Entrevistas|z_Areazero
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16 de março de 2020
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09:45

‘Para resposta efetiva ao coronavírus, precisamos de um sistema público de saúde estruturado e interligado’

Por
Sul 21
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Ricardo Kuchenbecker: O grande risco está na população entre 60 e 80 anos, onde a mortalidade varia entre 15 e 18%. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Marco Weissheimer 

Nos próximos dias, a população brasileira passará da condição de espectadora do avanço do novo coronavírus pelo mundo para a de diretamente envolvida na luta para conter as transmissões e tratar as pessoas que tiverem o sistema respiratório atingido pelo vírus. O sistema público de saúde, capilarizado por todo o pais, é a principal arma de que o Brasil dispõe para enfrentar o coronavírus, mas os problemas de subfinanciamento que atingem esse sistema podem diminuir a efetividade da resposta ao avanço da epidemia. “É preciso ter um sistema público de saúde estruturado em mais de cinco mil municípios e interligado se quisermos ter uma resposta efetiva para a epidemia”, diz o médico Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Gerente de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Em entrevista ao Sul21, Ricardo Kuchenbecker fala sobre a natureza e a dimensão e a natureza dos problemas que serão enfrentados com o avanço do coronavírus no Brasil. Com a experiência de quem atuou em duas duas grandes emergências em saúde pública vivenciadas pelo Brasil nas últimas décadas, as epidemias de HIN1 (2009-2010) e Zica vírus (2015-2016), Kuchenbecker destaca a importância que o conhecimento e o acesso à informação terão no enfrentamento da crise sanitária que se avizinha. E alerta para a complexidade das implicações resultantes de decisões que envolvem restrição de convívio social, que terão que ser tomadas nos próximos dias.

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 “Nós temos hoje um estado de bem-estar social que dá conta desse ‘break’ que precisa ser dado? Temos uma estrutura de apoio que segure as crianças em casa sem que isso implique uma parada na produção? Temos relações de produção que nos ajudam, de forma solidária, a lidar com todo esse processo? Não temos. Isso maximiza o impacto de uma situação como essa que estamos vivendo”.

Sul21: O senhor já tem experiência em enfrentamento de epidemias e trabalhou em duas das grandes emergências em saúde pública que ocorreram no Brasil nos últimos anos, gripe H1N1 (2009-2010) e Zica Vírus (2015-2016). À luz dessa experiência, como avalia a chegada do novo coronavírus no Brasil, que praticamente coincidiu com a declaração de pandemia feita pela Organização Mundial da Saúde?

Ricardo Kuchenbecker: Uma pandemia já era algo esperado. Na verdade, o que a Organização Mundial da Saúde fez foi reconhecer que há, do ponto de vista geográfico, uma expansão em termos de casos e países. Desde dezembro e janeiro, o mundo já antevia que a decretação de uma pandemia era só uma questão de tempo.

Há uma série de medidas preparatórias para o enfrentamento dessa situação que foram sendo tomadas neste período: produção de informação em tempo real pelos países; compartilhamento dessas informações entre os países para que possamos ter uma leitura do cenário global, ao mesmo tempo em que é importante entender o comportamento do vírus nos países e nos continentes; criação de estratégias de disseminação da informação como, por exemplo, a adoção pelas revistas científicas de um processo ágil de artigos que chegam contando essa história toda. Estou simplificando aqui um movimento muito mais amplo, onde os países, liderados por seus sistemas de vigilância epimediológica, e também a Organização Mundial da Saúde foram se preparando para aquilo que parecia só uma questão de tempo, saindo do contexto asiático e ganhando uma dimensão global.

“Ainda não tivemos acesso à informação completa da China, de Hong Kong e mesmo da Itália sobre aqueles casos mais leves”. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

O que há de semelhante em relação a outras epidemias recentes, notadamente o H1N1 e outras variantes de vírus que desenvolvem síndromes respiratórias, é a expectativa de um número grande de casos. É importante ter claro, porém, que ainda estamos olhando para os casos mais graves. Ainda não tivemos acesso à informação completa da China, de Hong Kong e mesmo da Itália sobre aqueles casos mais leves. Com isso, a gente acaba tendo uma visão um pouco distorcida. Chama muito a atenção de qualquer pessoa olhar para um lugar onde as pessoas estão completamente paramentadas em um local de circulação restrita, manejando pacientes em situação grave. Mas é importante dizer que essas pessoas em situação grave representam menos de 15% do total de atingidos.

