Jairo Jorge: ‘O atual governo fez o que outros já fizeram, pensou solução para o seu governo’

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Jairo Jorge, jornalista, duas vezes prefeito de Canoas, foi pró-reitor da Ulbra e é candidato do PDt ao governo do Estado | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Durante 17 meses, o jornalista e ex-prefeito de Canoas Jairo Jorge da Silva, 55 anos, percorreu os 497 municípios do Rio Grande do Sul. Candidato ao governo do Estado pelo PDT, ele afirma que, em 102 mil km de estradas percorridas, conversou com 28 mil pessoas, levantando os problemas que atingem gaúchos morando fora do radar de Porto Alegre.

“Eu tive oportunidade de conhecer o Estado, de conversar com as pessoas, agricultores de mãos rudes, empresários muitas vezes vivendo dificuldades, mas também senti muita esperança no coração das pessoas. Foi muito importante para mim também, para me energizar”, diz ele, durante uma conversa com o Sul21, gravada na casa dos pais, em Canoas.

Eles parecem ser a grande referência de Jairo. Dona Gasparina, 88, conta que “não acreditava muito” na primeira eleição do filho. Seu Jahyr Souza da Silva, 91, apenas ri. Em 2008, quando foi eleito com 52,63% dos votos no segundo turno, ele enfrentava adversários fortes e nomes conhecidos em Canoas. Era a segunda vez que tentava o cargo, a primeira tinha sido em 1985, quando tinha 24 anos. Em 2012, já com a fé de Dona Gasparina, se reelegeu com a maior votação da cidade: 71,27%. “Ele conta essa história, de que eu não acreditava muito, em todo lugar, mas agora eu sei que vai ganhar”, diz a mãe.

No ano passado, Jairo Jorge anunciou que estava deixando o Partido dos Trabalhadores e indo para o PDT. A saída teria sido motivada por discordâncias internas a respeito de decisões que ele havia tomado na prefeitura. Desde cedo, o partido havia sido onde ele canalizou a militância começada no Grêmio Estudantil do Ginásio da Paz e na Pastoral da Juventude.

Jairo diz que a identificação com o partido criado por Leonel Brizola vem da defesa da educação. O candidato lembra que foi graças a uma das escolas criadas nas políticas do governo de Brizola no Rio Grande do Sul que ele e o irmão Ademir, 16 anos mais velho, conseguiram estudar. Em 2004, o candidato chegou a assumir interinamente o Ministério da Educação, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Mais tarde, o jornalista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também assumiu como pró-reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).

Para a disputa ao governo do Estado, Jairo conseguiu alinhar uma das maiores coligações da campanha, atrás do atual governador, José Ivo Sartori, (PMDB, com 10 partidos) e empatado com Eduardo Leite (PSDB, com 7). Com PV, Solidariedade, Podemos, Avante, PMB e PPL, ele conseguiu sete partidos na aliança e promete dar palanque aos presidenciáveis de todos, ainda que seu apoio seja declarado a Ciro Gomes (PDT).

“Não estamos fundando um partido, estamos indo todos para a mesma visão, sem a tese do partido único. Cada um tem suas opiniões, estamos fazendo é um programa de governo”, explica.

O candidato, casado com Thaís Pena, pai de Mário e Isadora, na entrevista ao Sul21, fala desta questão e dos planos que tem, caso seja eleito governador do RS em outubro:

Jairo Jorge, com a esposa Thaís e os pais Jahyr e Gasparina | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Uma das questões levantadas ao longo dos últimos quatro anos de governo é a do parcelamento da folha de pagamento. Como o senhor pretende lidar com a questão dos salários do servidores estaduais?

Jairo Jorge: O governador [José Ivo] Sartori (PMDB) transformou o parcelamento, que eventualmente ocorreu em outros governos, em política de Estado. Isso desestruturou 300 mil famílias no Rio Grande do Sul, afetou o comércio, a área de serviços, a economia. Eu não digo que o governador Sartori tenha dinheiro embaixo do colchão, não é isso. Apenas que ele poderia fazer de um jeito diferente. Em junho de 2015, quando ele começou o parcelamento, deveria ter olhado nos olhos dos servidores e dito que o dinheiro não era suficiente para pagar as despesas. Se ele tivesse estabelecido uma data… porque com exceção de uma pequena parcela que ele pagou em setembro de 2015, todos os pagamentos ocorreram sempre antes do dia 15. Por que o governador não chegou e disse: vou pagar no dia 15, no dia 14? Ter feito uma política transitória, mas que a partir dali de 30 em 30 dias, as pessoas receberiam seus salários de forma integral, previsível, organizada. Ao invés disso, ele usou a política do parcelamento, afetando a inteligência do Estado. Vou acabar com essa política. Vamos criar uma mesa de diálogo, onde eu governador, se for a vontade dos gaúchos e de Deus e eu for eleito, vou negociar diretamente com os servidores. Vamos estabelecer um planejamento de pagamento integral para todos, não colocar quem ganha mais contra quem ganha menos, e vamos trazer no menor prazo possível para o que está previsto na Constituição, que é o último dia útil do mês vigente. O Estado precisa de transparência, hoje não há transparência. O servidor público não tem certeza do tamanho da crise. O governador tem obrigação de ser sincero, de informar. É verdade que temos um déficit, de R$ 2,5 bilhões, segundo dados do Tesouro, no primeiro semestre. Não existe solução mágica para o RS, mas uma coisa os servidores podem ter certeza: terão de mim respeito, diálogo e busca da prioridade. Servidor público será prioridade número um para mim, porque assim que um empreendedor tem que lidar com seus colaboradores. Aliás, eu fiz isso em janeiro de 2015, quando era prefeito e percebi que a crise ia ser profunda. Eu chamei meus funcionários, discuti com eles, mudamos a data-base, que também era o último dia útil do mês vigente e passamos até o 5º dia útil do mês subsequente. Estabelecemos uma janela, uma previsibilidade e nunca atrasamos, nunca parcelamos.

” [O RRF] é uma proposta que coloca o Rio Grande do Sul de joelhos, não nos dá capacidade de sair da crise. Se ela for assinada, o próximo governador será um marionete”| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Sul21: Como o senhor irá lidar com o pagamento da dívida com a União e como fará para que essa questão seja equacionada a longo prazo, não apenas durante um mandato? O governo atual fala sobre a necessidade de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.

Jairo Jorge: O atual governo fez o que outros já fizeram, ele pensou solução para o seu governo. Essa é uma falsa solução, a gente respira um pouco agora, para daqui a três ou seis anos, morrer por falta de oxigênio. Só estamos protelando. [O RRF] é uma proposta que coloca o Rio Grande do Sul de joelhos, não nos dá capacidade de sair da crise. Se ela for assinada – não acredito que há tempo hábil para isso – o próximo governador será uma marionete. Terá um triunvirato que vai governar o Rio Grande do Sul, dois técnicos do Tesouro, um da Fazenda. Eu não aceitaria isso de maneira alguma. Pretendo ganhar a eleição e negociar com o ou a presidente eleito. Se ele assinar, vou propor a mudança dessas cláusulas que impedem o Estado de buscar solução. Tem que ter firmeza, autoridade, liderança, convergência. Quero unir todos os setores do Rio Grande para buscar uma nova negociação que seja vantajosa. Não tem como abrir mão da Lei Kandir. Tem gente que acha que a Lei Kandir é vender terreno na Lua. A Lei Kandir foi importante, mas não tem sentido o RS financiar o Brasil. Nós financiamos a balança comercial, por isso, criou essa compensação. Mas, essa compensação não entrou com o que devia. Os valores atualizados, pelas estimativas dos meus técnicos, chegam a R$ 50 bilhões. R$ 65 bilhões seriam o total, 15 foram compensados, está devendo 50. Vamos abrir mão disso? Vamos impedir a contratação de policiais militares, professores, só repondo quem se aposenta? Por exemplo, os dividendos do Banrisul, que eu estou propondo que sejam aplicados num fundo para a educação, isso se inviabiliza porque vai ser usado para pagamento da dívida. Eu defendo saídas novas, mas acredito que é possível sim negociar, que são possíveis novas cláusulas, desde que tenha autoridade política.

Desde 1995 até agora, todos os governos usaram quatro saídas: aumentar impostos, vender empresas públicas, usar o caixa único ou usar depósitos judiciais. Ou usaram uma ou usaram todas. Este governo, por exemplo, está tentando usar as quatro. Essas saídas não têm mais sustentabilidade. Eu defendo outro caminho para o Estado, soluções inovadoras. Não é fazer mais do mesmo, é fazer de um jeito diferente, é uma mudança disruptiva. Qual a questão hoje? O Rio Grande do Sul precisa crescer e para isso precisa superar gargalos e retirar as travas que tem. Minha proposta é menos burocracia e menos impostos. Um binômio. Porque hoje somos o Estado mais burocrático do Brasil. Uma licença-ambiental aqui leva 900 dias, em Santa Catarina leva 90. Uma licença de PCH leva 10 anos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina 180 dias. A Bahia fez um licenciamento sério, mudou a legislação. Nós temos que buscar o que fizeram Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina – estou falando de partidos diferentes, não de matriz ideológica -, que buscaram caminhos diferentes e estão crescendo. Eu estou propondo a Lei do Gatilho. Eu implantei essa lei em 2009. O ISS era 3%, eu baixei para 2,75%, avaliamos um ano, houve aumento real, disparou o gatilho, caiu para 2,50%, depois 2,25% e depois 2%. Sobe ou desce de acordo com a arrecadação. Eu estou propondo que alíquota do ICMS caia, em 1º de julho de 2019 para 17,75%, um gatilho de 0,25% e, para combustíveis, energia e comunicações de 30% para 29%. Vamos baixar o imposto para aumentar a arrecadação. Hoje, temos imposto tão alto que está matando a economia do RS, porque está tirando a competitividade.

“O professor tem que ver que o governante o reconhece, porque eu sou o que sou graças aos meus mestres. Então, qual a postura que tu tem? Mandar para a Tumelero comprar o piso? Não, né. Isso gera uma parede, não há reconhecimento ou respeito” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Quando se fala na crise financeira e econômica do Estado, há quem questione que os governos falam em cortar gastos, mas não se referem à geração de receita. Qual a sua estratégia para desenvolver a economia gaúcha?

Jairo Jorge: Hoje, há um conjunto de projetos no Rio Grande do Sul que está aguardando licenciamento. Vou te dar um dado: são mais de 100 projetos de PCH (Pequenas Centrais Hidrelétricas) parados. Isso é um investimento de mais de R$ 3 bilhões, poderia gerar energia, criar ICMS. Por que não fizemos isso? Porque não tomamos decisões. Existem projetos aguardando seis, sete anos. A Votorantin tem um projeto, se não queremos um projeto como esse, porque vai poluir, não podemos esperar sete anos para dizer não. Se queremos, quais as salvaguardas que dão, para explorar níquel, chumbo, sem poluir o Rio Camaquã e sua comunidade? Vamos ser respeitados se formos céleres. O meio-ambiente é um ativo, que precisa ser protegido, mas não pode ser uma trava, onde simplesmente assistimos à degradação dele, como estamos vendo no Parque Delta do Jacuí. Onde está o Estado e a proteção efetiva ali? Às vezes, o não fazer nada inviabiliza a possibilidade de resultados. Temos como crescer, ativando isso, gerando investimentos, isso vai dinamizar a medida que passarmos para a sociedade que temos condições de superar o gargalo de Estado mais burocrático. Defendo também parcerias público-privadas, PPPs, penso que elas podem ser usadas para o bem ou para o mal. Defendo que elas podem fortalecer o Estado. A gente só se pergunta quanto custa fazer uma obra, mas e quanto custa não fazer? Quanto custa não duplicar uma estrada, não construir um hospital, uma escola, uma universidade? Esse é um debate que temos que fazer.

Precisa um Estado mais leve, não precisa de 10 secretarias como é hoje, mas mais como forças-tarefa. Três níveis hierárquicos, não precisa seis ou sete. Ao mesmo tempo, defendo a regionalização do Estado, a participação. Acho que as pessoas têm que participar, na discussão das prioridades regionais. Minha ideia é retomar os Coreds – Conselhos Regionais de Desenvolvimento, dividir o Estado regionalmente, ter uma unicidade territorial. Cada região ter um escritório regional de governo, ter um secretário de Estado que vai ser o coesionador, acompanhar as políticas públicas num mesmo território. Não temos regionalização hoje. Saúde divide de um jeito, educação de outro, segurança de outro. Acredito que essas cinco grandes ações ajudam a resolver os sete grande problemas que o Estado tem hoje. A estagnação econômica; a fuga de cérebros, os jovens estão indo embora; o problema sério de um Estado burocrático, um Estado que é feito para não fazer; a perda de excelência em saúde, segurança, etc; perda de estrutura; desigualdades regionais e o paradigma do conflito, o que nos move é a briga chimango e maragato, a ética do duelo, ela contamina e não nos leva a lugar nenhum. Tu resolve a fuga de cérebros fazendo o RS crescer, tu enfrenta o Estado burocrático com um novo governo, mais célere; enfrenta a perda de excelência fazendo funcionar bem o que existe; enfrenta o déficit de infraestrutura com a questão das PPPs e das desigualdades regionais e do conflito com diálogo, participação, democracia.

Sul21: O governo atual, nos últimos três anos, teve de lidar com greve de professores, sofreu críticas por adotar políticas como a questão de enturmação e fechamento de turmas. Além disso, o RS vem decaindo em índices de educação. Qual o projeto do senhor para reverter isso?

Jairo Jorge: Precisamos fazer uma segunda revolução educacional no RS. A primeira aconteceu há 60 anos, quando Brizola ganhou a eleição, ele encontrou um Estado com 50% da população analfabeta. Eram 5,5 milhões de habitantes e metade da população não sabia ler e escrever. Ele mudou esse destino. Levou o RS para um novo rumo, as pessoas não sabiam ler e escrever porque não tinham escola. Meus pais não estudaram porque não tinha escola. Meu pai é da geração do Brizola, ele tem 91 anos, Brizola teria 95. Brizola mudou a vida dos filhos dos meus pais. Meu irmão e eu estudamos em escolas construídas por ele. Eu estudei numa escola que, hoje é um prédio de alvenaria, mas na minha época era uma brizoleta, um pouco maior, mas das estruturas modulares que ele fez. Precisamos compreender que temos um desafio tão intenso quanto aquele. Daqui a 7 anos, 10 anos, vamos diminuir a população do RS, teremos mais mortes do que nascimentos. Hoje, entre os 5 estados mais importantes economicamente, somos o único que tem migração negativa. Ninguém sai de uma terra de oportunidades e é o que está acontecendo. É preciso dotar de oportunidades, educação é uma.

Penso que a UERGS tem uma grande missão, além das que ela já tem, com desenvolvimento regional, tem a grande missão de ser a universidade da educação. Temos que formar professores, criar uma nova carreira, pensar nesse cenário de que os jovens não têm mais ambição de ser professores e, daqui a uns anos, vamos ter um apagão.

A questão da tecnologia em sala de aula, usar lousa digital, computadores. Usei muito isso na minha gestão em Canoas, todos os professores ganharam recursos, vouchers, compraram computadores deles, a prefeitura dava 3g, modelos diferentes que deram certo. Para essas questões de investimentos, recuperação de prédios públicos, a ideia de um Fundo para Educação. Todos os dividendos a mais que forem gerados no Banrisul, CEEE, tudo será aplicado nesse fundo. Hoje, os recursos que são gerados vão para o caixa único cobrir despesas. O que eu proponho é que tudo que for a mais vá para o fundo, isso gera uma motivação que hoje não tem, no serviço público e na sociedade. Também estou propondo, para que a gente possa pensar, num período mais longo, uma lei de responsabilidade geracional. Pensar a educação, principalmente, mas também saúde e segurança, num ciclo de 21 anos. Com sete ciclos de três anos, com metas, ações e indicadores para cada um. Queremos chegar em 2040 com a melhor educação do país? O que vamos fazer em três anos, seis, nove, 12, 15?  Eu me inspirei no modelo colombiano. Lá tem uma grande alternância de poder entre partidos de esquerda e direita, mas não mudam as políticas. Temos que pensar ainda um modelo de educação profissional, recuperação da estrutura escolar, uma pedagogia inovadora e criativa, devíamos estar aprendendo nanotecnologia, robótica, programação. E a escola de turno integral. Acredito que os Cieps hoje são mais importantes do que no passado.

“Minha ideia é voltar com o incentivo aos hospitais, que foi criado na época do governo Tarso Genro (PT), com o secretário Ciro Simoni (PDT), o IHOSP. Eu quero resultados, como exames e procedimentos” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: A situação da saúde pública no Estado também tem sido de crise nos últimos anos. Como o senhor irá lidar com um cenário de congelamento de gastos pelo governo federal para as próximas duas décadas?

Jairo Jorge: Existe uma crise nos hospitais de pequeno porte, temos um pouco mais de 80 hospitais que estão vivendo muito precários. O atual governo trabalhou para asfixiar esses hospitais, com a ideia de que eles não têm sentido, capacidade de gestão. Foi um erro crasso, na minha opinião. Esses hospitais nos ajudaram a chegar à excelência. Minha ideia é voltar com o incentivo aos hospitais, que foi criado na época do governo Tarso Genro (PT), com o secretário Ciro Simoni (PDT), o IHOSP. Eu quero resultados, como exames e procedimentos. A Famurs (Federação dos Municípios do RS) revela que tem mais de 740 mil gaúchos aguardando cirurgias, exames e procedimentos. O SUS já revelou que temos quase 40 mil pessoas aguardando cirurgias aqui no Estado. Temos que ter capacidade gerencial, estou propondo uma regionalização efetiva, pensar as regiões olhando o que cada uma precisa. Tem a ideia de policlínicas, que não estou propondo construir, mas usar o que já tem, temos muitas estruturas ociosas hoje, para atender a média complexidade. Porque quando a média não é atendida, vira alta complexidade. Claro que a questão da saúde passa pela melhoria de recursos, caíram muito os recursos da União, chegamos a mais e R$ 900 milhões e acho que hoje é R$ 820 milhões. Nós temos que liderar esse debate nacional sobre o que aconteceu, porque já estamos colhendo os resultados. Quando tu vê aumentar a mortalidade infantil, a volta de doenças que já estavam erradicadas, é o primeiro sintoma de uma política nefasta. Ao invés de tocar naquilo que é central, como o capital financeiro, se tratou de fazer ajuste em cima da saúde e da educação. Isso é um anacronismo. Ninguém tem futuro sem saúde e educação.

Sul21: Falando de segurança pública. Nos primeiros anos, o atual governo enfrentou recorde de aposentadorias e teve um dos menores efetivos da história do RS. É possível resolver a situação da segurança sem aumentar o contingente? Como analisa essa questão?

Jairo Jorge: Teremos que fazer, de forma progressiva, o aumento do efetivo. Para ter uma ideia, no início do governo Alceu Collares (PDT, o último governo do partido no RS) eram 30 mil brigadianos. Fechamos 2017, chegamos a 15,8 mil. É muito pouco, aumentou a população em 25%, teríamos que ter 28 mil. A literatura internacional aponta 5 policiais militares para cada dois mil habitantes. Temos que aumentar a arrecadação e trazer o aumento de efetivo progressivamente. Enquanto isso, temos que investir em tecnologia: câmeras em todas as cidades, centrais de monitoramento regional, cerca eletrônica em estradas, leituras de placas, cercas eletrônicas em cidades maiores. Eu defendi isso em 2011, passou sete anos e não conseguiram fazer, embora exista no Brasil tecnologia. Como vamos combater o crime em Porto Alegre, na região metropolitana? Temos que ter dados. Onde ocorreram crimes ontem, anteontem, na semana passada, temos que ter patrulhamento em cima disso. Nova York fez isso em cima do Compustat, um sistema inteligente que dava informações. O chefe de polícia chegava todo dia, às 7h, com um briefing para a equipe dizendo onde tinham acontecido os crimes. Defendo também que, ainda que a gente tenha dificuldade de pessoal, é possível integrar mais, chamar as Guardas Municipais, criar uma nova governança. Minha proposta é que o governador crie um Conselho, onde ele é que vai liderar a segurança, pela gravidade do processo. Assim como na saúde, estamos tendo uma crise profunda, que provavelmente vai estourar no colo do próximo governador, o mesmo acontece com as facções. Nós temos que enfrentá-las, mas não pode ser apenas pela vontade, temos que ter inteligência, informação e uma nova governança, com esse Conselho, reunindo quatro órgãos (IGP, BM, Susepe e Polícia Civil). Proponho que, nesse Conselho, o governador chame também as 20 maiores cidades para pactuar.

Mais duas questões ainda são necessárias. É importante um trabalho com o jovem, quero um projeto para aquele jovem que saiu da escola, que abandonou, temos que trazê-lo e a educação tem a ver com isso. De outro lado, a última medida, é preciso um novo sistema prisional para o RS. Já temos o embrião de um sistema novo aqui em Canoas. Quando eu era prefeito, Alberto Koptikke era nosso secretário de segurança, fomos procurar a governadora Yeda Crusius (PSDB), doei 50 hectares ao Estado para fazer um complexo prisional diferente. Hoje, ele usa bloqueador de celular, não tem cantina, usa uniforme e tem trabalho e estudo. Não na intensidade que eu gostaria, mas tem, e ele tem a menor taxa de reincidência do RS. Lá as facções não têm o domínio, temos que ter capacidade de construir isso. Temos que construir as APACs, que é um sistema mais leve, mais interessante. E é preciso ampliar novos presídios. Minha proposta é criar uma empresa RS Investimentos, converter todo o patrimônio do Estado, se fala em mais de 8 mil terrenos, o ativo que não é para educação, saúde, passar para essa empresa e, a partir de permuta ou venda, reverter para essas obras.

“Quem está financiando a agricultura e a pecuária do RS é o Sicredi, por isso, ele teve lucratividade de R$ 2 bilhões e o Banrisul de R$ 1 bilhão” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: A agricultura é uma das principais atividades econômicas do Rio Grande do Sul. O que pensa, no seu plano de governo, para o pequeno agricultor e o agronegócio em geral?

Jairo Jorge: Temos que olhar e incentivar o tradicional, mas buscar o inovador. Tanto o agronegócio, quanto a agricultura familiar, hoje, precisam de produtividade. O que vai garantir sempre a renda. Claro que a agricultura em grande escala, tem diferença. O grande problema dos dois, hoje, é o licenciamento ambiental, que tem que ser mais célere, mas temos que enfrentar também o problema de logística. Hoje, o agricultor gasta em torno de 20% dos custos em logística. Nos Estados Unidos, gastam 8%. Quando a gente vende nossa soja, temos que ter muita competitividade para poder absorver esses 12%, o que nos prejudica, poderíamos arrecadar muito mais se enfrentássemos esse gargalo. Isso significa investimento em estradas, portos, aeroportos, estruturas, uma melhoria na logística do Estado. Temos que ter também capacidade de atrair empresas de biotecnologia. Isso vai ser muito importante. Empresas mais vinculadas ao campo, startups que produzem produtos e sistemas para ajudar a aumentar a produtividade no campo, melhorar matriz genética do nosso rebanho. Existem questões mais gerais que ajudam os dois, agora, a agricultura familiar tem questões que precisam muito do Estado. Com extensão rural e assistência técnica, apoio e financiamento – o Banrisul não investe efetivamente no CrediRural, só 7,5% foi investido nisso, enquanto no Sicredi é 43%. Quem está financiando a agricultura e a pecuária do RS é o Sicredi, por isso, ele teve lucratividade de R$ 2 bilhões e o Banrisul de R$ 1 bilhão. Temos que investir também na irrigação, energia, ajudar cadeias tradicionais, como a do leite, que está passando por muita dificuldade, onde perdemos 20 mil produtores no ano passado, porque o Estado olhou de camarote entrar leite do Uruguai. Um conjunto de medidas, seja para a pequena ou grande propriedade. Minha proposta é criar uma agência de inovação, incorporar toda a inteligência que foi afastada pelo atual governo, para que a gente possa trabalhar com as universidades, com as instituições, tendo uma política de Estado. Só vai melhorar renda da pequena propriedade, se tivermos excelência.

Sul21: Recentemente, vimos a polêmica do contrato de concessão da Triunfo-Concepa para a Free-Way. Ao mesmo tempo, a situação das estradas é uma das maiores reclamações dos gaúchos. Como o senhor pensa nessa questão? Voltam pedágios ou não?

Jairo Jorge: Nós geramos uma posição contrária aos pedágios, porque o modelo que foi feito na época do Antônio Britto (PMDB) era péssimo. Não quer dizer que ele não possa ser adequado, aliás, a Concepa tinha um bom modelo, fez investimentos, trabalhou bem, tanto que as pessoas estão sentindo falta. A gente não pode dar banho no bebê, guardar a água suja e jogar o bebê fora. Acredito sim que são possíveis as concessões, estou desenvolvendo com a minha equipe técnica, assim como parcerias, para poder fazer melhorias. Por exemplo, um programa de terceira pista seria muito importante, porque amplia a capacidade das rodovias. Ao mesmo tempo, duplicar as estradas, temos aí cinco lotes que podem ser colocados em prática, trechos importantes que têm estudos, só que governo passa e as coisas não acontecem. Estou propondo uma lei de incentivo à infraestrutura, um sistema novo, de maneira que a própria empresa utilize o ICMS, faça a obra, o Estado vai desenvolver o projeto, ver se é importante ou não, acompanhar a execução, se ela for 20% mais barata do que no setor público, vai ser validada. O setor privado vai fazer as obras e dar dinamismo, hoje, nós não conseguimos fazê-las. Eu fui a todas as 62 cidades sem asfalto. Tem algumas que tem 3,5 km esperando desde 1998. O governador levou um cheque-asfalto, que infelizmente estava sem fundo e até hoje nada foi feito. Santa Catarina, em 12 anos, eles asfaltaram todos os acessos. Nós vamos protelando, protelando, é preciso investir.

Sul21: Até pouco tempo o senhor era do PT, ano passado trocou para o PDT. Por que essa escolha?

Jairo Jorge: Eu respeito muito o PT, ele tem uma grande contribuição para democratização do país. Eu escolhi um partido que tem mais afinidade com as minhas ideias. Eu não mudei minhas ideias, continuo tendo as mesmas, mas havia um desconforto de alguns setores do PT com ideias que eu tinha, com ações da minha administração. Tomei uma decisão madura, pensada, em nenhum momento critiquei o PT, respeito e espero que reencontre o seu caminho, sua história. Mas, eu escolhi um partido que acredito que pode capitalizar a esperança nesse momento, de uma esquerda que busque pluralidade, princípios democráticos importantes. A própria questão da educação, eu sempre tive muita identidade com esse tema. Venho de uma família humilde, sou o primeiro na minha família a chegar na faculdade e só fiz isso porque tive uma universidade pública. Cheguei onde cheguei hoje, graças à educação. O fato de eu ter estado no ministério da Educação me ajudou muito, fui pró-reitor da Ulbra, tudo isso firmou meus vínculos com a educação e o PDT tem essa marca forte.

“O problema não é ter processo. Todos os prefeitos que foram ousados, inovadores têm processo. O medíocre não tem processo nenhum. A questão é se tu tem explicações convincentes para eles e se tu tem condenações” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Recentemente, uma decisão judicial determinou o bloqueio dos seus bens. O senhor acha que isso e outros processos podem atrapalhar na campanha?

Jairo Jorge: O problema não é ter processo. Todos os prefeitos que foram ousados, inovadores têm processo. O medíocre não tem processo nenhum. A questão é se tu tem explicações convincentes para eles e se tu tem condenações. Eu não tenho nenhuma condenação. Esse processo que tu estás te referindo, é relativo ao fim das filas. O promotor entendeu que é mais democrático ter filas, onde as pessoas esperavam 12 horas, das 20h às 8h. Ele ingressou com uma ação, o juiz da primeira instância entendeu que havia serviço e foi feito serviço, não aceitou os argumentos, mas a desembargadora sim, que eu respeito, mas que não me ouviu. Eu vou encaminhar os argumentos para ela, tenho convicção que à luz dos meus argumentos, o colegiado vai ver que não há nenhum dolo. De uma forma bem objetiva, em 2010, o governo do Estado cedeu um software de regulação de consultas especializadas para os municípios de maior porte. Pelotas fez uma licitação, o Estado utilizou esse software chamado Aros, passou para Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas. Nós contratamos uma empresa para implantar aqui. Com esse sistema que ganhamos de graça do governo estadual, eu tinha já a ideia do teleagendamento, chamei a empresa e desenvolvemos um novo sistema. Como eu ia licitar algo inédito, que não existe? A partir da experiência de Canoas, que foi lançada em setembro de 2011 e até 2016 marcou mais de dois milhões de consultas, sem ninguém ir pra fila, já havia 40 cidades no Brasil adotando esse sistema e outras empresas surgindo. O mercado se desenvolveu graças à uma política inovadora, que eu desenvolvi e deu certo. Às vezes, um prefeito inovador acaba pagando um preço.

Além do mais, existe aqui um advogado, oponente político, que foi secretário da gestão anterior, e sua esposa, que é uma alta dirigente da atual administração, que entraram com mais de 20 processos contra mim. As mesmas pessoas. Já ganhei todos os processos, inclusive, com ele condenado em primeira instância a litigância de má fé. Eu tenho 33 anos de vida pública, não tenho nenhum processo por corrupção. Todas essas questões são por inovação, por políticas novas. Ou por causa do uniforme, porque eu fiz atas de registro de preço. Eu busquei atas de registro de preço, porque a licitação foi com disputa jurídica, levou meses para ser desenvolvida. Se eu não desse uniforme para as crianças, eu estaria certo, então? O Tribunal de Contas do Estado disse que havia superfaturamento de R$ 3 milhões, só que eu gastei R$ 2 milhões. Como o superfaturamento pode ser maior que o faturamento? Depois o Tribunal me absolveu, porque quando a conselheira foi julgar viu que estava errado, mas isso volta agora, porque uma promotora requenta. Eu acho que a população sabe separar o joio do trigo, o que é corrupção, o que é improbidade. Na semana passada, ganhei uma ação de uma promotora que me acionou por improbidade, porque uma senhora tinha num apartamento 100 cachorros, ela pediu que eu tirasse. Minha equipe foi lá, convenceu ela, ela se mudou para uma casa e ficou com 5 cachorros. A promotora entrou com a ação porque eu não tirei todos os cachorros. Semana passada, fui inocentado. Esse é o paradoxo, esses abusos temos que rever. Ganhei primeiro na criminal, porque ela me acionou criminalmente, por não obedecer o que ela queria. Embora eu tenha promovido a castração de 8 mil animais, construído um centro de bem-estar animal, nada disso era suficiente, só porque eu não tirei os 5 cachorros.

“Soluções inovadoras, não adianta fazer mais do mesmo, é preciso novos caminhos, novas soluções, para que o Rio Grande do Sul recupere seu desenvolvimento. Acredito que os gaúchos querem uma mudança segura” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: Por que o senhor decidiu ser candidato a governador?

Jairo Jorge: Eu quero ser governador para fazer diferente. Eu quero ser governador para transformar vidas. Penso que, hoje, o sonho dos gaúchos é que nosso Estado volte a ser grande, volte a ser pujante. Eu percorri todos os 497 municípios do RS, tive oportunidade de conversar com milhares de gaúchos, para me conectar, ouvir, buscar soluções para o nosso Estado. Eu acredito, sim, que ele tem solução. Soluções inovadoras, não adianta fazer mais do mesmo, é preciso novos caminhos, novas soluções, para que o Rio Grande do Sul recupere seu desenvolvimento. Acredito que os gaúchos querem uma mudança segura. As coisas positivas eu vou manter, mas aquilo que está errado, o desrespeito, a forma como está sendo hoje tratado o servidor público, a professora, o brigadiano, o policial civil, isso não leva a lugar nenhum. Eu quero me conectar com a inteligência do Estado, que são os servidores públicos. Acho que o caminho é um grande pacto com a inteligência, para a transformação e a mudança.

Sul21: Qual a primeira medida que o senhor pretende adotar, caso seja eleito?

Jairo Jorge: A primeira medida que eu vou adotar é a criação de uma mesa de diálogo. Eu quero, efetivamente, uma ponte com nossos servidores, com aqueles que representam a esperança do futuro e, ao mesmo tempo, do presente do nosso estado. O que eu chamo dessa inteligência que o Estado tem. A mudança profunda vem de baixo para cima, não é algo que vem de fora, mas que nasce na máquina pública. Eu quero me conectar com essa inteligência do Estado, que são os servidores públicos, por isso, a mesa de diálogo será a primeira decisão. Junto com isso, vamos reestruturar a máquina pública, para ela ser mais eficiente, valorizando o servidor, as estruturas, tornando elas mais ágeis, com três níveis hierárquicos, vamos fazer um conjunto de medidas para desburocratizar e reduzir a carga tributária. Tudo isso tem que acontecer imediatamente, com os primeiros atos do governo. Mas o primeiro ato será a implantação da mesa de diálogo, onde o governador vai negociar com todos os servidores. Não o terceiro, nem o quarto escalão, mas o próprio governador, para criar essa convergência absolutamente necessária para o Rio Grande do Sul superar essa crise profunda que ele está vivendo.


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