Entrevistas|z_Areazero
|
19 de março de 2018
|
10:53

James Green: É evidente que o Brasil não vive um momento democrático. Crise tende a se aprofundar

Por
Sul 21
[email protected]
James Green é professor de História da América Latina na Brown University e promove todos os anos um curso sobre a história da ditadura militar brasileira. (Foto: Reprodução/Facebook)

Marco Weissheimer

Em 1973, o historiador James Green assinou uma carta em apoio ao Bertrand Russell Tribunal (ver original abaixo), um tribunal internacional que estava denunciando a tortura cometida por agentes da ditadura no Brasil. O destino e, principalmente, a fragilidade da democracia brasileira, fizeram com que, mais de 44 anos depois, organizasse um manifesto de professores de algumas das mais importantes universidades dos Estados Unidos para repudiar a tentativa do governo Temer de intervir na autonomia das universidades brasileiras. “Participo do movimento transnacional de solidariedade com Brasil faz 44 anos. Não é a primeira vez que ajudo a mobilizar a opinião pública internacional para defender direitos humanos no Brasil”, assinala.

Historiador especializado em estudos latino-americanos, brasilianista e ativista dos direitos LGBT, James Green viveu no Brasil entre 1976 e 1982, trabalhando como professor de inglês e ajudando a organizar o movimento homossexual no país. Hoje, é professor de História da América Latina na Brown University, onde, entre outras atividades, promove um seminário todos os anos sobre a história da ditadura militar brasileira. “Jamais o reitor da minha universidade violaria o meu direito de organizar e ensinar o curso baseado na minha leitura histórica do passado”, diz Green, lembrando as ameaças feitas pelo governo de Michel Temer contra Luis Felipe Miguel, professor de Ciência Política, da Universidade de Brasília UnB), que tomou a iniciativa de organizar um seminário sobre o golpe de 2016.

Loader Loading...
EAD Logo Taking too long?

Reload Reload document
| Open Open in new tab

Download

Em entrevista concedida por e-mail ao Sul21, James Green fala com preocupação sobre a situação política brasileira. O historiador lembra que, nos 517 anos de história do Brasil só houve 43 anos de democracia, o que ajuda a entender os problemas vividos no presente. Para ele, a impunidade dos crimes cometidos pela ditadura representa um ponto crucial para entender episódios como o assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro. “Essa impunidade permite que, hoje em dia, os agentes do Estado possam seguir matando indiscriminadamente pessoas pobres e negras. Sabem que não vai acontecer nada”, diz. E acrescenta: “o assassinato de uma líder popular é apenas um de muitos exemplos da violência incentivada pelo Estado contra a oposição”.

James Green afirma ainda que é evidente que o Brasil não vive um momento democrático e avalia que a polarização política atual talvez seja pior do que a vivida em 1964. Ele não é muito otimista em relação ao futuro próximo: “Infelizmente, acho que a crise no Brasil tende a se aprofundar”.

Sul21: O assassinato da vereadora do PSOL, Marielle Franco, e de seu motorista na noite do dia 14 de março, é um símbolo dramático da escalada de violência política e social que vive o Brasil. Para onde estamos caminhando, na sua opinião?

James Green: Para mim, a violência política tem quatro origens. Uma é histórica e totalmente relacionada à violência social e cultural, que é um resultado dos legados da escravidão, combinada com as hierarquias socioeconômicas embutidas na sociedade brasileira desde a época colonial. Poderia dizer que existem origens parecidas na violência contra os negros nos Estados Unidos por conta de um legado semelhante. A idéia do que as pessoas mais pobres têm um valor humano diferenciado e inferior permite que a polícia possa matar com impunidade e faz com que as classes médias e as elites consigam justificar esta violência do Estado.

“Hoje, o governo insiste que o Brasil ainda vive um momento democrático quando fica evidente que não é o caso”. (Foto: Reprodução/Facebook)

Com a anistia dos torturadores em 1979, não houve um processo democrático de apuração dos culpados dentro das forças armadas e das polícias, envolvendo os elementos corruptos e os que cometeram graves violações dos direitos humanos. Essa impunidade permite que, hoje em dia, os agentes do Estado possam seguir matando indiscriminadamente pessoas pobres e negras. Sabem que não vai acontecer nada. Além disso, o tráfico de drogas, que oferece uma receita muito superior ao emprego onde a pessoa ganha um salário mínimo, criou uma economia de dependência a ele, alimentando disputas sobre o seu controle e aumentando a violência nas cidades.

