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7 de janeiro de 2019
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09:57

Adão Villaverde: ‘Estamos vivendo um período de histerias regressivas e obsessões obscurantistas’

Por
Luís Gomes
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O deputado estadual Adão Villaverde se despede da Assembleia Legislativa após quatro mandatos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Após quatro mandatos, Adão Villaverde (PT) está se despedindo da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O seu gabinete no 10º andar do Palácio Farroupilha já está repleto de caixas e em breve, quando a Casa voltar do recesso e dar início à próxima legislatura, será ocupado por outro parlamentar. Aos 60 anos, o engenheiro civil de formação voltará às salas de aula da Escola Politécnica da PUCRS. Pretende também realizar um doutorado há muito postergado. Após decidir não concorrer a reeleição nas eleições do ano passado, Villa diz que seguirá fazendo política e participando da construção do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, só não mais pela via da representação institucional.

“O fato e não ter uma representação não quer dizer que estarei afastado da atividade política, muito pelo contrário. Vou seguir pensando, elaborando, escrevendo, participando de debates, de discussões”, diz.

Natural de Alegrete, veio a Porto Alegre em 1973, ainda adolescente. Originalmente, para jogar futebol. “Vim eu e uma turma. Mas não jogava nada, foi uma bobagem completa”, conta o antigo lateral das categorias de base do Grêmio. “Vim mais por essas coisas de que tinha que sair para estudar”.

Forjado na resistência à ditadura militar em meados dos anos 1970, Villa iniciou sua militância como secundarista, no colégio Julio de Castilhos. Ingressou nas fileiras do MDB jovem, onde conheceu nomes como Raul Pont, Tarso Genro, Adelmo Genro Filho, com quem iria participar da fundação do diretório estadual do PT, em 1980.

Apesar de ter sido o presidente do PT municipal quando Olívio Dutra ganhou as eleições para a Prefeitura em 1988, Villa lembra que nunca ocupou um cargo público em Porto Alegre. “O pessoal acha que eu fui secretário, vereador, não fui”.

Fez, porém, parte dos diretórios estaduais e nacional do PT nos anos 1990. Até que, em 1999, assumiu o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia do governo estadual de Olívio. Também seria secretário do Planejamento na mesma gestão. “A primeira vez que assumi um cargo foi a fórceps, porque a minha esposa não queria”.

Do período como secretário, destaca o trabalho para a criação da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) e para a implantação do Centro Nacional de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), que desenvolveu a primeira fábrica de semi-condutores da América Latina, em Porto Alegre, o que considera um passo histórico histórico para a promoção da soberania e da independência tecnológica do RS. “Em vez de empacotar esse negócio aqui”, diz, apontando para o celular. “Produzir o chip, que é o que agrega valor”.

Ao período como secretário, sucederam os 16 anos como deputado, tendo presidido o parlamento gaúcho em 2011, no primeiro ano do governo Tarso Genro (PT). Entre as dezenas de projetos e emendas que apresentou, destaca a Lei Villaverde, que obriga gestores públicos do estado e parlamentares a apresentarem a declaração de renda ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), visando o controle da evolução patrimonial e coibir o enriquecimento ilícito, e a Lei Kiss, que alterou as regras para a prevenção de incêndios após a tragédia que vitimou 242 pessoas em Santa Maria em janeiro de 2013.

“É uma lei de defesa da vida. Nada vale mais do que a vida das pessoas, por isso eu tive um enorme contencioso aqui dentro da Casa com determinados setores econômicos que achavam que o metro quadrado de construção civil valia mais do que a vida das pessoas”.

Ao longo do período como deputado, caracterizou-se por ter uma ativa produção escrita. O seu gabinete produziu 17 cadernos com seus escritos, artigos, cartilhas, propostas, relatórios, algumas escritas individualmente, outras em parceria. Os temas versam sobre mobilidade urbana, movimentos sociais, capitalismo financeiro, controle de agrotóxicos, desenvolvimento sustentável, inovação, acessibilidade, entre outros.

