Entrevistas|z_Areazero
|
15 de abril de 2019
|
10:36

Eduardo Leite: População analisar temas complexos pode levar à decisão inconsequente

Por
Luís Gomes
[email protected]
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, concede entrevista ao Sul21 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Ao completar os primeiros 100 dias de sua gestão, o governador Eduardo Leite (PSDB) concedeu uma verdadeira maratona de entrevistas a veículos de comunicação. Durante a semana que passou, além de uma entrevista coletiva, recebeu no Palácio Piratini diversos veículos para entrevistas individuais, entre eles o Sul21, que havia tentado sem sucesso nos últimos quatro anos entrevistar o governador José Ivo Sartori (MDB). Na última terça-feira (9), a reportagem foi recebida pelo governador em seu gabinete para uma conversa de meia hora.

Leia mais:
Com foco em privatizações, Leite faz balanço de seus primeiros 100 dias de governo
100 dias de Leite: o que deputados pensam do governo até aqui?
100 dias de Leite: entidades cobram que ações acompanhem promessa de diálogo

Esta conversa abre com um questionamento a respeito do projeto (PEC 272) que prevê retirada da obrigatoriedade do plebiscito para a privatização das estatais Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás. A pergunta é sobre a mudança de posicionamento do governador a respeito da realização do plebiscito, que ele teria defendido durante a campanha de 2018. Em conversa recente para outra matéria a respeito dos 100 dias do governo Leite, José Luiz Bortoli de Azambuja, vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS), disse que o agora governador se comprometera, durante visita ao sindicato em meio à campanha, com a realização do plebiscito. O tucano nega que essa tenha sido sua posição e, durante a entrevista, chegou a pegar um celular para mostrar entrevistas concedidas no mesmo período em que defendia a realização do plebiscito apenas para o caso de não conseguir aprovar sua retirada na Assembleia Legislativa.

“O que eu disse é que é um assunto que precisa ser resolvido, encaminhado, dentro dos primeiros seis meses de governo”, afirma. Para o governador, a privatização das estatais é uma questão técnica que envolve “temas muito rebuscados” e deixar temas complexos para análise da população poderia “levar a uma decisão inconsequente”.

Ao longo da conversa, o governador também fala sobre o que diferencia ele de seu antecessor, sobre a possibilidade de conceder a reposição das perdas inflacionárias aos servidores que estão há quatro anos com salários congelados — como é o caso dos professores estaduais que realizaram manifestação diante do Piratini na sexta-feira (12) –, sobre medidas do governo federal de Jair Bolsonaro (PSL) que têm afetado o Rio Grande do Sul, entre outros assuntos. Confira a íntegra da conversa a seguir.

Eduardo Leite completou 100 dias à frente do governo do Rio Grande do Sul na última quarta-feira (10) | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – O senhor tem apresentado como uma marca do seu governo a abertura ao diálogo. Mas, nesse ponto, durante a campanha, o senhor disse que iria encaminhar a questão do plebiscito nos seis primeiros meses de governo. Não é um contrassenso nessa questão do diálogo o senhor encaminhar o plebiscito agora em vez de ouvir a população?

Eduardo Leite: Não é verdade que eu tenha dito que iria encaminhar o plebiscito. Em entrevistas comigo no Jornal do Almoço, no Jornal do Comércio, eu disse que se tivermos espaço para tirar a exigência do plebiscito, faremos. Se identificarmos esse espaço com a Assembleia Legislativa, faremos. Se não, chamaremos o plebiscito nos primeiros seis meses do governo. O que eu disse é que é um assunto que precisa ser resolvido, encaminhado, dentro dos primeiros seis meses de governo. Objetivamente, eu vejo que a questão do plebiscito, das privatizações, envolve, vamos dizer assim, temas muito rebuscados, refinados, de conhecimento de oportunidade de negócios, do quadro fiscal das empresas, as tecnologias que ameaçam inclusive a existência dessas empresas nas condições que elas operam, a dificuldade de uma empresa estatal atualizar tecnologicamente, a estabilidade no emprego que dificulta também processo de qualificação e gestão. Então, você tem que analisar todos esses pontos para definir se uma empresa deve permanecer pública ou não. Quem tem o tempo disponível, a capacidade de fazer as análises, são os representantes da população.

