeitos erram ao interpretar decretos como sinal para abrir tudo rapidamente, alerta reitor da UFPel

Por
Luís Gomes
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Prefeitos erram ao interpretar decretos como sinal para abrir tudo rapidamente, alerta reitor da UFPel
Prefeitos erram ao interpretar decretos como sinal para abrir tudo rapidamente, alerta reitor da UFPel
Pedro Hallal, reitor da UFPel | Foto: Divulgação

Luís Eduardo Gomes 

Na última quarta-feira (15), o governador Eduardo Leite (PSDB) afirmou que o Rio Grande do Sul estava se preparando para entrar em uma nova fase do enfrentamento ao coronavírus, o que ele chamou de uma fase de “distanciamento controlado”. Nesse cenário, permitiu que prefeitos de cidades com poucos casos pudessem deliberar sobre a reabertura dos comércios locais, desde que respeitados determinados parâmetros estabelecidos pela Secretaria Estadual de Saúde.

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Leite afirmou que as políticas do Estado estão sendo planejadas de acordo com estudos técnicos e científicos a respeito da evolução da pandemia, abrindo espaço para a apresentação de um estudo que está sendo desenvolvido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) para medir a prevalência de casos no Rio Grande do Sul. Isto é, para tentar compreender qual é o total de pessoas que já contraíram o vírus, visto que, devido à subnotificação, o número real de casos é bastante superior ao dos confirmados até aqui.

A apresentação destes dados foi feita pelo reitor da UFPel, Pedro Cury Hallal, que destacou, na ocasião, que os casos confirmados são apenas a “ponta visível de um iceberg”. Para tentar traçar um panorama mais realista dos níveis de contaminação, o estudo testou, entre os dias 11 e 13 de abril, 4.189 pessoas em nove cidades do Estado — Porto Alegre, Canoas, Pelotas, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Passo Fundo, Ijuí e Uruguaiana – para a presença de anticorpos para o coronavírus.

O estudo apontou que duas das 4.189 pessoas testaram positivo para o vírus, o que, extrapolando para a população total, significaria 0,05% dos gaúchos e 1 infectado a cada 2 mil habitantes. Apesar de pequeno, significaria um número várias vezes superior ao de casos já confirmados, uma vez que seria equivalente a 5.650 pessoas contaminadas. Para comparação, o RS tinha, em 13 de abril, 685 casos confirmados, cerca de 8 vezes menos do que a projeção do estudo.

Nesta sexta-feira (17), o Sul21 conversou com o reitor Pedro Hallal para entender melhor a importância desse estudo de prevalência e o que o diferencia dos testes que vêm sendo realizados na rede de saúde e cujos dados são divulgados oficialmente como o total de casos da doença. Além disso, Hallal avalia as decisões de reabertura do comércio e possíveis cenários para o avanço da doença no Rio Grande do Sul.

“Se fosse uma pergunta específica para nós, nós entendemos que o distanciamento social deveria ser mantido nos mesmos moldes. Mas, eu acho que a questão central não é a decisão ou o anúncio que o governador fez, para falar bem a verdade. Eu estava junto, eu ouvi tudo que o governador falou, o anúncio tinha uma série de preocupações, de senões, etc e tal. O que me preocupou foi que, no outro dia de manhã, alguns prefeitos, sem levar em consideração aquelas informações, já mandaram abrir tudo”, diz.

A seguir, confira a íntegra da conversa.

Sul21 – Eu gostaria que o senhor explicasse por que esse tipo de estudo é importante para ter uma noção real do avanço da epidemia no Estado?

Pedro Hallal: Eu tenho usado muito essa analogia do iceberg. Eu sei que acaba até se tornando meio repetitivo, mas é que, às vezes, uma ideia tem que ser repetida inúmeras vezes para que a população compreenda e incorpore essa lógica. O que acontece? O coronavírus é exatamente igual a um iceberg. Ele tem uma ponta que fica visível, que está acima do nível do mar, que a gente consegue enxergar. São os casos confirmados, as pessoas que têm sintomas suficientes para buscarem atendimento e conseguirem fazer um teste. Alguns desses casos vão agravar e outros, infelizmente, vão acabar falecendo. Isso tudo é a ponta de um iceberg. O que a gente mostrou já nessa primeira fase da pesquisa, e  já tínhamos previsão que mostraria, é que a parte submersa do iceberg é muito maior, muito maior. Com base nos dados, a interpretação que eu acho mais segura é que a ponta de baixo do iceberg é de 7 a 8 vezes maior do que a de cima. Isso é uma analogia bonitinha, fica um desenho interessante e todo mundo pega. Tá, mas por que a gente tem que olhar para o todo e não pode olhar só para a ponta se é na ponta que estão as pessoas que vão precisar de atendimento? Esse que é o maior erro. A gente precisa enxergar ele por inteiro exatamente para poder planejar como vamos atender quem precisar de atendimento. Vou te dar um exemplo. Todo o mundo ouve falar, e já ficaram famosas, as tais previsões do Imperial College, da Inglaterra. ‘Ah, porque vai ter não sei quantas mortes’. Eu não sei quem é que está se dando ao trabalho jornalístico de fazer isso, mas, se pegar as primeiras previsões deles e comparar com a realidade, vocês vão ver que o erro deles é grosseiro. As previsões estavam todas erradas, praticamente. Só que essas previsões acabam sendo usadas para definir políticas. Aí tu pega um secretário de saúde de uma cidade aqui do nosso Estado ou do Estado inteiro e o cara recebe a informação de que vai ter não sei quantos pacientes que vão precisar de UTI, ele sai atrás para comprar respirador, leito de UTI. Todas as políticas eram baseadas nessas estimativas que eram projeções matemáticas.

A nossa pesquisa começa a acabar com isso. Vamos parar de fazer projeções matemáticas e de futurologia e vamos analisar a nossa população. Vamos lá, vamos ver quanto da população tem a doença. E aí, com isso, as previsões se tornam muito mais fidedignas. A gente pode calcular se precisa investir agora em pegar a Arena do Grêmio e o Beira-Rio e fazer hospital de campanha, como fizeram no Pacaembu, ou se é prioridade investir em mais leitos de UTI, ou se já temos o número suficiente de leitos e de enfermarias e a prioridade agora é colocar mais testes para começar a testar a população e devolver gradativamente para o mercado de trabalho. Então, assim, essas decisões, que são as mais importantes do momento, começam a ser baseadas em informações verdadeiras, dados de pessoas reais que moram aqui no Estado. Essa que é a grande vantagem da pesquisa.

Sul21 – Tu falastes, reitor, que os primeiros dados apresentados são só a primeira fase, porque um panorama mais completo vai poder ser encontrado após a quarta fase da pesquisa, que é feita a cada duas semanas, não é?

Pedro Hallal: A analogia que a gente está usando para explicar isso é a analogia do filme. Estamos tirando quatro fotografias, pelo menos quatro, talvez a gente acabe fazendo mais do que quatro vezes, mas o desenho da pesquisa é baseado em quatro fotografias. Vamos pegar quatro momentos no tempo e tirar uma foto para ver como está a saúde da população gaúcha em relação ao coronavírus. Mas a análise mais interessante é quando a gente transforma essa fotografia em um filme e começar a comparar a velocidade com que a infecção está se expandindo no Estado. Então, por exemplo, nessa primeira fase, claro que com todos os cuidados que têm que ser tomados, porque era um número pequeno de casos ainda, uma prevalência muito baixa, a gente estimou que de cada 2 mil pessoas no Estado, uma tem coronavírus. Ou seja, estima que a gente tenha aí cerca de 5,6 mil casos no Estado. Na segunda fase, a gente não sabe qual resultado que vai dar, mas vamos poder comparar com esse primeiro. Digamos que, nessa segunda fase, a gente estime que, em vez de 5,6 mil casos, já tenha 30 mil casos no Estado. É uma diferença brutal. Então, eu diria que o grande segredo dessa nossa pesquisa, o ponto central dela, é transformar essa sequência de fotos num filme, isso que fará com que ela seja mais relevante ainda para a tomada de decisão.

Sul21 – Reitor, explica para nós como é essa pesquisa. Ela não é um teste de quem está contaminado no momento, mas de quem já pegou no passado. Como é feito isso?

Pedro Hallal: Vou reduzir para o público entender uma coisa que é um pouco mais complicada do que eu vou explicar, mas vou explicar de um jeito que basicamente passa a mensagem. Existem dois tipos principais de testes para se fazer para uma doença viral como essa. Existe um teste que tu tenta buscar a infecção em si, que são basicamente os testes de PCR, e existem testes em que tu não vai buscar a infecção, vai buscar os anticorpos. Ou seja, o que o corpo produziu para lidar com a infecção. A gente está trabalhando com este tipo de teste na pesquisa. Então, quando a gente tem um teste positivo nessa pesquisa, isso quer dizer que a pessoa já teve contato com o vírus e já deu tempo para ela desenvolver anticorpos. Esse teste não é bom para ser usado numa unidade básica de saúde ou num hospital, porque, no hospital, tu quer saber o contrário, se ele está infectado neste momento. Porque, se ele estiver infectado, tu quer afastar ele das outras pessoas, tu quer decidir o curso do tratamento do cara. O nosso teste não é para a assistência em saúde, é um teste que, para a pesquisa, é inclusive melhor do que o outro, porque ele nos dá uma ideia do percentual da população que já tem anticorpos e, portanto já está imunizado.

Sul21 – Então é possível que alguém estivesse no estágio inicial de infecção e não tenha sido detectado?

Pedro Hallal: Exatamente, isso é uma das coisas que a gente apresenta com bastante cuidado nas limitações da pesquisa. Esse teste não é para identificar infecção aguda, é um teste para identificar anticorpos. Por isso que, na apresentação, a gente fez questão de dizer que o panorama que a gente apresentava, essa estimava de 5,6 mil casos, era uma estimativa para, mais ou menos, duas semanas atrás. Porque, com esse teste, a gente começa a ter uma confiabilidade alta a partir do sétimo, do décimo dia depois do primeiro contato da pessoa com o vírus.

Sul21 – Então, para medir a realidade da doença hoje, teria que refazer o teste daqui a 10 dias?

Pedro Hallal: Exatamente, por isso que o nosso desenho, que é baseado em várias fases, vai pegando fotografias em diversos momentos no tempo. Isso que é o mais bonito do nosso desenho, ele vai avaliando o que está acontecendo ao longo do tempo.

Sul21 – Entrando agora na avaliação que o governador fez da situação do coronavírus nessa semana com esses anúncios de que vai começar a liberar a reabertura do comércio, dependendo, claro, de uma série de restrições, da situação de cada cidade e desse interesse de migrar para um distanciamento controlado. Como o senhor avalia essas medidas? A gente já tem informações suficientes para que essas medidas sejam tomadas sem um risco de explodir lá na frente e ter que fechar de novo?

Pedro Hallal: É bom que tu tenha perguntado porque é uma questão que tem que ficar muito clara, a gente até publicou uma nota no nosso site. Nós, como pesquisadores, entendemos que o distanciamento social nos moldes em que estava até o momento em que apresentamos o resultado da pesquisa era o ideal. Então, assim, se fosse uma pergunta específica para nós, nós entendemos que o distanciamento social deveria ser mantido nos mesmos moldes. Mas, eu acho que a questão central não é a decisão ou o anúncio que o governador fez, para falar bem a verdade. Eu estava junto, eu ouvi tudo que o governador falou, o anúncio tinha uma série de preocupações, de senões, etc e tal. O que me preocupou foi que, no outro dia de manhã, alguns prefeitos, sem levar em consideração aquelas informações, já mandaram abrir tudo. E aí nós temos que entender bem essa independência que existe entre nós, da academia, e os gestores. Os gestores é que têm o poder de decisão, a nossa função é comunicar os resultados das pesquisas e comentar sobre as decisões. Então, assim, o que me preocupou mais não foi o anúncio do governador na quarta, foi a forma como ele foi interpretado por alguns prefeitos que entenderam assim: ‘Ah, agora que eu posso, vou mandar abrir tudo’. Gente, eu vi Bagé abrir tudo. Admito que eu fiquei impressionado. Uma cidade pequena como Bagé, que tem 28 casos confirmados. Para usar a analogia do iceberg, 28 casos confirmados significa mais de 200. Nós estamos falando de uma decisão que pode ter consequências catastróficas no caso de Bagé. A minha preocupação maior tem sido com a forma como os prefeitos encaram o decreto que foi apresentado pelo governador na quarta. Fiquei muito preocupado quando vi as informações. Aqui na nossa cidade, Pelotas, a informação que se tem é que a prefeita não liberou, ela decidiu, por pelo menos mais uma semana, manter o comércio fechado e parece que está anunciando um plano para gradativamente reabrir. Mas, assim, nesse momento, me preocupou muito a atitude desses prefeitos que interpretaram, na minha percepção, equivocadamente o decreto do governador e saíram abrindo tudo rapidamente.

Sul21 – Eu queria voltar à análise sobre o Imperial College e aquilo que tu falastes na apresentação de quarta-feira, de que as taxas de letalidade que estão sendo divulgadas estão usando denominadores errados. Tu poderias explicar por que as projeções estão erradas?

Pedro Hallal: Vamos lá. Por que eu acho que o Imperial College e outros órgãos que trabalharam muito nessas decisões lá atrás erraram muito? Porque eles não estavam olhando para o iceberg como um todo. Eles podem se justificar e dizer: ‘É, claro, não tinha as informações’. É verdade, não tinham. Mas, para qualquer modelo que tu faz para doenças, tu costuma usar o percentual da população que tinha a doença, e não tinha essa informação. Então, essa, para mim, é a razão pela qual os erros foram tão grandes. Essa é a primeira parte.

A letalidade merece uma resposta mais elaborada. O que é letalidade? Do total de pessoas que têm aquela doença, quantos por cento morrem. Em sala de aula, a gente sempre usa o exemplo de acidentes de avião. É um fenômeno que tem uma altíssima letalidade. Por quê? Porque, das pessoas que passam por um acidente de avião, a grande maioria morre. Então, a letalidade de acidentes de avião é muito alta. Agora, a mortalidade por acidente de avião é baixíssima. Morrem, talvez, 400 pessoas por ano no mundo. Em média, tem um acidente grande de avião por ano no mundo e alguns aviões pequenos. Então, a mortalidade é baixa e a letalidade é alta. Como é o caso do coronavírus? O coronavírus tem uma letalidade bem baixa, só que a mortalidade é muito alta. Por quê? Porque muita gente pega a doença. Diferente de acidente de avião, que quase ninguém tem, o coronavírus muita gente tem. O que o pessoal estava fazendo e ainda está, como o Ministério da Saúde, estão calculando a letalidade com o número de mortes sobre o número de casos. O problema é que esse número de casos que eles usam, como eu estou te falando no caso do Rio Grande do Sul, e nos outros lugares deve ser parecido, é sete vezes menor do que a verdade. Então, a letalidade certa do coronavírus no RS, pegando no dia que a gente pesquisou — e a gente até preferiu nem focar nisso, porque tem uma certa imprecisão –, seria: tinha 17 mortos até aquele dia no RS e uma estimativa de 5,6 mil casos. Então, esse é um cálculo de letalidade. Agora, o cálculo que vinha sendo apresentado é de 17 mortos e 700 e poucos casos. Não é verdade, são 700 e poucos casos confirmados. Então, o uso equivocado do termo letalidade tem gerado algumas interpretações meio malucas. Na Itália, o dia que eu analisei, tinha 105 mil casos e 12 mil mortes. Ou seja, a letalidade, nesse cálculo tabajara, era tipo 10%. Olha, se a gente sabe que o coronavírus é uma doença viral, que, se não tivermos vacina, ela vai atingir toda a população, um pedaço grande da população, a gente vai fazer a conta assim: ‘O Brasil tem 210 milhões de pessoas, se 10% delas vão morrer com o coronavírus, então vai morrer 21 milhões. É uma piada, é óbvio que não vai morrer isso e que a letalidade do coronavírus não é 10%. As melhores estimativas que a gente têm, inclusive, é de uma letalidade próxima de 0,1%. Faz muita diferença. E a letalidade é um dos indicadores mais importantes para a população, porque a população quer saber isso. ‘Se eu pegar esse troço, qual é a chance de eu morrer?’ E aí, quando tu diz que é 10% no geral, as pessoas ficam mais apavoradas do que precisariam. Claro que eu não estou minimizando com isso o efeito da pandemia. Pelo contrário, a gente até cuida para falar da letalidade baixa exatamente por isso, porque algumas pessoas podem fazer uma interpretação equivocada e dizer: ‘Ah, se só vai morrer 0,1% das pessoas, não têm problema, libera tudo e vamos seguir o país’. O problema é que 0,1% das pessoas no Estado do Rio Grande do Sul, se nada for feito, se não chegar vacina ou medicamento, ainda assim não é numero pequeno. São 11,3 milhões de habitantes, 1% é 130 mil, um décimo disso são 13 mil pessoas. A gente não quer que morram 13 mil pessoas. Então, a gente tem que trabalhar para conseguir identificar vacina, identificar medicamento, mas, especialmente, a gente tem que trabalhar para o serviço de saúde poder atender adequadamente todo mundo. Para isso, precisamos do distanciamento, essa que é a questão. O segredo do distanciamento não é evitar que as pessoas tenham contato com o vírus, as pessoas vão ter contato com o vírus. O problema é garantir que elas não tenham contato num ritmo muito acelerado porque aí, quando elas precisarem, o serviços de saúde vai conseguir atendê-las.