Gabinete de Villa traz referências à história da esquerda no RS | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para além desse material e das caxias, o seu gabinete possui quadros e fotografias que ajudam a contar um pouco de sua trajetória política e de suas origens. Há, por exemplo, três quadros que marcam grandes expedientes que ofereceu na Assembleia e que considera históricos. Um sobre 30 anos de reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), outro em homenagem aos “três Flávios” — Flávio Koutzii, Flávio Tavares e Flávia Schilling — pela resistência à ditadura e outro a Marcos Klassmann, vereador de Porto Alegre pelo MDB cassado durante a ditadura.

Exibe também um chip emoldurado como registro da criação da Ceitec. Ao lado, uma foto enquadrada em que aparece, jovem, com cabelos encaracolados e um princípio de cavanhaque, ao lado de Raul Pont e Clóvis Ilgenfritz em ato de fundação do PT.

Há uma carteira do Partido Comunista, assinada pelo seu pai, uma imagem da bancada de 1946 do Partidão na AL-RS, capitaneada pelo médico sanitarista e escritor Dyonélio Machado, autor de Os Ratos, uma foto de quando entregou uma camiseta do Internacional ao músico Chico Buarque, duas imagens de Luís Carlos Prestes, uma delas réplica de pintura feita por Paulo Niemeyer, neto de Oscar, e um quadro da campanha à Prefeitura de Porto Alegre, de 2012.

Na última quinta-feira (3), o Sul21 conversou com Villa sobre a sua trajetória na política, sobre a avaliação que faz da atual conjuntura nacional, estadual e municipal e sobre qual será o seu futuro na política.

“Tenho 44 anos de atuação da política, um terço com mandato e dois terços sem. Acho que foram esses dois terços sem mandato que me colocaram aqui, não o inverso”.

A seguir, confira entrevista com Adão Villaverde.

Sul21 – Como o senhor avaliou o resultado eleitoral do PT? O partido continua com a maior bancada na AL-RS, mas caiu de 11 para 8 deputados.

Adão Villaverde: Eu sempre digo que política é conteúdo, correlações de força e capacidade de implementar as políticas. Você pode fazer dois tipos de análise. Um é analisar os resultados eleitorais do ponto de vista meramente numérico e chegar a conclusões que melhoraram ou não, ou você contextualiza isso no período político que a gente está vivendo. Eu sempre tenho dito que estamos vivendo um período de histerias conservadoras e obsessões obscurantistas. O que eu quero dizer com isso é que, no Brasil, na América Latina, nos EUA e na Europa e, por decorrência no mundo, há uma onda com essas características de regressividade e de conservadorismo que criam a ideia ou uma noção mundial de que se gesta, essa é a expressão de um autor que li esses dias, a construção de uma espécie de internacional conservadora e regressiva. O que dá um pouco do tom das relações mundiais. Isto se agrega com duas coisas no Brasil e particularmente no RS. No Brasil, há uma espécie de movimento anti-sistema, que é onde o Bolsonaro ganha as eleições e candidaturas tradicionais, como é o caso do Sartori aqui, perdem para o Leite, ainda que a eleição que a eleição nacional tenha sido totalmente distinta da eleição regional. Acho que a eleição regional ocorreu no terreno da democracia e a eleição nacional ocorreu fora desse terreno. Porque o resultado do governo Temer e o processo que levou à vitória do Bolsonaro são processos com altíssimo grau de ilegitimidade. Eles precisaram inclusive desconstruir a própria ordem jurídico-constitucional e democrática do País.

Villa avalia que o cenário de crescimento conservador foi determinante para a derrota do PT em outubro passado |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Quais são as causas dessa onda de histeria?

Villa: Primeiro, como eu disse, é um processo mundial. Acho que aqui no País e na América Latina o trumpismo, vamos dizer assim, recoesionou esse negócio anti-esquerda, anti-humanista, anti-direitos humanos, anti-solidariedade. Veja, por exemplo, que os partidos e os quadros liberais clássicos se afastaram dessa relação com o governo que ganhas as eleições. Vamos pegar o PSDB, tirando esse cara que se elegeu governador de São Paulo, o resto está olhando desconfiado para o novo governo que se descortina. O governador que ganha as eleições aqui não assume de forma contundente, vamos dizer assim, a candidatura do Bolsonaro, ainda que sua base social toda tenha sido bolsonarista, com a contundência que o ‘Sartonaro’ assume. Talvez isso pode ter levado, na reta final de campanha, o Leite a ter uma vitória apertada, porque significou um gás para a reta final de campanha do Sartori.