Os setores que mais nos criticam a respeito da retirada da exigência do plebiscito são naturalmente aqueles partidos à esquerda. Pois bem, por que esses partidos também não defendem então fazer plebiscito para fazer a redução ou não da maioridade penal? Por que não defendem plebiscito para pena de morte no Brasil? Porque a gente sabe que possivelmente a posição que vencerá no plebiscito nesses casos não será as posições que eles defendem, e que também nem eu defendo que haja pena de morte e redução da maioridade penal. Mas, se nós colocarmos isso à decisão do povo sem haver uma correta análise das consequências dessas decisões, poderemos levar a uma decisão inconsequente no final das contas. Então, se a gente lança para decisão de todos, se coloca sob a responsabilidade de ninguém esses assuntos.

Sul21 – Hoje o senhor conta com uma maioria folgada da Assembleia Legislativa que provavelmente vai garantir ao governo a aprovação da PEC. Mas, se tivéssemos em um cenário como vivenciado no governo passado de uma Assembleia mais dividida, nesse caso o plebiscito faria sentido? Continuariam as mesmas questões técnicas que o senhor apontou.

Leite: Como eu disse, havendo espaço para a gente resolver isso sem a necessidade de plebiscito, eu encaminharia assim. Se não fosse possível, faria o chamamento do plebiscito. Nós encontramos espaço político na atual composição da Assembleia para fazer o encaminhamento sem plebiscito. E falamos para a população claramente na eleição a intenção de encaminhar essas empresas à privatização. O outro candidato que foi conosco ao segundo turno também defendia. Então, já no primeiro turno, as candidaturas que 70% da população votou defendiam a privatização dessas empresas. De certa forma, entendemos chancelada a ideia do encaminhamento das privatizações.

Sul21 – O senhor também dizia na campanha que seria favorável às privatizações desde que os recursos fossem transformados em ativos. Agora que o senhor está no comando, qual é o plano para a utilização dos recursos da venda das estatais?

Leite: É natural que nós tenhamos que usar parte desses recursos para a reestruturação do Estado. A reestruturação do Estado significa dizer que nós temos passivos herdados, temos cerca de R$ 5 bilhões em restos a pagar. O Estado tem R$ 15 bilhões de precatórios em estoque. Você tem mais de R$ 60 bilhões da dívida com a União. A reestruturação dessas dívidas do Estado é fundamental também. Então, parte desses recursos serão utilizados para isso. Não é desejável, mas não é um problema. A crítica que eu fazia é que, no mandato anterior, o governo estava vendendo ações de empresas como o caso do Banrisul e colocando no custeio da máquina, sem ter uma reestruturação. Isso significa você vender o carro para pagar aluguel, vender almoço para pagar o jantar. Isso é o que não pode acontecer. A receita auferida com a venda das estatais tem que servir para um processo de reestruturação do Estado, por isso que entrará inclusive como fonte de receitas para o Plano de Recuperação Fiscal, ajudando o Estado a colocar suas contas em dia e deixar de precisar dessas receitas e assim poder sobreviver às suas despesas com receitas correntes.

Eduardo Leite nega que tenha defendido a realização do plebiscito durante a campanha | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Su21 – Nesse sentido, o Regime de Recuperação Fiscal é, na verdade, uma renegociação da dívida com a União, garante um fôlego para o Estado não precisar pagar as mensalidades que estavam na casa dos R$ 300 milhões quando o pagamento foi suspenso. Mas essa dívida vai ter que voltar a ser paga no futuro. O que eu pergunto é o seguinte: o RS já renegociou a dívida duas vezes, nos governos de Pedro Simon (MDB) e Antônio Britto (MDB), e nas duas ocasiões não foi corrigido o problema do crescimento dessa dívida e ela aumentou ao ponto de, na última vez que o governo pagou uma prestação, estava na casa dos R$ 60 bilhões. Por que a população tem que confiar que essa renegociação vai, de fato, resolver o problema da dívida?