Sul21 – O que, inclusive, acabaria elevando a mortalidade.

Pedro Hallal: E a letalidade também. Vai aumentar porque aí tu vai ter o 0,1% — esse número não é exato, mas vamos falar como se fosse verdade — de ‘letalidade natural’, que é a letalidade que teria se todo mundo tivesse acesso, e tu ainda teria uma segunda parte da letalidade, que foi o que aconteceu na Itália, infelizmente, que é uma letalidade evitável, que não precisaria acontecer e só aconteceu porque as pessoas não tiveram acesso ao tratamento adequado, não tiveram acesso a respirador e coisas do tipo.

Sul21 – E ainda teria uma terceira letalidade que é o fato de que pessoas com outras doenças acabam não conseguindo ter acesso a hospitais como teriam em condições normais.

Pedro Hallal: Exatamente. Então, tudo isso faz com que a gente tenha que trabalhar na lógica do distanciamento. A gente sabe que o distanciamento não pode durar para sempre, que tem consequências econômicas. Agora, eu tenho evitado fazer essa dicotomia que algumas pessoas têm tentado fazer entre proteger o emprego e a economia ou proteger a saúde. Não é verdade. Até um pesquisador que ganhou o Nobel de Economia há alguns anos já fez uma manifestação de que, para a economia, é melhor salvar vidas nesse momento. Entre ficar um tempo parado e salvar mais vidas ou ficar menos tempo parado, deixar a economia girar, a economia vai ter perdas muito maiores com um número grande de perdas de vidas. Então, acho que é importante ter esse cuidado. Repetindo o que eu te falei lá atrás, nesse momento, o caminho que a ciência aponta é a manutenção do distanciamento social. A decisão sobre isso é dos gestores, mas o caminho é esse.

Sul21 – Como tu vês essa situação de que a gente vai ter um distanciamento mais rigoroso em algumas cidades, enquanto outras vão ter uma vida ‘mais normal’? Pode ser preocupante essa diferença de regras, daqui a pouco termos pessoas indo de regiões ‘mais normais’ para outras que deveriam ter mais restrições? Esse é o ponto que a gente vai chegar a partir do início de maio, com situações diferentes no Estado.

Pedro Hallal: Em teoria, não tem problema tu ter políticas de distanciamento diferentes de acordo com o estágio da pandemia. Não tem nenhum problema. Pelo contrário, é o normal, o que se espera. As políticas de distanciamento tem que ser feitas de acordo com o estágio da pandemia. Agora, eu acho que, numa região geográfica tão pequena como o Rio Grande do Sul, tu ter uma política de distanciamento tão diferente entre os municípios pode, sim, gerar problemas. Pode gerar picos da doença em alguns lugares e esses lugares não terem capacidade instalada, pode acontecer de ter picos da doença em alguns lugares e eles acabarem tendo que usar os serviços de saúde de outros lugares e aí dar problema, porque, depois, quando esse outro lugar precisar, não tem. Então, sendo bem cuidadoso, em teoria, não há problema em tu adaptar as medidas de distanciamento à situação epidemiológica do momento da epidemia em um lugar. Agora, eu acho isso razoável quando a gente fala de diferentes estados, de diferente países. Quando a gente desagrega isso a nível de município por município, aí fica mais complicado. Imagina a Região Metropolitana de Porto Alegre, que não é um bom exemplo porque a regra é a mesma, se Canoas estiver tudo aberto e Porto Alegre tudo fechado. Não faz muito sentido, uma cidade é continuação da outra. Se Canoas estiver tudo aberto, as pessoas de Porto Alegre vão a Canoas e vão fazer o que tem que fazer. Eu acho que um certo nível de regramento mais macro é necessário nesse momento e aí volto ao papel central desses gestores mais do agregado, como presidente, ministro da Saúde e o governador.

Sul21 – Até porque, no Rio Grande do Sul, algumas cidades que são polos de saúde acabam recebendo muitas pessoas de fora.

Pedeo Hallal: Exatamente. Te dou o exemplo hoje de Pelotas. Parece que tem dois pacientes em UTI, só 2, um é de Pelotas e o outro é de fora daqui. Claro que é muito pouco para dizer que metade das nossas UTIs vão ser ocupadas por pessoas de fora, é muito pouca gente ainda, mas já dá um indicativo de que tem um componente regional que não pode ser ignorado.


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