Essa onda conservadora, esse obscurantismo tem um discurso que tem um duplo sentido, tem um componente udenista e outro de inverdade. O componente udenista vem da tradição da história política brasileira. Sempre que os governos populares tiveram no comando do País e tal, foi puxado o tema da corrupção como central para tirar esses governos. Aconteceu com o Getúlio, foi um discurso para que o Jango não assumisse e, fundamentalmente, com a Dilma. Foram repetições clássicas. O segundo elemento é atribuição de inverdades. Eu já ouvi de quadros desse núcleo que assumiu o País o discurso dele de que vão interditar o avanço do socialismo no Brasil e que o mentor, o teórico e o precursor do socialismo no Brasil é o Fernando Henrique Cardoso, que o Lula é um seguidor do FHC. Então, que tamanha insanidade é um negócio desses. E me parece que tem setores que acreditam nisso.

Eu acho que isso aí levou a um fechamento de espaço e a um resultado menor para a esquerda. Nós tivemos uma bancada contundente aqui, de excelente atuação, tínhamos 11 deputados e elegemos 8. O PCdoB tinha dois deputados e não vai ter nenhum. O PSOL tinha uma avaliação de que poderia ter três ou quatro, vai continuar com um. E ampliou as bancada mais conservadoras. Então, essa conjuntura mundial, nacional e local, foi o que deu o tom do processo eleitoral, não foi o debate sobre o futuro do Rio Grande, o desequilíbrio das contas públicas, a Lei Kandir, o orçamento público do Estado, a dívida com a União, não foram esses temas que pautaram. Ao ponto de que, na reta final, o eixo da bandeira do governador derrotado, o bordão dele, foi o ‘Sartonaro’. Ele largou o debate de conteúdo sobre a situação do RS e adotou a carapuça do conservadorismo. Na minha opinião, inclusive, o Sartori jogou fora o capital político dele e o governador Leite se diferenciou, mostrou ao menos que do ponto de vista dos direitos humanos, dessas questões mais libertárias, vamos dizer assim, ele não tinha as amarras que o Sartori tinha. O Sartori rasgou um pouco da sua trajetória. Era um cara da resistência democrática, dos direitos humanos, foi um cara da luta pela anistia na AL, foi presidente da Casa.

Sul21 – Esse cenário traz um antipetismo muito forte. Quais foram as falhas do partido que contribuíram para esse cenário?

Villa: Não é só isso, mas eu vi ontem o Bolsonaro dizendo que vai apoiar o Rodrigo Maia. Um dos certos estopins que nos levou ao isolamento em nível nacional foi quando a gente cometeu aquele erro de lançar candidatura própria no Congresso Nacional (em 2015, que resultou na eleição de Eduardo Cunha) Não vou dizer que só isso, acho que os problemas em relação a nós começaram inclusive naqueles movimentos de 2013, que já eram movimentos antissistema, antipolítica.

Voltando a esse novo udenismo, eu acho que os caras resolveram adotar uma estratégia que é a da desconstrução da política, que é da fragilização das instituições, dos partidos, que é personificar muito as coisas, valorizar os personagens. Eu acho que o Haddad ainda teve um bom desempenho eleitoral. Acho que a gente sai desse processo com um bom capital político, nós temos hoje um terço do eleitorado brasileiro, não é pouca coisa do ponto de vista de uma recomposição. Agora, eu acho que nós vamos ter que fazer um bom balanço desse processo, avaliar os erros que a gente cometeu. Nós judicializamos demais a política por uma largo período, a gente tirou a política do terreno da político e jogou para o terreno do judiciário e essas coisas, para mim, facilitaram a vida dos nossos adversários. Esse consórcio que levou ao golpe foi resultado de uma grande articulação política, empresarial, internacional, midiática. Foi um processo que dilapidou o PT e queria prender o Lula. Ao prender o Lula, tirou ele do processo eleitoral. Ele tinha uma eleição ganha. Quando os caras rasgaram a Constituição e tiraram a Dilma a qualquer custo, o desfecho disso aí foi a forma como tiraram o Lula do processo político eleitoral. É quase aquilo que o Lacerda usava contra o Getúlio. ‘Getúlio não pode ser candidatado. Se for candidato, não pode ganhar as eleições. Se ganhar, não pode assumir. Se assumir, não pode governar. Se tentar governar, no limite, nós temos que derrubá-lo’. Não tem sínteses melhor que a do Lacerda. Em certa medida, isso foi feito conosco no processo todo. Tiraram a Dilma na marra, não deixaram o Lula ser candidato e botaram uma camisa de força na candidatura de Haddad. E para mim houve um erro. Desde o início eu achava que, se o Haddad fosse ao segundo turno, o Ciro tinha que se jogar na candidatura do Haddad. E o inverso seria verdadeiro. Eu estaria na linha de frente da candidatura do Ciro, porque para mim o centro era interditar esse negócio que está acontecendo hoje, que é a regressão. Acho que o Ciro cometeu um erro, colocou a sua personalidade e os seus objetivos acima. Se paga preço na política por isso.

Sul21 – O PT demorou a perceber que essa onda estava se formando?

Villa: Demoramos. Eu acho que a gente foi ingênuo em achar que a democracia brasileira estava consolidada. Porque as possibilidades de uma eventual maioria ser construída para derrubar um presidente fazia algum tempo que não acontecia, a gente achou que não poderia acontecer conosco. Quando o Lula se deu conta era tarde. Ele tentou se instalar em Brasília e não conseguiu reverter o processo. Os caras estavam com tudo mundo, porque era uma articulação do judiciário, midiática, empresarial, internacional, e os caras tinham maioria do Congresso.

Sul21 – O que poderia ter sido feito diferente?

Villa: Primeiro, uma possibilidade concreta era nós termos com a hipótese de outra candidatura e não a candidatura da Dilma no segundo mandato. Isso não garantia, mas o Lula daria mais consistência. Ali foi um erro de todos, não estou dizendo que foi um erro dela, que não percebeu isso aí. Segundo, nós tínhamos um diálogo muito amplo com o Congresso no primeiro período do governo Lula e nos períodos do governo da Dilma nós tivemos menos diálogo nas relações institucionais do Congresso. Acho que isso é visível. Faltou muito de habilidade política. E talvez um pouco do cenário mundial, a conjuntura de crise, dificultou o segundo governo da Dilma. Mas eu acho que uma coisa a gente não pode perder nunca na política é essa do diálogo, da interlocução e das relações. Principalmente quem está no governo vai ter que dialogar.

Na verdade, o processo que nos levou ao golpe foi um processo de isolamento da esquerda. Agora, repito, não foi só no Brasil, foi um negócio mundial. Não erramos somente aqui. Vê a situação da Argentina, do Chile, nesse momento no Uruguai. Acho que a gente cometeu erros de percepção. Tardiamente detectamos que o golpe começa lá por 2013, naqueles movimentos, estava em curso. E, ao contrário do que achávamos, a história do Brasil é de muito poucos períodos de estabilidade democrática e largos períodos de instabilidade, inclusive de governos regressivos e autoritários. Talvez estivéssemos vivendo o maior período de estabilidade democrática e, por isso, a gente deu uma acreditada. E esse troço ruiu. Há fortes sinais inclusive de que o governo que se instala nacionalmente vai mexer na Constituição. Vai abrir um processo constituinte nesse País.

Sul21 – O que senhor espera desse governo?

Villa: As características dele estão dadas. Do ponto de vista econômico, vai ser um governo ultra neoliberal. Do ponto de vista dos direitos, das conquistas, das políticas sociais, vai desmontá-las, já deu fortes sinais desde os primeiros dias. Do ponto de vista da soberania, vai ser um governo entreguista. Do ponto de vista do conhecimento, da inteligência, vai ser um governado totalmente subordinado. O cara dá todos os sinais de que quer implementar aqui uma espécie de trumpismo latino-americano. E do ponto de vista das questões morais, um governo muito conservador. E um governo travestido ético. Por que travestido? Ele tem que se travestir de ético porque o tema da corrupção é o principal instrumento que ele tem para atribuir aos seus interlocutores a corrupção. É um governo, portanto, hiper-protegido desse ponto de vista porque nada vai ser investigado, porque provavelmente, com essa estrutura jurídico-militar que ele construiu, ele vai se proteger. Tu vê que tem denúncias fortes na imprensa, inclusive na grande mídia, no último período, vide esse negócio escandaloso do motorista que, aparentemente, sequer está sendo investigado de forma séria no País.

Deputado aponta que obscurantismo esteve em voga no governo Sartori | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Voltando para o RS. O governo Sartori foi de muito enfrentamento com os servidores e dá para dizer que essa posição foi vitoriosa, porque ele chegou ao segundo turno e o Leite, mesmo propondo um diálogo, segue uma linha parecida. Como é que chegamos nesse ponto em que a própria estrutura do estado está sob ataque?

Villa: Nós vamos rodar e voltar ao mesmo tema. Tem um cenário pós esse período mais de experiências progressistas, tanto em solo brasileiro quanto em nível internacional, que é um cenário anti-establishment, anti-status quo, ultra neoliberal, que diz que o principal vilão de tudo é o estado, as instituições, o serviço público e o fato do estado inclusive atrapalhar do ponto de vista da implementação e operacionalização de determinadas políticas. Então, esse discurso, do ponto de vista de resultados eleitorais, é vitorioso. Os dois candidatos que vão ao segundo turno tem a mesma plataforma econômica. Não é a toa que não tinha assumido o governo Leite e o MDB já estava dentro do governo. Eles tinham muita identidade política e ideológica. Talvez não tenham identidade em algumas áreas, como Ciência e Tecnologia, Cultura, Educação, que não sei como vai ser. Talvez haja algumas nuances. Por exemplo, eles retomaram a Secretaria de Ciência e Tecnologia que o Sartori tinha fechado. O Leite sinalizou que pode reaproveitar a FEE e tem um diálogo sobre o futuro da Uergs. Então, tem alguns sinais de algumas áreas em que o Leite se diferencia do Sartori. Mas, do ponto de vista da visão de estado, das questões econômicas,  a forma como eles enfrentam isso é errada, porque eles aumentam impostos linearmente. Isso aumenta as desigualdades. O modelo tributário brasileiro e gaúcho é regressivo, conservador, feito sob o consumo. O seu Joãozinho e a dona Mariazinha pagam a mesma coisa e proporcionalmente muito mais do que um cidadão abastado quando tomam um refrigerante.

Nós falamos isso para o Leite, mas ele tem uma base social que não permite. Dissemos que ele deveria assumir a bandeira de uma reforma tributária nacional e aqui no Estado com o conceito de ser uma reforma progressiva, quem pode pagar paga mais, quem pode pagar mais ou menos paga mais ou menos e quem não pode pagar não paga. O Jessé de Souza, que é um estudioso do tema, diz que reside aí a maior evasão de recursos desse País hoje. Aliás, tem teses que dizem, inclusive, que a desigualdade do País tem origem no modelo de tributação, porque faz com que os de baixo tenham que sustentar a matriz tributária.

Sul21 – Por que o PT não mexeu nisso?

Villa: Não mexeu porque, como eu disse na largada da nossa conversa, política é conteúdo, correlações de força e capacidade de implementar. O grande momento que nós tivemos para mexer isso aí foi quando assumimos a primeira vez no governo Olívio Dutra. Nós encaminhamos um projeto aqui para a Casa Legislativa. Se não me falha a memória, era um projeto de nova matriz tributária para o RS, que tinha exatamente esse conceito. Na época, nós tivemos que retirar esse projeto da Casa. Logo no início do governo do Tarso, quando eu assumi a Casa, nós chegamos a conversar sobre esse tema. Talvez ali fosse o momento em que nós tivéssemos uma maioria que pudesse ser sensível a isso, mas eu não sei se tínhamos coesão nessa maioria para implementar esse projeto. Política nunca é somente força de vontade. Política é força de vontade com condições objetivas.

Sul21 – Queria perguntar para o senhor do governo Tarso. Ele foi eleito com mais de 50% dos votos, em primeiro turno, teve um período de forte crescimento e depois passou a ser pelo governo Sartori, pela RBS, enfim, demonizado pela gastança e caracterizado como tudo que há de errado…

Villa: De novo vamos voltar ao mesmo tema. Demonizaram o estado e, por decorrência, demonizaram instrumentos da política do Estado. Então, um governo que é desenvolvimentista, que aplicou em políticas sociais, que aplicou em políticas científicas de inovação, que investiu em saúde, que investiu em segurança pública, com recursos do Estado, é tido como um governo gastador e como um governo que na verdade fez aumentar o desequilíbrio das contas públicas no RS. De novo, essa caracterização que se faz do governo do Tarso é feita por essa de visão de que o estado é o grande vilão. Mas, se você for, de forma rigorosa, ver o desequilíbrio das contas públicas do RS hoje, os números não são tão diferentes do que eram no governo do Tarso. O que talvez o Sartori fez foi superdimensionar a questão do desequilíbrio. Entregou, inclusive, com R$ 4 bilhões de déficit. Eles esgaçaram isso. Agora, os governos anteriores todos pagaram os servidores em dia. A Yeda atrasou um pouco também.

O governo do Tarso desenvolveu, atraiu investimentos em sintonia com o governo federal, investiu na área de saúde, de educação, de segurança pública. O problema é que, quando o Sartori assume, tem uma narrativa construída para caracterizar de que o governo Tarso é associado a esse conceito de um estado vilão, um estado causador de desequilíbrio das contas públicas, um estado gastador, que contrata servidor. Isso é um discurso. O grande lance é que esse discurso já tinha uma audiência na eleição Sartori e Tarso Genro. Por que, convenhamos, o governo que o Sartori fez não dá para comparar com o governo do Tarso, que foi infinitamente melhor. Mas, de qualquer maneira, na narrativa da opinião pública o Tarso é demonizado. Setores empresariais, que até tinham uma boa relação e participavam, hoje demonizam o governo Tarso, como se o Sartori tivesse feito um grande governo. O que o Sartori fez? Não tinha projeto para o desenvolvimento do Estado, não resolveu o problema da dívida, atrasou os salários, desmontou com as funções públicas, acabou com a inteligência e com o conhecimento, eu digo que o Sartori produziu o obscurantismo em solo riograndense. É isso que ele fez. E, bom, o Estado do ponto de vista da geração de emprego e renda está muito pior, e ele fica com o discurso da crise. Mas o governo do Sartori é uma tragédia, sem sombra de dúvida um dos piores governos. Acho que pior que o governo do Simon, que já foi ruim.

Deputado aponta Manuela D’Ávila do PCdoB como sua candidata à Prefeitura de Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Não falta ao PT e à esquerda uma narrativa forte que se oponha a essa visão?

Villa: Acho que falta. O nosso projeto está num período de um certo esgotamento. Aquilo que nos trouxe até aqui esgotou-se em certa medida não porque estava errado, mas porque se realizou. Nós vimos esse País crescer, se desenvolver, construímos uma nação com soberania, com inserção mundial, acesso a universidades para os mais variados setores, políticas sociais de enfrentamento a questão da desigualdade. Ou seja, nós fizemos um conjunto de coisas. Agora, chegou em um momento em que quem é que paga a conta disso? Quem paga conta do orçamento público? De onde vem o dinheiro para o Bolsa Família e para os pobres acessarem o ensino superior? Chegou a um ponto em que o orçamento público bateu no teto. Aí tu tinha que, por exemplo, fazer uma reforma tributária e aí tu tinha que fazer essas escolhas. Aí eu acho que nossos adversários entenderam que esse negócio podia estar em curso.

Então, a interdição das nossas experiências a nível nacional e aqui no RS também se deve também a um conjunto de acertos que nós fizemos, que foi fazer com que as finanças públicas e os parcos recursos públicos fossem dirigidos aos que mais precisam. Isso as elites não suportam. Estão aí em crises as universidades privadas e comunitárias do RS porque não tem mais financiamento, não tem mais ProUni e Fies. Então, tem uma espécie de desconstrução das políticas e funções públicas. Se isso aí passa a ocorrer com uma certa intensidade, vai abrir caminho. O Guedes já anunciou que quer a mudança da Previdência imediatamente, assim como quer fazer a entrega das empresas públicas imediatamente. Quer dizer, o balcão privado entrou para dentro do setor público de forma definitiva. Poderá ter algumas contradições, por exemplo, com o setor militar, que sempre teve um componente nacionalista, mas até agora não se manifestou. Não sei como eles vão se comportar diante do entreguismo.

Sul21 – O que o senhor espera do governo Leite e da atuação do PT durante esse governo?

Villa: Do ponto de vista mais econômico, como já disse, vai ser um governo bastante neoliberal. Não vi ele ainda apresentar um projeto de desenvolvimento para o RS. Essa é uma expectativa que eu tenho, porque talvez tenha sido a principal lacuna do Sartori e o Tarso tinha. Acho que ele vai construir uma maioria aqui na Casa bastante folgada e a nova bancada do PT que se instala aqui vai ter que ter muita capacidade para fazer uma oposição de conteúdo, de ideias, de crítica, inclusive, mas também de diálogo com o novo governo. Acho que o tema da inovação, até porque conheço o secretário de Ciência e Tecnologia que está assumindo, se ele de fato reorientar o seu governo para o investimento em ciência, pesquisa e desenvolvimento das questões tecnológicas, talvez dar uma reativada no Ceitec, fazer investimentos na Fapergs, acho que poderia ser um governo que pelo menos poderia apresentar uma vertente que dialoga com certo potencial e capacidade instalada no RS. Mas ele tem o problema da dívida, o problema do desequilíbrio das contas, o problema da Lei Kandir que nós sugerimos que ele tem que entrar e capitanear esse debate para poder fazer o ajuste de contas.

Eu espero que a nossa nova bancada tenha uma conduta de oposição, porque fomos escolhidos para isso, mas também faça suas contribuições, tenha capacidade de diálogo, fiscalize, tensione o governo. Até porque ele assumiu uma carta de cinco pontos com compromissos conosco, sobre a questão dos recursos para hospitais, salários dos servidores, certa progressividade no ITBI, diminuir a alíquota do gás de cozinha e ampliar o alcance da alíquota reduzida de energia elétrica. Então, tem esses cinco pontos que, de qualquer maneira, nós já temos um instrumento para cobrar do governo. Eu acho que o diálogo que o PT teve com o novo governo, que não teve com o Sartori, mostrou que a política ainda pode se realizar pela política e não por outros meios.

Sul21 – Como o senhor avalia a candidatura a prefeito de Porto Alegre em 2012?

Villa: Primeiro, ali já havia sinais de que a gente tinha que ter tido uma estratégia de alianças. A minha posição era a favor de alianças. Fui candidato porque o partido definiu. Mas, desde lá, já havia sinais de que o esgotamento daquele largo período do PT em Porto Alegre vinha se realizando. Antes com a Maria do Rosário, depois comigo e, mais recentemente, com o Raul. O Raul até prefeito foi e elegeu menos vereadores que eu. Eu elegi cinco, o Raul quatro. Eu já vou adiantar a minha posição de que a nossa candidata aqui em Porto Alegre, sem nenhuma dúvida, tem que ser a Manuela. Mas tem que estudar uma aliança, só ela não ganha as eleições. Temos bases sociais, temos relações, mas temos que atualizar um programa, reconectar as bases partidárias com a sociedade.

Sul21 – Quais os eixos que a candidatura da esquerda para a Prefeitura tem que defender para que não seja mais uma eleição discutindo aplicativos?