Leite: Bom, você está comparando a outros momentos, de hiperinflação e, no governo Brito, foi justamente no processo de estabilização da economia brasileira em que o governo federal assumiu as dívidas dos estados e indexou as dívidas com índices que se revelaram, ao longo do tempo, insustentáveis ou insuportáveis para o Estado, viabilizando, se eu não me engano em 2015, a assinatura para um novo indicador de correção da dívida. Essa negociação que nós fazemos agora é para dar um espaço fiscal ao Estado. É a melhor negociação? É o melhor dos mundos? Não é, evidentemente. O melhor dos mundos é que nós não precisássemos de socorro. Mas o Estado se colocou nessa condição pela forma como foi conduzido historicamente, usando recursos finitos para sustentar despesas permanentes e assumindo novas despesas em custeio, seja em repasses na saúde, seja em salários, que o Estado dificilmente consegue reduzir, especialmente em salários pelo princípio da irredutibilidade. Então, nós chegamos em um ponto em que a sustentação da nossa dívida se revela insuportável e, portanto, nós precisamos ter um espaço. Mas eu também sempre frisei isso, o Regime de Recuperação Fiscal não resolve por si só o problema do Estado. Nós precisamos usar essa janela de oportunidade como espaço para crescer economicamente e viabilizar lá na frente, quando a dívida volta a ser paga, condições fiscais de adimplência às nossas obrigações. Por isso que é importante associar a esse processo de recuperação fiscal um projeto de desenvolvimento para o Estado. E o desenvolvimento, eu acredito, é feito por atração do investimento privado, que é quem gera riqueza, no final das contas.

O IBGE aponta que o RS não é um estado que exporta mais pessoas que outros estados. O problema é que nós somos um dos estados que menos importa gente. As pessoas não estão vindo morar no RS, não se sentem atraídas. Santa Catarina é um dos estados que mais traz pessoas de fora. Nós temos que passar a ser um estado interessante e ele vai ser interessante na medida em que haja desenvolvimento da economia, espaço, investimento privado para gerar emprego e renda nesse estado. Eu acredito bastante nisso, por isso que temos concessões e acredito que as privatizações também ajudarão a dinamizar a nossa economia.

Sul21 – Mas essa é uma agenda que não se diferencia muito do que o governador Sartori já propunha e ele não conseguiu ir além do ajuste fiscal e dar esse desenvolvimento que o senhor acabou de falar. No que o seu governo vai se diferenciar para conseguir ir além do ajuste fiscal?

Leite: Como eu disse, o centro da atenção do governo não é o ajuste fiscal. Ele é uma premissa básica, mas o centro é fazer o ajuste com um projeto de desenvolvimento. Nesse projeto, acelerar os processos de concessões e privatizações. O governo anterior tinha uma boa linha, eu não discordava dele, tanto que dei suporte e apoio, e nem nós agora no governo temos a compreensão de sermos ruptura em relação ao que governo anterior propunha. Nós somos uma evolução, e evolução significa reconhecer o que de bom havia sido encaminhado e buscar acelerar. O governo propôs as privatizações e não conseguiu viabilizar. Nós estamos firmes no propósito de viabilizar as privatizações. Falou em concessões, mas não conseguiu levar adiante. Nós estamos levando adiante as concessões em estrada, em infraestrutura, estamos tirando elas do papel. Vamos avançar e dar celeridade a esses processos. Mais do que isso, para o desenvolvimento do Estado, eu entendo que nós precisamos promover reforma na estrutura tributária do Estado. O governo anterior propunha que se prorrogasse por quatro anos as alíquotas, nós prorrogamos por dois para que  pudéssemos fazer uma revisão do sistema tributário e propor algo alternativo, que mantenha a capacidade arrecadatória, mas que seja mais estimulante ao setor privado para investimentos. É isso que nós devemos apresentar até o ano que vem.

Sul21 – O senhor pensa em mexer na questão do imposto sobre herança?

Leite: Naturalmente é um dos impostos que são de competência do Estado, o ITCMD, imposto sobre transmissão causa mortis e doação. É um dos impostos que estará sob a condição de ser revisado no Estado, tendo em vista que o que nós queremos fazer é uma revisão do nosso sistema tributário. O ICMS, o ITCMD e o mesmo IPVA, enfim, como é que a gente consegue organizar para que o Estado consiga ter boa arrecadação e ser mais atraente do ponto de vista fiscal, do ponto de vista tributário do que outros estados. Mas a competitividade do Rio Grande não se esgota aí, envolve investimentos em infraestrutura, que aí vem a questão da parceria com o setor privado, e também de desburocratização, ambiente regulatório mais favorável para investimentos. A nossa Secretaria do Meio Ambiente está trabalhando na revisão de códigos e legislação. Vamos levar ao Conselho Estadual do Meio Ambiente algumas propostas para que possamos dar mais celeridade em aprovação de licenças sem perder o controle em meio ambiente.

Governador diz que é preciso encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Pois é, a gente tem hoje diversos projetos de mineração encaminhados no RS. Talvez em estágio mais avançado os projetos de mineração na bacia do Rio Camaquã. Temos também o projeto apresentado para exploração de carvão às margens do Jacuí. Como que, realisticamente, pode ser combinada uma atividade mineradora com a preservação do meio ambiente para que não ocorra um desastre logo ali adiante?

Leite: Você tem que analisar com muito critério e rigor técnico para garantir a exploração de uma atividade como essa. Agora, com respeito ao meio ambiente e com todas as medidas preventivas para evitar qualquer tipo de desastre. Acho que os casos que aconteceram em Minas Gerais precisam de fato de punição rigorosa aos responsáveis de forma pedagógica, sem dúvida nenhuma. A gente tem que ter consciência também, por outro lado, que é um dos fatores de degradação ambiental é a pobreza. Tem uma forte correlação entre o empobrecimento de uma sociedade e prejuízos ao meio ambiente. A existência humana é poluidora, a não ser que nós tenhamos providências em saneamento e tudo mais. Isso exige dinheiro, investimento, que só vem se tiver geração de riqueza para que nós possamos reduzir o impacto que a nossa própria existência gera sobre o meio ambiente. Então, nós temos que conciliar desenvolvimento econômico com respeito ao meio ambiente. Nós não vamos ter, no nosso governo, qualquer pressão para liberação a qualquer custo projetos no Estado. Mas também não podemos ter conceitos pré-estabelecidos e evitar ou cercear aprovações por algum pré-conceito em relação à alguma atividade. Então, com rigor técnico, com análise. Quando me refiro a acelerar processos, é em relação àqueles que têm menor impacto ambiental e que podem ser acelerados. Agora, o que tem impacto claramente com potencial, como uma atividade mineradora, tem que ter o respeito a todas as etapas.

Sul21 – O senhor falou em não sucumbir a pressões. Isso inclui dizer não a projetos que tenham um risco maior, mais aparente, ao meio ambiente?

Leite: Sem dúvida. Nós não queremos crescer às custas da degradação ambiental. Não vamos forçar a mão para avançar projetos que tenham um possível impacto maior. Agora, por exemplo, a necessidade de licenciamento ambiental para postos de gasolina. Você vai congestionando toda a estrutura estatal para aprovar projetos com impacto menor. Na verdade, você pode ter novas formas de licenciamento que permitam o cuidado com o meio ambiente sem cercear atividades. Tem que botar o foco dos licenciadores do Estado nesses projetos de maior impacto, para que eles possam ser analisados com rigor, mas com a celeridade necessária. Outras atividades nós podemos desregulamentar ou ter outro tipo de regulamentação com processos mais ágeis.

Sul21 – Os servidores podem esperar alguma coisa diferente nesses quatro anos do que o congelamento de salários ou pode ter um espaço para discutir reajuste e a recuperação dos valores perdidos?

Leite: O Estado tem que colocar os salários em dia, essa é a nossa prioridade. Fazendo as reformas, estruturando o Estado, viabilizando colocar os salários em dia, se nós tivermos a viabilização a partir dos investimentos que programamos, se o Brasil volta a crescer fortemente a partir de um ambiente econômico mais favorável, bom, poderemos ter as condições. Eu não sou contra reajustes em si. Fui prefeito [de Pelotas] e procurei repor sempre a inflação aos servidores porque eu tinha esse espaço e constitui esse espaço no nosso orçamento. Agora, estamos aqui vivendo uma realidade completamente diferente. O Brasil tem crescido ainda de forma acanhada desde que teve um tombo gigantesco na economia em 2015 e 2016, uma retração econômica severa. O crescimento econômico que vem se experimentando desde lá é de 1%, 1,5%, 2%, isso é muito tímido e acanhado. O País precisa voltar a crescer mais forte. Se o País crescer fortemente, e nós tendo feito as nossas reformas, a arrecadação aumenta, melhora e com esse espaço eu não tenho nenhum problema em falar em reajuste, mas precisa ter essa combinação de fatores para ser sustentável. Eu não posso forçar a mão em um reajuste que o Estado não tenha a capacidade de dar.

Sul21 – Como o senhor tem visto o início de governo Bolsonaro?

Leite: Sempre que sou chamado a emitir opiniões eu insisto que, como governador de um estado, escolhido para governar aqueles que votaram e os que não votaram em mim, a minha posição não é a de fazer análises críticas sobre outros governos que também têm a mesma legitimidade. É sim a de trabalhar com eles. Eu vejo como um governo que está disposto a fazer algumas mudanças estruturais com as quais eu concordo, como, por exemplo, a reforma da Previdência. Eu acho que ela é extremamente necessária para o Brasil, para que nós tenhamos um sistema previdenciário que se sustente. Você tem um sistema hoje de aposentadorias por tempo de contribuição que, na minha visão, é injusto. Quem consegue se aposentar por tempo de contribuição é justamente as pessoas que vivem em regiões mais ricas, que têm melhores empregos, conseguem ter mais estabilidade num emprego e, consequentemente, se aposentam por tempo de contribuição mais cedo. Enquanto as pessoas mais pobres vivem nas regiões menos desenvolvidas, têm mais instabilidade no emprego e vão se aposentar por idade. Ou seja, os mais pobres estão se aposentando mais tarde que as pessoas mais ricas. Se nós estamos falando em desenvolvimento, as pessoas das regiões mais pobres, mais carentes tenderão a viver menos do que esses mais ricos, em regiões mais ricas, que aposentaram mais cedo e vão viver mais tempo. Então, nós temos aí já uma distorção, além da mudança de perfil demográfico e tudo mais. Então, essa demanda precisa ser atendida para sustentar investimentos. O governo acerta em encaminhar isso como prioridade. Acho que o governo também acerta ao encaminhar processos de concessões, de privatizações, para viabilizar investimentos privados. Tenho preocupação, evidentemente, na condução do Ministério da Educação. Vamos ver agora o desempenho do novo ministro.

Governador defendeu a reforma da Previdência do governo Bolsonaro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Aproveitando esse gancho. O governo tem anunciado cortes e a situação do Ministério da Educação tem gerado indefinição na questão de repasses. Isso tem te preocupado?

Leite: O que preocupa a mim e aos governadores é, por exemplo, a definição sobre o Fundeb, que tem um prazo de validade que vai se encerrando e precisa ser definido o que sucederá o Fundeb para o financiamento da educação básica no Brasil. Essa é a pauta prioritária, pelo menos uma das mais prioritárias na educação, é o financiamento do ensino básico no Brasil. Eu espero que o novo ministro possa dar curso à definição dessa questão tão fundamental.

Sul21: Ainda sobre o governo Bolsonaro. A gente vê alguns posicionamentos do governo federal, especialmente na questão da política externa, que têm levantado o alerta para setores aqui do Rio Grande do Sul. Por exemplo, o afastamento da China, que é uma grande compradora de produtos gaúchos. A questão dos países árabes, que são grandes importadores do frango ‘halal’ [forma de abate que permite a exportação para o consumo de muçulmanos]. A questão do subsídio do leite que ele ameaçou retirar e depois voltou atrás no início do governo. Como o senhor tem visto essas questões que podem ser benéficas para alguns estados, mas podem prejudicar a economia gaúcha?

Leite: Nós estaremos atentos sempre. Na questão do leite, houve mobilização das nossas bancadas para que o governo recuasse e recuou. E, sem dúvida nenhuma, acompanharemos as tratativas com os países, especialmente com aqueles com os quais temos relações comerciais mais intensas em defesa das nossas exportações. Esse acompanhamento será feito. Agora, é natural que o Brasil, nesses acordos que faça com outros países, busque as suas vantagens e os países com os quais faz acordo também buscam as suas vantagens. Evidentemente que sempre haverá algum tipo de ganha e perde e nós vamos estabelecer a nossa relação de forma altiva com o governo federal para defender os interesses do Rio Grande.

Sul21 – Governador, virou assunto nacional recentemente o episódio em que militares do Exército fuzilaram com mais de 80 tiros o carro de um músico no Rio de Janeiro. A gente tem visto, especialmente desde a campanha do Bolsonaro, a defesa da militarização das políticas de segurança. Tivemos o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), defendendo o uso de atiradores de elite. Como chefe da Brigada Militar, como o senhor vai lidar com as questões de violações de direitos humanos nesse momento em que se está incentivando o conflito pelas polícias e pelas forças nacionais de segurança?

Leite: O caso do Rio de Janeiro evidentemente que exige uma apuração rigorosa das responsabilidades e, claro, é importante frisar, lá temos o Exército cumprindo uma função para a qual não deveria, nas condições naturais, estar exercendo. Acaba fazendo por conta da falência da condição do estado do Rio de Janeiro de prover segurança à sua população. A nossa Brigada Militar aqui é militar, o problema não é ser militar, o problema é a questão do preparo que tem para fazer policiamento em segurança dentro da sociedade. O Exército é preparado para o enfrentamento de guerra. No caso da segurança feita pela Brigada Militar, ela tem outro tipo de preparo. Nós temos polícias muitas boas no Rio Grande do Sul, eu confio muito na capacidade da nossa Polícia Militar e da nossa Polícia Civil no exercício das suas atividades e eu darei todo o respaldo para que eles cumpram com a sua função. Acho que nós não podemos, de lado, legitimar atos de violência radicais, que exacerbem a atuação que deva ter a força policial, mas também não devemos restringir e constranger a polícia a ter medo de atuar. Se a polícia tiver medo de atuar, quem fica inseguro é o cidadão, no final das contas. Nós temos que ter as polícias com condições de atuarem e reagirem à altura quando enfrentam grupos criminosos, fortemente armados, e que cada vez mais contestam a atuação policial. Eu, como chefe do governo e da Brigada Militar, darei todo o respaldo para que eles atuem e, eventualmente, se houver qualquer ato que mereça apuração, apuração rigorosa se houver exacerbação das atuações. Mas sem perseguição a atuações que eventualmente aconteçam em conflitos com grupos criminosos e facções criminosas, que devem ser enfrentados.

Sul21 – Mas te parece correto esse ambiente de exacerbação de um conflito contra as facções que acaba respingando em pessoas que não têm nada a ver, como nesse caso do Rio de Janeiro?

Leite: Sem dúvida nenhuma não é desejável o que aconteceu no Rio de Janeiro, precisa de apuração. Agora você não pode ir para o outro extremo, que é deixar o policial com medo de atuar, porque, se ele tiver medo de atuar, a sociedade estará insegura. Apure-se, identifique-se as falhas, essa vida que se perdeu é irreparável, é lamentável a dor que essa família sofre, mas é importante deixar claro que facções criminosas disputando espaços do tráfico de drogas consomem várias e várias vidas diariamente. No Rio Grande do Sul, infelizmente, essa tem sido uma realidade. Nós temos números importantes de redução da criminalidade, mas ainda temos, de acordo com o perfil socioeconômico do nosso Estado, números muito acima do que deveríamos ter e precisamos baixar ainda mais esses indicadores, porque temos, pelo menos, seis ou sete facções criminosas atuando dentro do nosso Estado e por isso que nós queremos atuar na área penitenciária para termos um sistema penitenciário que funcione de forma adequada para cumprir o caráter punitivo, com a restrição da liberdade de atuação dessas facções criminosas, e também com a possibilidade de reinserção social desses apenados, o que é fundamental. Mas, eu insisto, há de fato um desafio por parte dessas facções, desses grupos criminosos à autoridade estatal e a autoridade estatal precisa responder à altura quando esse desafio acontece, especialmente em conflitos armados.

Governador recebeu a reportagem do Sul21 para uma entrevista em seu gabinete no Palácio Piratini | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora