Bona Garcia, fundador do MDB-RS, lamenta apoio a Bolsonaro e abre voto em Haddad

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Luís Gomes
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João Carlos Bona Garcia diz que não seguirá recomendação do MDB-RS e que votará em Haddad no segundo turno |Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Luís Eduardo Gomes 

Na última segunda-feira (8), a direção do MDB no Rio Grande do Sul convocou uma entrevista coletiva para anunciar que o partido estava recomendando o voto em Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno da eleição presidencial. A decisão foi abraçada pelo governador e candidato à reeleição José Ivo Sartori (MDB) e respaldada pela presença das principais lideranças estaduais da legenda. Naquele momento, estiveram ausentes alguns dos figurões da MDB gaúcho, como Pedro Simon, Germano Rigotto e José Fogaça. O primeiro, no entanto, já anunciou que seguirá a recomendação da direção.

Ainda assim, o aparente consenso também gerou desconforto interno. Um dos fundadores do partido no Estado, João Carlos Bona Garcia se diz triste com a decisão e anuncia que irá votar em Fernando Haddad (PT), mesmo fazendo críticas ao PT. Para ele, o partido faz um cálculo eleitoral em razão do fato de Bolsonaro ter vencido as eleições no RS no primeiro turno, mas que se configura um “cheque em branco”.

“Isso não tem nada a ver do ponto de vista ideológico, não tem nada a ver do ponto de vista de aprovação do futuro governo, nem aprovação das ideias dos candidatos à presidência. Claro que não, é só uma questão de eleição em busca de votos, o que, na cabeça do candidato, é normal. Agora, eu acho que a vida não se restringe a uma eleição. Porque você vai estar dando um cheque totalmente em branco a um candidato que todo mundo conhece, suas posições sempre foram muito ruins para a democracia, uma pessoa racista, preconceituoso em relação às mulheres, apoiou e apoia ainda a ditadura militar que houve no País, apoiou e apoia a tortura, defende os torturadores. Todo mundo conhece”, diz.

Bona Garcia iniciou sua militância contra a ditadura aos 17 anos, quando ingressou na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização que atuou na luta armada. Foi preso, torturado, trocado pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, que havia sido sequestrado. Foi banido e exilado. Ao contrário da direção do partido, que acredita que Bolsonaro não seja uma ameaça à democracia, Bona Garcia diz que é preciso olhar para o histórico do deputado federal e não para suas declarações supostamente mais moderadas do período eleitoral.

“O Bolsonaro tem anos e anos de vida parlamentar e todo mundo conhece a posição que ele tem, o que ele pensa sobre todos os problemas da vida nacional. Do passado, presente e o que pensa para o futuro. Ele pode agora, como é época de eleição, vestir uma roupagem de conciliador, de unir o País, porque ele também quer votos. Então, ele vai se apresentar como um moderado para ter os votos do pessoal mais de centro. Agora, a vida dele não é essa. O posicionamento dele não é esse. O que ele vai fazer, sabe-se lá o que é.  Mas você não pode comprar o Bolsonaro pelo que ele foi a vida toda”, diz.

Confira a seguir a íntegra da entrevista.

Ao longo da entrevista, Bona Garcia faz uma série de críticas aos governos do PT, mas diz que é preciso tomar Bolsonaro pelo que ele sempre foi, não pelo que está dizendo na época das eleições | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como o senhor avalia a situação eleitoral e a decisão do MDB-RS de anunciar apoio a Jair Bolsonaro?

Bona Garcia: Primeiro, em termos de situação eleitoral, eu acho que, infelizmente, nós chegamos a uma situação muito crítica, muito difícil e de um certo pessimismo. Eu acho que nós, e nisso me incluo, os partidos que assumiram o governo, falharam. Com altos e baixos, mas falharam. Não conseguiram dar uma resposta à sociedade brasileira. E aí culminou com os governos do PT, que acabaram num mar muito complicado, de denúncias, gente presa, por questão de corrupção. A questão da corrupção felizmente está sendo apurada, isso aí a sociedade realmente ficou indignada com o que estava acontecendo, porque veio à tona e a sociedade entendeu e se manifestou repudiando o esquema todo que houve. E o pior, os partidos que administraram e governaram nesse período sempre colocaram a culpa nos outros, nunca assumindo os erros, nem que seja uma parte do partido ou pessoas do partido, não importa, mas assumindo que pessoas do partido erraram, conduziram mal. A sociedade deu o recado, só que as eleições dividiram a sociedade de uma forma não inteligente, que criou um certo antagonismo e o voto não foi um voto para o candidato, foi um voto contra o outro candidato. Então, foi uma eleição não guiada pela razão, não guiada pela cabeça, mas simplesmente foi um voto de raiva, com o fígado, um voto de que não importa as consequências que vai ter ali adiante. O importante nesse momento, na cabeça desses eleitores, é que o partido não assuma, não volte a assumir o comando do País.