Villa: Eu acho o programa super importante e central. Agora, esse programa tem que galvanizar os desejos e anseios da sociedade. Um primeiro tema é a descentralização e reorganização da cidade, absolutamente fundamental. A questão da mobilidade da urbana. A questão da inovação. A questão da acessibilidade. O tema das vocações da cidade, o projeto de desenvolvimento da cidade, aí entra o tema da cidade da inovação. Nós tínhamos um projeto para o quarto distrito. Na questão da mobilidade urbana, atenção para as pessoas em primeiro lugar. Porto Alegre é um caos. Se tu pegar a Borges, todo mundo passa por cima de todo mundo. Criou-se um certo boom de ciclovias que o Fortunati tentou fazer, mas muito mais uma resposta às críticas que a gente fazia e hoje as ciclovias estão um caos. Esses são eixos de atualização e modernização da cidade a um certo humanismo que a cidade perdeu. Outra questão, a área cultural. Um dos eixos que integrou Porto Alegre na América Latina e jogou para o mundo foi o tema da cultura, da instigação, do intercâmbio entre artistas das mais variadas áreas, isso foi, à época, absolutamente espetacular. Eu acho que aplicativos são instrumentos, se tudo isso aí precisar de aplicativos, nós vamos usar, mas não pode ser os valores em si. Eu me lembro, por exemplo, quando o Marchezan se encantou por uma tomada que carregava telefone numa parada de ônibus em Paris, isso é mais velho do que não sei o quê.

Outro tema é a questão do transporte coletivo, tem que entrar o metrô, veículos leves sobre trilhos. A cidade bateu no teto, não dá mais, é muito carro na cidade. Até o Rio de Janeiro está melhor agora em mobilidade urbana, com o metrô e os VLTs. Claro que aqui tem muita restrição por causa dos altos e baixos, mas ponha até onde eles podem ir. Talvez trocar a Rodoviária, colocar ela para fora e aquele espaço ser um terminal de ônibus para a região nordeste e sudeste. Dali o cara bota os VLTs para acessar o Centro. E descentralizar, criar centros na zona sul, na zona norte, investir em centros urbanos. O Triângulo hoje está desmanchado. Foi feito para ser uma zona de baldeação. A cidade tem muita coisa por fazer. Está visível que o Marchezan ficou sem projeto. Agora se abraçou no tema da inovação, ainda bem. Acho que é uma vocação da cidade. Nós criamos a base para isso nos nossos governos, mas ficou muito tempo parada.

Sul21 – Qual o saldo que o senhor tira da sua atuação na política institucional?

Villa: Acho que a gente, primeiro, sempre conseguiu ao longo desse período combinar duas coisas importantes, que é ter ação política institucional, fazer a fiscalização, ter atuação no parlamento e não despregar das relações sociais que deram origem às nossas representações. Não quer dizer que a gente tinha mandatos corporativos, mas a gente sabia os eixos que nos traziam aqui. O mandato nunca foi propriedade do deputado. Segundo, a gente sempre buscou formular projetos de conteúdo vindos dessa relação, por isso que tivemos um monte de projetos na área de tecnologia, na área de transparência, na área de controle, de fiscalização, de meio ambiente. Sempre consultando setores. Esses dias alguém comentou aqui na Casa que os caras fazem projetos sem consultar ninguém. Eu chegava a ficar careca de ficar consultando todo mundo. Para a Lei Kiss, nós consultamos milhares e milhares de pessoas. Terceiro, o mandato de representação sempre tem que ser transitório, testado de quatro em quatro anos. A gente sempre foi reeleito, mas não é propriedade do eleito. A gente sempre teve um vínculo muito forte de comunicação com a base que tinha relação com a gente. Sempre atuamos na questão do combate aos privilégios da Casa. Quando abriu de novo esse debate sobre aposentadoria de deputados, a gente bateu muito. Sempre debatemos contra as benesses, porque deputado não é profissão. Sou professor e engenheiro de profissão e vou voltar para ela de cabeça erguida.


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