Milhares de pessoas vão a óbito no Brasil todos os anos por causa de gripe. Daí a justificativa para a vacina da gripe. Mas uma situação como essa de epidemia desperta uma grande ansiedade na população por conta da maior visibilidade. O coronavírus é um dos tipos de vírus respiratórios e ele causa um numero “x” de mortes/ano. A semelhança que mencionei tem a ver com isso. Para a gripe, nós temos uma estratégia de imunização e isso diminui muito o impacto da doença, seja pelo numero de casos de pessoas afetadas ou de pessoas mortas pela enfermidade. Para esse novo coronavírus nós não temos isso. Mas é importante que as pessoas saibam que, de cada 100 pessoas infectadas, cerca de 80 delas ficam bem e se recuperam completamente. Algo entre 10 e 15% (20% no máximo) fazem formas mais graves a ponto de precisar buscar um serviço de saúde e um atendimento de nível mais avançado com suporte de UTI.

Estamos falando do vértice de uma pirâmide. Ainda estamos vendo o vértice de diferentes pirâmides, da China, de Hong Kong, da Itália. Ainda falta entender um pouco melhor a base dessas pirâmides. O vértice não sem mantém no ar. Ele tem uma base, que é constituída pelos casos menos graves, que são manejados em casa e não necessariamente precisam buscar atendimento no serviço de saúde. À medida que passarem as semanas e tivermos mais informações sobre a base da pirâmide, esses números provavelmente vão diminuir, não em número de casos novos, mas no que diz respeito à taxa de letalidade, de mortalidade. Talvez até a taxa de infecção caia. À medida que temos a base da pirâmide, diminui a relação entre o numerador “mortes” e o denominador “casos afetados”.

Ainda estamos olhando para um cenário muito adverso. A expectativa é que tenhamos um grande número de casos no Brasil e, proporcionalmente, um grande número de óbitos . Mas isso, é bom repetir, já acontece anualmente em função das doenças respiratórias, em especial a gripe, sem que as pessoas se preocupem muito com o que está acontecendo.

“As crianças, no caso do coronavírus, têm sido extremamente poupadas”. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Sul21: Uma diferença importante em relação a essas epidemias anteriores parece ser o grande impacto que o coronavírus já provocou na economia global e na vida social de diversos países. O noticiários dos últimos dias mostra as bolsas de valores derretendo e países como a Itália adotando medidas drásticas de isolamento. Em que medida, essas conseqüências econômicas, políticas, sociais podem influenciar o próprio manejo da epidemia?

Ricardo Kuchenbecker: Temos aí um processo bastante complexo que envolve desde temas estruturais até questões de natureza clínica. Vou começar pela questão clínica. Quando suspendemos aulas, interferimos na economia drasticamente, pois muitas mães e pais não têm onde deixar seus filhos. As crianças, no caso do coronavírus, têm sido extremamente poupadas. Segundo os dados que vieram da China, que são as informações mais robustas que temos até hoje, as crianças têm uma taxa de mortalidade muito pequena, praticamente desprezível. O grande risco está na população entre 60 e 80 anos, onde a mortalidade varia entre 15 e 18%. Boa parte das crianças fazem infecção de modo assintomático. No entanto, elas são um importante modo de transmissão para outras crianças, para seus pais, seus avós e seus cuidadores. Como lidar com isso? É importante que os países tenham medidas de restrição social, incluindo o cancelamento temporário de atividades escolares. Mas quando cancelamos atividades escolares, sem a presença de uma rede de apoio e de suporte social, teremos um conjunto de dilemas para enfrentar.

Considerando as questões estruturais, nestes tempos em que temos uma economia global totalmente volátil, qualquer situação que de alguma maneira interfira na indústria do turismo, na capacidade produtiva ou na circulação de pessoas pode ter impactos muito grandes. Os relatos que estamos vendo são dramáticos em termos do impacto e do prejuízo que já está atingindo as empresas de transporte aéreo, por exemplo. É difícil dimensionar hoje a dimensão desse impacto. Uma das recomendações que vêm sendo dadas é o trabalho em casa. Mas quem é mesmo que tem a oportunidade de fazer isso? É como se a epidemia, pelas suas restrições de contato social e em termos de mortalidade, impusesse aos sistemas de produção um ajuste de contas.

Nós temos hoje um estado de bem-estar social que dá conta desse ‘break’ que precisa ser dado? Temos uma estrutura de apoio que segure as crianças em casa sem que isso implique uma parada na produção? Temos relações de produção que nos ajudam, de forma solidária, a lidar com todo esse processo? Não temos. Isso maximiza o impacto de uma situação como essa que estamos vivendo. Basta olharmos para o que está acontecendo agora na Itália, um país que depende fortemente do turismo. Se a economia americana depende fortemente da economia chinesa e a China está parando parte importante da produção, isso tem um efeito cascata gigantesco. Epidemias como esta mostram que vivemos em um grande ecossistema que também tem uma vertente econômica intrinsecamente ligada a ele.

Temos também o aquecimento global provocando mudanças climáticas que abrem a possibilidade para outras doenças que não eram previstas antes. Tomemos um exemplo pontual aqui de Porto Alegre. A cidade também vem passando por um processo de mudança de seu clima que fará com que tenhamos a dengue como uma doença endêmica. Essa dimensão ecológica e epidemiológica da globalização e suas conseqüências é um tema muito importante ao qual devemos prestar atenção.

É natural que o vírus se aperfeiçoe por meio de mutações. Esse é um processo inerente a esses organismos, assim como também ocorre com as bactérias. Mas isso ganha uma economia de escala e uma grande amplitude, quando temos populações vivendo junto de viveiros de animais em condições muito insalubres, como ocorre em países como Tailândia, Laos e várias regiões da China. É possível que uma parte importante da propagação inicial desse surto de coronavírus tenha surgido em um mercado de alimentos onde esses animais são consumidos. Estamos falando, portanto, de uma intrínseca relação entre os diferentes modos de produção, a forma como a sociedade se organiza a partir desses modos de produção e o impacto de tudo isso na saúde das pessoas, dos animais e do planeta como um todo.

“Já estamos percebendo situações em que as pessoas estão sendo discriminadas em função do coronavírus”. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Sul21: “Distanciamento social” é uma expressão que vem ganhando crescente espaço no noticiário no mundo todo, como uma medida necessária conter a propagação do novo coronavírus. Em que medida essas decisões de cancelamento de eventos, suspensão de aulas, trabalho em casa e outras medidas de isolamento serão importantes e necessárias aqui no Brasil também?

Ricardo Kuchenbecker: Medidas de isolamento social, que são derivações dos cordões sanitários do século passado, às vezes são muito drásticas e impositivas. Elas efetivamente têm um papel em conter o crescimento exponencial dos casos, mas elas trazem um conjunto de repercussões e reforçam estigmas, o que também é um problema. A situação é um pouco diferente, mas a analogia vale. Estamos na quarta década da epidemia de Aids e ainda hoje o estigma de viver com o vírus é um problema para as pessoas. Já estamos percebendo situações em que as pessoas estão sendo discriminadas em função do coronavírus. A mobilidade populacional é fator de transmissão, mas isso é diferente de imputar responsabilidade a imigrantes ou a turistas. Tudo isso é fruto de um processo econômico. Mas preciso dizer que medidas de restrição social, quarentenas, quarentenas voluntárias são efetivas. Aí temos um conjunto de problemas a enfrentar. É um tema de saúde pública, mas que, sem uma discussão e implementação adequadas com a sociedade, pode ter mesmo uma conotação de restrição de liberdades.

Sul21: Como é que o nosso sistema de saúde está preparado para enfrentar a epidemia?

Ricardo Kuchenbecker: A primeira coisa a dizer sobre isso é que, provavelmente, nenhum sistema de saúde no mundo esteja preparado para dar conta de um aumento exponencial dessa magnitude em tão curto espaço de tempo. A segunda é que é preciso construir estratégias supranacionais. A mobilidade acabou com as fronteiras e precisamos construir mecanismos de uma saúde global. A terceira é chamar a atenção para o fato de que a resposta do país A, depende da resposta do país B, que depende da do país C e assim por diante. Temos uma dimensão de interdependência e de facilidade de mobilidade nunca antes vista. Nós temos visto até aqui alguns países sendo mais capazes de construir uma resposta efetiva e outros menos. Mas ainda é cedo para estabelecer comparações. Ouvimos pessoas dizendo, por exemplo, que Hong Kong foi mais efetivo na sua resposta do que a China. Não é possível fazer esse tipo de comparação.

“Nós ainda vivemos uma condição de sub-financiamento crônico do sistema”. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Considerando a nossa perspectiva, nenhum país com a dimensão continental como a nossa e com a nossa população tem um sistema de saúde pública de base nacional bancado com recursos públicos como o nosso. Países como Inglaterra, Espanha, França e Austrália têm um sistema nacional de saúde pública, mas nenhum deles têm o nosso contingente populacional e extensão territorial. O SUS, funcionando como uma articulação interfederativa envolvendo União, Estados e Municípios, tem a configuração necessária, do ponto de vista da estrutura de governança de um sistema de saúde, para responder uma epidemia que desconhece fronteiras.

No entanto, nós ainda vivemos uma condição de sub-financiamento crônico do sistema e, em um contexto como esse que estamos enfrentando, diminui a potencialidade de ter um sistema de saúde interfederativo. A dificuldade é que a soma das respostas dos municípios e do Estado talvez não dê conta das necessidades decorrentes do aumento exponencial do número de casos. O Ministério da Saúde vem fazendo uma articulação importante entre União, estados e municípios, mas grandes aglomerados urbanos como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre talvez sofram mais fragilidades. Nós, aqui, na verdade, não olhamos para a saúde dos cidadãos porto-alegrenses, mas sim de uma população que, só ponto de vista geográfico, envolve 33 municípios que compõem a Região Metropolitana. E se olharmos para casos mais graves estamos falando de muito mais gente ainda.

Epidemias são um desafio adicional para o sistema de saúde. Vamos precisar de muito acesso à informação. Se eu tenho sinais de algum sintoma, antes de mover eu preciso de informação. A grande estratégia aqui é prover uma maneira por meio da qual o cidadão liga para um centro de saúde, diz o que está sentindo e alguém, do outro lado da linha, com base em um algoritmo, questiona com quem essa pessoa teve contato, entre outras coisas. A partir daí, se tem uma definição de caso provável e se desloca alguém para coletar uma amostra de secreção nasal. A orientação é para que essa pessoa permaneça em casa, evite contatos, etc. É assim que seremos efetivos. Os países têm muita dificuldade em fazer uma resposta na base do território em que as pessoas vivem.

Sul21: A tendência é se criar, entre a população, um crescente sentimento de preocupação. Resfriados são comuns e, no contexto atual, as pessoas podem aumentar ainda mais a pressão sobre o sistema de saúde sem que isso seja necessários. O Ministério da Saúde disponibilizou um aplicativo agora que pode ajudar neste sentido.

Ricardo Kuchenbecker: Sim, esse aplicativo é uma iniciativa muito interessante, que trabalha com a ideia de vigilância epidemiológica participativa. Eu, como cidadão, que nem conheço necessariamente toda essa complexidade do sistema, contribuo com informações dizendo se estou bem ou não. Se tenho alguns sintomas, isso já me ajuda e orienta sobre que recursos buscar. Essa é uma tendência recente que abre a possibilidade de monitorar em tempo real a evolução da doença e, do lado da população, de ter uma maior autonomia no cuidado. Essa iniciativa do aplicativo é extremamente interessante e já foi testada em dois grandes eventos esportivos, as Olimpíadas e a Copa do Mundo. O Brasil foi o primeiro país a testar essa ferramenta em eventos de massa. Isso é o futuro. Algoritmos que a Universidade Federal de Minas Gerais já desenvolveu há quatro ou cinco anos foram capazes de antever em alguns dias a emergência de focos de dengue só por informações que circularam no Twitter. Ou seja, redes sociais e aplicativos de uso individual são a grande perspectiva presente e futura para lidar com epidemias e com a saúde como um todo. Eles contribuem para empoderar os indivíduos em relação à sua própria saúde, possibilitando um maior auto-cuidado.

Sul21: Como o Hospital de Clínicas de Porto Alegre está se preparando para enfrentar a epidemia de coronavírus? Já foram anunciadas algumas medidas para restringir a circulação de pessoas nas dependências do hospital. Qual é a estratégia? Podemos ter novamente a instalação de barracas no pátio do hospital, para atendimento à população, como ocorreu numa epidemia de gripe anterior?

Ricardo Kuchenbecker: Temos trabalhado diuturnamente nisso. Em 2011, foram armadas duas barracas aqui na frente e algo em torno de seis e oito mil pessoas foram atendidas. Essas barracas foram emprestadas pela Aeronáutica e o hospital conseguiu ampliar o numero de atendimentos de casos menos graves e também tirar esse atendimento de dentro do prédio, diminuindo os riscos de transmissão. Foi uma estratégia que funcionou muito mesmo. Eu mesmo fui voluntário em alguns domingos no atendimento. Agora, em nosso plano de contingência, está previsto um cenário em que provavelmente tenhamos que lançar mão dessa estratégia de novo. Já conversamos com a Secretaria da Saúde e isso vai depender um pouco da evolução da situação.

“Hoje, nós temos aqui em Porto Alegre, uma situação anterior ao estágio da transmissão sustentada ou comunitária”. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Hoje, nós temos aqui em Porto Alegre, uma situação anterior ao estágio da transmissão sustentada ou comunitária. Todos os casos que tivemos até agora tem um histórico de contato com outros países. Vai chegar um momento em que não vai ser possível mais rastrear essa transmissão entrando na fase daquilo que chamamos de transmissão comunitária ou sustentada. Quando tivermos essa virada muito provavelmente no momento seguinte começará essa estratégia de barracas para atendimento da população.

Sul21: Já uma estimativa de quando deveremos chegar a esse estágio?

Ricardo Kuchenbecker: É uma previsão difícil de fazer. Há alguns modelos matemáticos que trabalham com a ideia de que, depois de atingir 50 casos, passamos a ter um crescimento exponencial. É bastante provável que isso possa acontecer num futuro bem próximo, nas próximas duas ou três semanas. Mas insisto que não precisamos, necessariamente, ter um tom alarmista. Pelo contrário. Estamos vendo as pessoas muito assustadas e também vendo os profissionais de saúde assustados. Embora as precauções sejam necessárias, a gente vai lidar com isso da mesma forma que lidou com outras epidemias. Se eu higienizo minhas mãos com álcool gel, isso já diminui muito a transmissibilidade do vírus. Há um raio de um metro meio ou dois no qual o vírus pode ser transmitido por tosse, espirro ou secreção oral. Ele não fica suspenso no ar. Não é uma doença de transmissão aérea como a tuberculose. Então, há medidas que são muito efetivas. Já estamos vendo pessoas que estão usando máscaras nas ruas, quando o mais importante é levar regularmente as mãos e usar álcool gel sistematicamente.

Outra coisa que preocupa é como vamos escalonar um eventual aumento de demanda nos hospitais e de terapias intensivas. Já temos uma movimentação de parte do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais e municipal de Saúde no sentido de prover um aporte adicional para leitos. Essa demanda provavelmente vai ser importante.

Sul21: A epidemia do coronavírus parece carregar consigo uma certa ironia política e social, considerando o crescimento nos últimos anos dos discursos anti-ciência, anti-serviço público, alimentados por uma onda de fake news, e agora as grandes armas contra a epidemia são a ciência, o setor público e a informação…

Ricardo Kuchenbecker: É a evidência de que precisamos da Ciência para viver mais e melhor, que precisamos de uma universidade produtiva e envolvida com as demandas da comunidade para viver mais e melhor, de um sistema de saúde público que funcione. Essa situação permite que mostremos para nós mesmos o quão importante é produzir conhecimento científico que possa entender as nossas especificidades em um país continental como o Brasil. É preciso ter um sistema público de saúde estruturado em mais de cinco mil municípios e interligado se quisermos ter uma resposta efetiva para a epidemia.


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