Acho que qualquer decisão tomada agora também não vai ser boa. Mas você tem que se posicionar. Eu sempre fui de esquerda, me considero de esquerda. Nunca mudei a minha postura, minhas ideias continuaram sempre as mesmas. Você evolui, o mundo evolui, mas, em termos de posicionamento político, você tem uma história. Ou seja, a tua vida é a tua história, é aquilo que você carregou ao longo do tempo. Então, agora, tem uma eleição, tem segundo turno e você tem que decidir. De um lado, você tem as pessoas que são candidatos e assumiram uma posição de não perder voto. E você pensa e se coloca no lugar do candidato, ele diz: ‘Poxa, eu não vou perder voto, quero ganhar a eleição’. Pode ver que os dois candidatos aqui no RS têm a mesma posição.

Sul21 – Essa decisão, o senhor acha que é mais um cálculo político?

BG: Com certeza. Isso não tem nada a ver do ponto de vista ideológico, não tem nada a ver do ponto de vista de aprovação do futuro governo, nem aprovação das ideias dos candidatos à presidência. Claro que não, é só uma questão de eleição em busca de votos, o que, na cabeça do candidato, é normal. Agora, eu acho que a vida não se restringe a uma eleição. Porque você vai estar dando um cheque totalmente em branco a um candidato que todo mundo conhece, suas posições sempre foram muito ruins para a democracia, uma pessoa racista, preconceituoso em relação às mulheres, apoiou e apoia ainda a ditadura militar que houve no País, apoiou e apoia a tortura, defende os torturadores. Todo mundo conhece. Sete vezes eleito deputado federal em cima de um discurso saudosista da ditadura, e que encarnou contra o PT. Ninguém viu nesse candidato a possibilidade de um crescimento sustentável no Brasil, a melhoria da situação de vida do povo brasileiro, a criação de empregos, o verdadeiro debate que deveria ter. Ou seja, com toda a revolução que está no mundo em torno da inteligência digital, vai ter quantos milhões de desempregados? Ninguém debate isso, como fazer, como buscar uma forma de ocupação de novos cargos, novos empregos, novas profissões para a população. Querem saber o quê? Voto no Bolsonaro porque não quero o PT no governo. E o PT, por sua vez, também não foi bem no seu governo. No primeiro governo do Lula, a situação externa era muito favorável, ele seguiu a política econômica do Fernando Henrique, colocou o Henrique Meirelles, que era do PSDB, na condução do Banco Central, e o País andou bem. Andou bem, ninguém pode tapar o sol com a peneira. Tirou 30, 40 milhões da miséria, o pessoal consumiu mais, desenvolveu, e nunca também a classe média surfou tanto como nessa época. A classe média ganhou dinheiro nessa época. O capital financeiro nunca ganhou tanto dinheiro como na época do governo Lula. Os empresários, enfim, tava todo mundo satisfeito, sorrindo, achando simpático o governo Lula. Só que depois começou uma derrocada, o projeto do PT, que eu acho o grande erro, de querer se perpetuar no poder. E para se perpetuar no poder tiveram que usar todos os meios que dispunham para atingir um fim. E aí acabou descambando, tanto no mensalão, como depois, no que chamam de petrolão, quase quebraram a Petrobras. Então, o povo ficou entre o mar e o rochedo. E ninguém quis optar por outra via de medo de enfraquecer a sua posição entre a dualidade. Esse foi o grande problema. Vou te dar um exemplo, não votei nele, mas o Ciro, as pesquisas mostravam que ele ganhava, mas ninguém quis apostar. E agora é até uma piada pedir que o Haddad renuncie para o Ciro ser candidato, isso é uma bobagem. Mas a população realmente ficou dividida, e o voto não foi um voto consciente, pelo Brasil, pelo futuro, mas sim para não deixa o outro candidato ganhar, mais um voto de raiva.

Aí vem a minha posição e a do MDB hoje. Eu fui um dos fundadores junto com tantos outros militantes e lideranças que nós temos. Eu, pequenino, mas ajudei com a minha parte na fundação do PMDB, quando houve a criação dos partidos. Acabaram com o MDB e a Arena e veio o PMDB. Eu discutia muito no exterior, quando estava exilado, com o Miguel Arraes. Depois discuti muito com o Brizola também. A ideia era voltar para cá e tentar uma união de toda a oposição dentro do MDB e ter um candidato à presidência da República. Poderia ser qualquer um. O próprio Arraes dizia: ‘Não precisava ser eu, poderia ser o Brizola, o Ulysses’. Aí veio a criação dos partidos e, lamentavelmente, se dividiram. Acabou não conseguindo ninguém ganhar. Eu guardo as minhas posições ainda e, não escondo isso de ninguém, fiquei triste, chateado de ver o partido — e agora saiu o P, é uma bobagem trocar o nome do partido pensando que isso lava todas as feridas e abençoa todos os pecados — entrar na canoa do Bolsonaro porque ele está na frente, largamente, nas pesquisas e ficou bem na frente no voto no Rio Grande do Sul. Agora, o partido também foi maleável na medida que ele recomenda o voto no Bolsonaro. Todo mundo sabia da minha posição. Nunca escondi que jamais votaria em Bolsonaro, mas também não sou daqueles de dizer ‘não vote em ninguém’. Acho que essa é a pior posição que tem. Ou seja, você simplesmente dizer ‘me abstenho’. O que adianta votar em branco? Não adianta nada, um dos dois vai ser eleito. Então, eu não voto no Bolsonaro e, se não voto nele, só tem um outro candidato, voto nele. Na esperança que esse candidato, se por eventualidade ganhar, não seja um avatar, não seja um poste. Acho que é uma pessoa nova, deve ser uma pessoa inteligente, que possa, botando a faixa, querer fazer a sua história e fazer um bom governo. Essa é a expectativa que se tem. Acho que o PT também deve ter aprendido um pouco, porque as urnas mostraram ao PT o quanto ele estava errado. E o pior que acabou afundando também porque colaram no PT ser um partido de esquerda, e aí vem aquela bobageira que se vê em fake news dizendo que vai ser a nova Venezuela. Isso é de uma estupidez, uma bobagem que não tem nada a ver. Agora se agarram num posicionamento do [José] Dirceu, que disse ‘nós vamos tomar o poder’. Meu Deus, acho que o Dirceu tá mal da cabeça, porque não é possível pensar dessa forma. Nós vivemos em uma democracia e as urnas têm mostrado que o Brasil está longe disso.

Bona Garcia irá votar em Sartori no segundo turno | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor participou das discussões internas sobre essa decisão?

BG: Não. Eu só dei a minha opinião. Participei de várias reuniões e sempre manifestei a minha opinião. A discussão houve, mas, no final, foi mais pela direção do partido, que tomou a decisão. Agora, eu tenho uma coisa a registrar que é o seguinte, nós vivemos numa democracia, eu respeito a decisão da maioria do povo brasileiro nas escolhas que fez, sem dúvida nenhuma, mas isso não quer dizer que eu concorde. Eu respeito, mas não concordo. Eu respeito a decisão que o partido tomou, mas não concordo com ela. Eu tenho a minha a decisão, então não vou seguir a recomendação do partido de votar no Bolsonaro.

Sul21 – Foi uma decisão consensual na direção do partido? Teve algum tipo de questionamento de lideranças?

BG: Partido, como o próprio nome já diz, não é uma seita, não é uma religião. Num partido, você tem várias opiniões, correntes. Eu acho que dentro do MDB tem várias pessoas que se identificam mesmo com o Bolsonaro, são pessoas claramente de direita. E acho também que tem gente que não é desse campo político. São democratas, progressistas, querem o bem do País, como todo mundo, mas não se aliam a esse tipo de política. Tem uma política, vamos dizer assim, mais humanista. Hoje, só se seguir uma seita para todo mundo pensar da mesma forma.

Sul21 – Mas houve um certo incômodo dentro dessas alas mais progressistas do partido ou não?

BG: Eu falo por mim. Claro que, por mim, sim. Eu fiquei triste, chateado, incomodado. Mas, veja bem, nós vivemos um sistema democrático e você tem que respeitar o resultado das urnas, o que pensa a maioria.

Sul21 – O senhor viveu a ditadura militar, toda a repressão. Vários membros do MDB também viveram esse período. O próprio Alceu Moreira [presidente do MDB-RS] vocalizou acreditar que um eventual governo de Jair Bolsonaro seguiria as regras democráticas. O senhor acredita nisso ou teme que ele possa ir pelo caminho do autoritarismo que já defendeu?

BG: Como tu conhece uma pessoa? Pela vida, pelo seu posicionamento. O Bolsonaro tem anos e anos de vida parlamentar e todo mundo conhece a posição que ele tem, o que ele pensa sobre todos os problemas da vida nacional. Do passado, presente e o que pensa para o futuro. Ele pode agora, como é época de eleição, vestir uma roupagem de conciliador, de unir o País, porque ele também quer votos. Então, ele vai se apresentar como um moderado para ter os votos do pessoal mais de centro. Agora, a vida dele não é essa. O posicionamento dele não é esse. O que ele vai fazer, sabe-se lá o que é.  Mas você não pode comprar o Bolsonaro pelo que ele foi a vida toda. Ele vai ter que negociar muito com o Congresso, porque no nosso sistema presidencialista você tem que negociar com todos os partidos, não pode impor as suas ideias. Agora, eu não arrisco com o Bolsonaro, de maneira alguma. Já não votava do ponto de vista ideológico, do ponto de vista político, jamais. Mas, do ponto de vista administrativo do Estado, eu não espero nada do Bolsonaro.

Bona Garcia classifica como um cheque em branco o apoio a Bolsonaro | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – A justificativa que o Alceu Moreira deu e também é repetida pelo adversário do Sartori, Eduardo Leite, é de que haveria um alinhamento do ponto de vista econômico. Mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que as políticas defendidas pelo Paulo Guedes são muito mais radicais do que o MDB jamais defendeu. Não é?

BG: O Paulo Guedes é um economista formado em Chicago, é um Chicago Boy. Ele defende um ultraliberalismo que nunca deu certo em lugar nenhum. Inclusive, quando o Pinochet assumiu o poder, com o golpe de Estado e o Allende se matando, o Paulo Guedes foi convidado a ir para lá. E o Chile também acabou não dando certo. E, outra coisa, o pensamento do Bolsonaro também não é esse do Paulo Guedes. Olha um pouco como foi a ditadura militar brasileira, foi o fortalecimento do Estado, não a diminuição, como pregam os liberais, foi o fortalecimento e criação de estatais, não o que prega o liberalismo. Então, como vai ser o governo do Bolsonaro? Ninguém sabe. O Onyx [Lorenzoni] já está declarando que vai ter a reforma da Previdência. Vai ser quando? Não vai ser o ano que vem. Quando vão ser as outras reformas que o Brasil precisa? É aquilo que eu te disse, é um grande cheque em branco. Vai acabar em outro impeachment mais adiante? Nós já tivemos a experiência do [Fernando] Collor, que era o novo, o cara que ia mexer com tudo, lutar contra os marajás. O Bolsonaro está no mesmo caminho. Agora, ele vai tocar nos privilégios das Forças Armadas? Não vai. Como será o governo dele é só no palpite e no chute, porque ninguém sabe direito o que vai ser, acho que nem ele sabe.

Sul21 – Nesse sentido, a decisão do MDB foi mais uma negação do PT mesmo?

BG: Foi uma negação. Mas eu volto a dizer, tem muita gente dentro do MDB que é simpática à teoria liberal, tem correntes fortes aqui no Rio Grande do Sul. Eu sou um dos que pensam diferente. Agora, a situação é tão complicada que nós estamos vivendo um esgotamento de um ciclo econômico e ainda não estamos em outro ciclo plenamente. Estamos numa transição de um ciclo para outro e indo para uma grande revolução, do ponto de vista econômico, que ocorrerá ali na frente. A maioria do trabalho pesado não vai mais ser feito por pessoas, mas por máquinas, robôs. Qual é o número de profissões que vão deixar de existir ou vão diminuir? Essas coisas geram um certo medo. Aquilo que você não consegue enxergar bem e não consegue entender te gera medo, preocupação. Daí vem a ideia de você se agarrar em alguém que possa ser o salvador, mas não vai ser, porque isso não existe. Isso não é só no Brasil. O Bolsonaro não é só no Brasil. É um ciclo que está nos EUA com o [Donald] Trump, no leste da Europa está pipocando na Hungria, na Áustria, no Reino Unido e em vários outras países. Então, está crescendo a ideia de um ultraconservadorismo. Se você pegar nos livros, se sente um pouco como no início do nazismo na Europa. Foi assim. Tu sente um ambiente histérico na sociedade. O pré-64 foi assim. Olha o absurdo, chegaram a catalogar o Jango [presidente João Goulart] como comunista. O Jango não passava nem perto, nem ideia tinha. Catalogaram como comunista para poder enfraquecê-lo, como agora pintam as pessoas de tudo que é coisa. É um absurdo. Então, é uma grande incógnita e infelizmente chegamos nessa situação. Eu digo infelizmente porque os partidos que participaram sempre botaram a culpa nos outros, nunca assumiram nada, e nisso incluo o PMDB também, de sempre achar que os outros são culpados.

Sul21 – Nesse ponto que o senhor falou de que não é um movimento específico do Brasil. Tem causas internas, mas também é resultado do próprio modelo econômico mundial. Quais as causas internacionais, digamos assim, que o senhor elencaria para o crescimento de modelos políticos baseados em discursos de violência, ultra religiosos, ou ao menos com fundamentação religiosa?

BG: As pessoas se agarram a isso. Como não conhecem bem e têm medo do que vai vir, em termos de perder o trabalho, de não saber como vai ser o comportamento, se agarram cada vez mais numa pessoa que salve a pátria e se baseie nas religiões. Eu vi agora no RS, perto do dia da eleição, tinha municípios em que se via pessoas rezando mil Ave Marias e tal. Coisas que a gente já viu aqui em 64. E as pessoas se jogam nisso, tentam se agarrar em alguma coisa. O que é a religião senão medo daquilo que não conhece. A religião foi assim no passado, era medo do trovão, medo do escuro. Depois o medo da morte. Isso fez com que se criasse deuses.

E agora, com a nova revolução que virá com a inovação nas empresas, a revolução da era digital, o que vão fazer com uma massa enorme de desempregados? Outro dia peguei um táxi e o taxista me disse: ‘Eu sei que a minha profissão vai acabar’. Ele estava triste, porque sabia que iria acabar quando os carros andarem sem motoristas. Aviões não terão pilotos. Vai reduzir um monte de médicos, porque vai ter o corpo sendo escaneado, as cirurgias vão ser feitas por robôs. Há uma mudança muita rápida que vem e todo mundo sente isso. Na própria relação. Se você pegar como era uma criança, há uns anos brincavam de carrinho, jogavam futebol, hoje é o menino do sofá. Eles estão sentados, com um celular ou um tablet na mão e ficam ali cinco, seis horas, é um troço impressionante. Vai mudar totalmente com a integração entre as máquinas. Até os animais de estimação vão ser robozinhos. Isso gera um certo temor. E o pior, num bom sentido, as pessoas vão morrer depois de 100 anos. Como criar ocupação, como vai ser a vida, como vai ter uma previdência que a pessoa consiga ter? Você pega no meio agrícola, uma pessoa sozinha comanda máquinas que fazem a colheita, plantam, viram a terra. Onde precisava antes um monte de gente, hoje não tem mais ninguém. E assim vai.

Sul21 – Mas por que então, nesse ambiente de desafios que são muito complexos, emerge um candidato que tem um discurso de soluções simples e fáceis para resolver tudo?

BG: Porque ele dá essa segurança de perspectiva e as pessoas tentam se agarrar num salvador da pátria. Por exemplo, o Trump disse ‘vou cuidar do emprego, vamos fechar fronteiras, vou brigar com todo mundo’. Ora, falar isso numa economia completamente globalizada. Hoje, a montadora de carros busca peça onde é mais barato. Se ela tem que trazer da China, ela traz da China. E ela sabe que, trazendo peças de lá, o emprego está sendo gerado na China. Nós vamos abrir mão de construir aqui nossas plataformas de petróleo, vamos importar da China, estamos criando empregos na China, e assim por diante. A economia hoje está globalizada, então como é que você vai fechar um país? A economia não respeita fronteiras, não respeita nada. Então, as pessoas se agarram ao salvador da pátria, a um discurso extremo de direita, voltado para um nacionalismo que não leva a nada, porque o mundo não vai ser assim. Vai dar com os burros n’água lá na frente. E o pior, porque se ainda fosse uma pessoa inteligente, poderia se dar conta ao longo do seu mandato. Mas aqui, com o Bolsonaro, poxa. Fica doido. Como você vai esperar alguma coisa? E aí vem a decepção. Sai o pessoal de novo nas ruas para mudar. Então, é uma grande incógnita.


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