Também houve uma polarização política no Brasil, que talvez seja pior do que a polarização de 1963 e 1964, na qual pessoas defendem e justificam as medidas do exército e da polícia em nome do combate à violência. Na verdade, esse discurso esconde uma profunda ansiedade com as transformações relativamente moderadas dos governos de Lula e Dilma que, mesmo assim, são consideradas ameaçadoras pelas elites e setores das classes médias. Infelizmente, acho que a crise no Brasil tende a se aprofundar.

Sul21Alguns historiadores traçam um paralelo entre o que está acontecendo hoje no Brasil com a ditadura implantada pelo golpe de 64, enxergando um processo gradual de recrudescimento da repressão. O que aquele período (pós-64) pode nos dizer sobre o que está acontecendo hoje no Brasil?

James Green: Uma das características dos militares que tomaram o poder em 1964 foi a de manter uma fachada democrática. Justificaram o golpe dizendo que o Brasil estava à beira de uma ditadura da esquerda e assumiram o poder para implementar uma ditadura da direita. Porém, as forças armadas tinham que justificar as suas medidas, especialmente com as classes médias, insistindo que estavam defendendo a democracia e, por isso, os generais mantiveram eleições relativamente democráticas para governadores em 1965. Quando setores moderados da oposição ganharam em Minas e Guanabara, o governo eliminou os partidos políticos tradicionais e começou a restringir cada vez mais a situação interna. Depois das mobilizações de 1968, fecharam o Congresso, implementaram medidas draconianas, sempre mudando os regras do jogo para manter-se no poder. Durante todo este tempo estavam muito preocupados com a sua imagem internacional.

“Itamaraty mandou orientações para os embaixadores para tentar mediar a imagem negativa associada ao Brasil com o assassinato de Marielle Franco”. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Hoje, o governo insiste que o Brasil ainda vive um momento democrático quando fica evidente que não é o caso. Esta semana o Itamaraty mandou orientações para os embaixadores para tentar mediar a imagem negativa associada ao Brasil com o assassinato de Marielle Franco. O governo de Temer está muito preocupado com a maneira pela qual a comunidade internacional está olhando para o Brasil. Mas, em vez de reconhecer que forças de dentro da polícia parecem ser responsáveis por este crime, defensores do governo jogam a culpa em traficantes e criminosos. O assassinato de uma líder popular é apenas um de muitos exemplos da violência incentivada pelo Estado contra a oposição.

Sul21: Você organizou um manifesto de professores de algumas das mais importantes universidades dos Estados Unidos para repudiar a tentativa do governo Temer de intervir na autonomia das universidades brasileiras, lembrando o que aconteceu na ditadura. Poderia contar como foi a iniciativa de organizar esse manifesto?

James Green: Engraçado. Justamente hoje recebi um documento de um pesquisador americano que encontrou uma carta que eu escrevi em 1973 dando apoio ao Bertrand Russell Tribunal on Repression in Brazil, um tribunal internacional que estava denunciando a tortura no Brasil. Ou seja, participo do movimento transnacional de solidariedade com Brasil faz 44 anos. Não é a primeira vez que ajudo a mobilizar a opinião pública internacional para defender direitos humanos no Brasil.

No caso do professor Luis Felipe Miguel da Universidade de Brasília, recebi as notícias sobre este ataque à autonomia universitária e à liberdade acadêmica e imediatamente contatei Bryan McCann, professor titular de história do Brasil na Georgetown University e Presidente da Associação de Estudos Brasileiros (BRASA). Ele emitiu uma declaração denunciando as violações dos direitos acadêmicos fundamentais. Também mobilizei uma rede de colegas, a maioria deles estudiosos do Brasil, para divulgar um abaixo-assinado, repudiando esta tentativa do ministro de Educação de interferir nas salas de aula das  universidades brasileiras.

Como parte do programa de Estudos Brasileiros na Brown University ensino um seminário todos os anos sobre a história da ditadura militar brasileira e jamais o reitor da minha universidade violaria o meu direito de organizar e ensinar o curso baseado na minha leitura histórica do passado. Mas parece que, no Brasil, o ministro de Educação quer impor uma orientação sobre uma única maneira de entender a história recente do país. Imagino que amanhã ele possa emitir uma orientação dizendo que os professores têm que chamar o período de 1964 a 85 a “Revolução de 1964,” ou seja, obrigar os professores a usar a linguagem das forças armadas, em vez de dizer que foi um golpe de estado que derrubou o governo legítimo de João Goulart.

Em 2017, James Green acompanhou Dilma Rousseff em uma turne por nove universidades da costa leste dos EUA. (Foto: Reprodução/Facebook)

Em 1964, os militares (e o embaixador norte-americano Lincoln Gordon) insistiram que Goulart foi legalmente removido do poder porque ele tinha abandonado o país. Hoje em dia há um consenso entre historiadores brasileiros e de outros países que 1964 foi um golpe.  Acho que há uma corrente grande de historiadores hoje em dia que pensam que o impeachment de Dilma Rousseff também foi um golpe, e eles têm todo o direito de usar esta análise quando oferecem um curso sobre este assunto.

A resposta da comunidade acadêmica internacional foi clara em condenar a postura anti-democrática do ministro de Educação. Infelizmente, políticos de outros estados estão tentando violar os direitos acadêmicos e a autonomia universitária de outros professores que querem ensinar um curso parecido.

Sul21: Muita gente acreditava que a democracia estava finalmente se consolidando no Brasil até que veio o golpe de 2016, vestido com outra roupagem. Como entender essa fragilidade da democracia no Brasil? A sociedade brasileira parece disposta a abrir mão dela muito facilmente?

James Green: Se pensarmos bem, o Brasil somente teve uma democracia em dois momentos na sua história. Houve 18 anos de democracia relativa entre 1946 e 1964, porém os analfabetos estavam excluídos deste processo, ou seja milhões de camponeses e trabalhadores que produziram as riquezas do país. E depois da ditadura, houve 25 anos de participação popular no processo eleitoral até 2014, quando Dilma foi reeleita. Ou seja na história do Brasil houve 43 anos de democracia e 474 anos onde as elites ou os militares dominaram o poder Executivo. São poucos anos para construir uma democracia forte.

A corrupção, por exemplo, tem uma tradição de 518 anos, e está totalmente entrelaçada com o sistema político. Recentemente, o Judiciário, tendenciosamente, quis atacar a corrupção entre as forças das esquerdas, sem tocar na corrupção, senão simbolicamente, envolvendo as forças do centro e da direita. O Judiciário de modo geral apoiou a ditadura militar e todas as suas medidas anti-democráticas daquele período. Não é uma surpresa, portanto, a sua atuação hoje em dia.

Sul21: A partir dos desdobramentos da Operação Lava Jato, do cerco ao ex-presidente Lula e da destruição de setores estratégicos da economia nacional, cresce a percepção, na esquerda brasileira, que o processo do golpe tem influências externas, em especial dos Estados Unidos. Qual sua opinião sobre isso?

James Green: Eu não tenho dúvida que setores econômicos e instituições dentro do governo americano ajudaram e fortaleceram as forças no Brasil que estão perseguindo as esquerdas e deixando a direita em paz. Porém, é um pouco ingênuo e paternalista pensar que os brasileiros não são capazes de fazerem tudo isso sozinhos como se fosse necessário receber ordens ou instruções de fora para poder perseguir, prender e até matar a sua oposição.

Sul21: A ofensiva conservadora que temos hoje no Brasil também se manifesta em outros países da América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Quais são, na sua avaliação, algumas das principais causas desse avanço  conservador?

James Green: A globalização e o fortalecimento de certos setores da economia mundial têm criado uma série de problemas econômicos e sociais tanto na América Latina quanto nos Estados Unidos e na Europa. O deslocamento de milhões de refugiados, a pobreza e miséria em muitos partes do mundo, as ansiedades e, às vezes, a precariedade de setores das classes médias e no caso da Europa e os Estados Unidos de setores da classe trabalhadora, abriram um grande espaço para um tipo de populismo da direita, combinado com uma agenda conservadora cultural de setores religiosas, que forma uma base importante dos movimentos de direita nos Estados Unidos e na Europa.

Em cada país, seja Turquia, Rússia, Síria, Israel, Argentina, Chile ou Hungria, os detalhes, os atores e as razões são relacionadas à condições específicas, mas as tendências são muito parecidas. Realmente é quase impossível explicar as complexidades do surgimento da direita em nível internacional com uma resposta curta, mas é muito preocupante. As esquerdas não conseguiram responder a muito destes problemas e ficaram enfraquecidas. Estamos passando por um tempo muito difícil internacionalmente.

 

 

 

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora