Entrevistas|z_Areazero
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28 de novembro de 2016
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09:55

“Não há espaço para intolerância e cultura do ódio dentro da UFRGS”, diz reitor

Por
Sul 21
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Rui Oppermann: "É inadmissível que, na universidade, se reproduzam esses padrões de intolerância que, infelizmente, estão ocorrendo na sociedade”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Rui Oppermann: “É inadmissível que, na universidade, se reproduzam esses padrões de intolerância que, infelizmente, estão ocorrendo na sociedade”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

O professor Rui Vicente Oppermann assumiu, no final de setembro, a reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em meio a um ambiente de instabilidade política, social e econômica, em nível nacional, que se manifesta também no âmbito da vida acadêmica. As ameaças ao financiamento da universidade, por projetos como a PEC 55, e à autonomia universitária, por propostas como a da Escola sem Partido, geraram uma forte reação entre os estudantes que iniciaram um movimento de ocupações na UFRGS e em universidades de todo o país. Em entrevista ao Sul21, Rui Oppermann fala sobre esse movimento, relata as pressões que está sofrendo para tomar medidas contra as ocupações e critica a ação de grupos que promovem ações de intolerância racial e de gênero e práticas de assedio sexual dentro da universidade.

“É inadmissível que, na universidade, se reproduzam esses padrões de intolerância que, infelizmente, estão ocorrendo na sociedade”, diz Oppermann, citando o que ocorreu este ano no Campus do Vale, onde um grupo de estudantes encheu alguns banheiros com adesivos ofensivos a mulheres e gays. O reitor também fala sobre o caso do estudante indígena agredido em frente à Casa de Estudante e garante que o processo está andando e não será afogado pela burocracia.

Sul21: Em que medida a grande instabilidade política e social que o país está vivendo afeta a universidade pública e, de modo mais particular, a UFRGS?

Rui Oppermann: Nossa preocupação central é com a questão do financiamento da universidade. Pelo menos por enquanto não há nenhuma contestação quanto à natureza pública das universidades federais, que é uma garantia constitucional. As universidades têm um orçamento próprio que é originário do Tesouro Nacional. Desde 2014, estamos passando por contingenciamentos muito significativos, especialmente nas verbas de capital. Começou com uma redução que variou entre 40 e 47%, com proibição de novas obras. Isso tem se mantido, o que nos coloca na seguinte perspectiva: a universidade vai manter as obras que têm em andamento, mas vai aguardar uma sinalização de novos recursos de capital antes de iniciar novas obras.

Nós temos recursos garantidos para continuar a construção do novo prédio do Instituto de Ciências Básicas da Saúde, na esquina da Ramiro Barcelos com a Ipiranga, que é uma obra fundamental para nós, pois vai nos liberar o prédio da antiga Medicina para outras atividades no Campus Central. Mas nós temos projetos de obras que não estão nessa mesma situação, como é o caso da Biblioteca do Campus do Vale, que pretendemos construir nos próximos quatro anos. O projeto está pronto e prevê a construção de um prédio de dez andares, com espaços de estudo e de encontro. É um projeto que vai mudar a vida do Campus do Vale. Temos também o plano de expansão do Campus Litoral, que também necessita de recursos.

"A grande preocupação para 2017 é o custeio, o pagamento de pessoal, manutenção e a assistência estudantil". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“A grande preocupação para 2017 é o custeio, o pagamento de pessoal, manutenção e a assistência estudantil”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Sul21: Qual é o orçamento atual da UFRGS e o que esse contingenciamento representou em termos de perda de recursos?

Rui Oppermann: O orçamento atual da universidade está um pouco acima de R$ 1,5 bilhão. A maior parte desses recursos é destinada a pagamento de pessoal, entre ativos e inativos. A universidade também produz recursos próprios, mas eles também estão sujeitos a contingenciamento por parte do Tesouro. Nós esperamos uma sinalização em termos de liberação de recursos antes de iniciar qualquer obra nova. A velocidade desses novos projetos não se dará no ritmo do Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), até porque essa política já terminou. A grande preocupação para 2017 é o custeio, o pagamento de pessoal, manutenção e a assistência estudantil.

A assistência estudantil é um capítulo a parte. O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) tem uma verba própria, não vem como verba do Tesouro para a universidade. Até 2014, não tivemos nenhuma redução, muito pelo contrário, houve um crescimento acima da inflação. Esse crescimento foi baseado no raciocínio de que, com o crescimento das cotas, a demanda por recursos de assistência estudantil aumentaria, o que de fato ocorreu e deve prosseguir nos próximos anos. Para nós é muito importante que o PNAES se mantenha nos níveis necessários. Para 2017, o governo federal está sinalizando com uma redução de aproximadamente 6% também no PNAES, o que é muito preocupante, pois esse recurso é aplicado diretamente na manutenção dos nossos alunos. Nós vamos buscar, junto à bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, emendas parlamentares que possam cobrir essa perda. Precisaremos buscar fontes alternativas de recursos pois a redução orçamentária é grande e com a PEC 55 essa situação pode ficar ainda pior.

Se essa PEC for aprovada, nós teremos uma nova lógica para o orçamento. O critério será o orçamento do ano anterior com a correção da inflação do ano anterior. Estaremos sempre correndo atrás. Isso incidirá diretamente, por exemplo, sobre o nosso custeio. Se tomarmos só o caso das terceirizadas, os dissídios salariais e as correções normais do mundo do trabalho não obedecem a essa lógica da inflação retroativa. Ou seja, os custos desses serviços vão aumentar mais do que a nossa capacidade de investimento. Vamos ver o que vai acontecer.

"Em 2014, nós reunimos o comitê gestor da universidade e fizemos um realinhamento de todo custeio". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Em 2014, nós reunimos o comitê gestor da universidade e fizemos um realinhamento de todo custeio”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Sul21: Já houve algum contato do Ministério da Educação desse novo governo com os reitores das universidades federais para tratar dessa questão?

Rui Oppermann: O Projeto de Lei Orçamentário foi apresentado e construído pela Andifes (Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) com o MEC. A proposta da Andifes não foi contemplada pelo MEC. Em função disso, os reitores foram ao Congresso Nacional para fazer uma correção da inflação do ano mais o crescimento vegetativo da universidade. Isso não foi aceito pelo governo, mas nós estamos tentando incluir dentro da lei orçamentária que está em discussão no Congresso. Nós já temos uma sinalização da Comissão de Orçamento, no Congresso, da aprovação de uma suplementação orçamentária chamada de “suplementação Andifes”. Esses recursos suplementares, geralmente, vêm para custeio. Daí poderemos conseguir alguns recursos. Do orçamento, eles não virão.

Nós estamos nos preparando para essa nova realidade. Em 2014, nós reunimos o comitê gestor da universidade e fizemos um realinhamento de todo custeio. Isso nos permitiu chegar ao final de 2014 e de 2015 com o nível de endividamento histórico da universidade. Para este ano estamos aguardando a concretização de um anúncio feito pelo MEC sobre a liberação de alguns recursos extraordinários para a redução dos itens obrigatórios da nossa dívida de custeio. Se isso acontecer, nós passaremos de 2016 para 2017 com um patamar um pouco maior de dívida, mas ainda administrável.

Sul21: Assim como está ocorrendo em outras universidades do país, a UFRGS vive um processo de ocupações estudantis contra a PEC 241, agora PEC 55 no Senado. Como o senhor está acompanhando esse movimento e qual sua opinião sobre ele?

Rui Oppermann: Em primeiro lugar, é importante destacar que o movimento das ocupações estudantis é nacional, tem uma lógica, um fundamento e uma organização nacional. O que está acontecendo na UFRGS está acontecendo, com maior ou menor intensidade, em todas as universidades federais e também nos institutos federais de ensino. A pauta desse movimento também nacional e está baseada em três pontos: contra a PEC 55, contra a medida provisória do ensino médio e contra o projeto da Escola sem Partido, que nós chamamos de Lei da Mordaça. Essa pauta ganhou uma adesão muito grande em toda a comunidade universitária, não só entre os estudantes. O Conselho Universitário fez moções contrárias a PEC. A própria universidade fez um estudo sobre o impacto da PEC no nosso orçamento e sobre os riscos que essa proposta impõe à universidade.

"A reintegração de posse não está na nossa agenda". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“A reintegração de posse não está na nossa agenda”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

A estratégia das ocupações estudantis não é um fenômeno apenas brasileiro, já tendo sido adotada no Chile, na Espanha e em outros lugares. É uma estratégia muito organizada e disciplinada, com um certo grau de independência que varia de ocupação para ocupação. Neste momento, temos um numero muito grande de unidades ocupadas. Em duas delas, as ocupações já foram suspensas – na Faculdade de Ciências Econômicas e no Campus Litoral Norte -, mas prossegue a mobilização, especialmente contra a PEC 55. Os movimentos de ocupação têm essa pauta mas enfrentam uma limitação quanto à sua capacidade de negociação, dada a dimensão nacional da questão da PEC. Nós temos uma agenda contrária a PEC, mas eu imagino que, após a primeira votação, agora no dia 29 de novembro, com a provável aprovação dessa proposta, muitos desses movimentos vão reconsiderar a permanência das ocupações.

A ocupação impõe uma série de sacrifícios e preocupações a quem está ocupando que precisar cuidar de questões que vão da alimentação à segurança da área. As ocupações, tanto quanto eu entendo, não podem durar muito tempo porque elas começam a enfrentar o problema do cotidiano. Pelo menos é o que eu li sobre as ocupações que ocorreram no Chile e na Espanha. Acho que este momento está chegando até porque vai ocorrer a votação da PEC no Senado. Por outro lado, também sabemos que há uma reação contra as ocupações. Esses movimentos de reação ocorrem com maior ou menor intensidade, dependendo da universidade. Aqui na UFRGS até não há um movimento organizado muito grande, mas eles já impetraram quatro ações judiciais contra as ocupações.

Sul21: O senhor parece estar sendo muito pressionado judicialmente a pedir a reintegração de posse das unidades ocupadas…

Rui Oppermann: Sim, são quatro ações judiciais pedindo s desocupação. A mais antiga delas é um mandado de segurança com uma liminar que não foi dada pela juíza que solicitou informações à reitoria da universidade. Nós enviamos essas informações hoje (sexta-feira) para ela. De posse dessas informações, a juíza vai dar ou cassar essa liminar. A nossa expectativa é que ela casse a liminar. Nós entendemos que estamos na construção de um diálogo interno fundamentado na própria autonomia da universidade que é capaz de encaminhar a solução de seus problemas. Para nós, essa situação é uma oportunidade para a nossa capacidade de solucionar problemas. A reintegração de posse não está na nossa agenda neste momento até porque achamos que estamos próximos de uma solução construída, o que também não deixa de ser uma experiência didática para todos.

Sul21: Essas quatro ações se referem a unidades específicas ou pedem a reintegração de posse conjunta de todos os espaços ocupados?

Rui Oppermann: Uma delas dizia respeito a uma unidade específica, mas foi cassada preliminarmente porque não tinha nenhum fundamento. As outras são gerais. Uma delas esqueceu o Campus Litoral Norte. Acho que não se deram conta de que ele existe. As outras duas correm uma no Ministério Público e outra na Justiça Federal instando o reitor a fazer as reintegrações de posse em toda a universidade.

"Essas denúncias sobre manifestantes armados realmente ocorreram e a nossa segurança foi mobilizada por conta disso". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Essas denúncias sobre manifestantes armados realmente ocorreram e a nossa segurança foi mobilizada por conta disso”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Sul21: Neste processo das ocupações têm surgido relatos de ações de intimidação e provocação aos estudantes que participam das ocupações que estariam sendo realizadas por estudantes ligados ao Movimento Brasil Livre (MBL). Há relatos, inclusive, sobre um estudante que andaria armado. Como a reitoria está acompanhando essa situação?

Rui Oppermann: Há alguns dias houve uma manifestação aqui embaixo, na entrada da Reitoria, de um grupo contra as ocupações, que contou inclusive com a participação de Kim Kataguiri. Eu vi um vídeo gravado pela nossa segurança e, pelo que aparece neste vídeo, foi uma manifestação organizada e ordeira, com gritos de palavras de ordem, etc. Margeando a manifestação deles estavam estudantes que participam de ocupações aqui no Campus Central. Houve uma disputa de palavras de ordem, mas não houve nenhuma agressão ou violência de ambas as partes. Uma ação enseja uma reação. Eu não posso condenar um grupo que vem aqui cobrar uma posição do reitor sobre as ocupações. Quando a gente diz que a universidade tem autonomia, essa autonomia envolve trabalhar com as diferentes correntes de opinião que existem dentro dela.

O que nós não podemos tolerar é a violência. Essas denúncias sobre manifestantes armados realmente ocorreram e a nossa segurança foi mobilizada por conta disso. Mas quando os seguranças chegaram essa pessoa já não estava mais lá. A gente sabe da existência de alguns radicais de direita, “bolsonaristas”, que funcionam como agentes provocadores. Mas eles não têm tido uma grande influência neste processo das ocupações. Isso não significa dizer que não é um problema. É um problema, sim. Um destes elementos já foi preso pela nossa segurança quando estava armado aqui dentro do Campus Central e conduzido para as autoridades competentes. Agora, ele está de volta por aí, mas estamos atentos.

Nós aceitamos os contraditórios, mas há um limite para isso. Há outro limite que me preocupa muito. Nesta última semana, por três vezes foram queimados pneus no entorno da universidade. Nós temos uma tradição na universidade segundo a qual a força policial não entra no Campus a não ser que a sua presença seja solicitada. Isso faz parte da história da UFRGS. O Campus da UFRGS é um território autônomo e, durante o período em que estou aqui, nunca houve uma invasão por parte da Brigada Militar e muito menos pela Polícia Federal. Eu gostaria que isso fosse preservado. Agora, queimar pneus em via pública é um crime e isso pode gerar a perseguição de quem está cometendo esse ato, inclusive dentro do Campus. Repito, eu gostaria que isso não acontecesse. A queima de pneus não faz parte do nosso processo de protestos. Não há razão para fazer isso. O Campus está aberto. Acredito que é uma minoria que está fazendo isso, mas ela pode colocar em risco a própria autoridade da ocupação enquanto movimento pacífico.

Sul21: A Reitoria encaminhou há algumas semanas uma correspondência para a Brigada Militar sobre uma ação da força policial, com emprego de bombas de gás inclusive, que acabou atingindo a área do Campus Central. Como ficou essa questão? Além da correspondência, houve alguma conversa com o comando da Brigada?

Rui Oppermann: Não comigo. Houve uma conversa do comando da Brigada com o nosso diretor de segurança. Foi uma conversa muito clara onde nós dissemos que não vamos fechar o Campus. Nós esperamos que a Brigada Militar entenda isso e que mantenhamos a nossa boa relação. Temos uma relação histórica que não se limita à prestação de serviços, envolvendo também cursos de qualificação e capacitação. Temos muitos oficiais da Brigada que são mestres e doutores na UFRGS.

"Houve uma conversa do comando da Brigada com o nosso diretor de segurança. Foi uma conversa muito clara onde nós dissemos que não vamos fechar o Campus". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Houve uma conversa do comando da Brigada com o nosso diretor de segurança. Foi uma conversa muito clara onde nós dissemos que não vamos fechar o Campus”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Essa carta foi motivada por uma denúncia de que uma bomba havia sido jogada dentro do Campus. Eu vi o vídeo desse episódio e realmente não foi “sem querer”. A bomba foi lançada e caiu dentro do Campus. Isso não pode.

Sul21: E naquele dia não havia nenhum pneu sendo queimado em frente ao Campus…

Rui Oppermann: Exatamente. Não tinha. Foi uma exacerbação. Eu ouvi o secretário de Segurança dizendo que mudou o protocolo para lidar com bloqueios de trânsito por manifestações, que a ação da Brigada passaria a ser mais rigorosa. Mas isso não inclui o Campus da universidade. Eu imagino que essa longa tradição entre a UFRGS e a Brigada seja preservada.

Sul21: Já há algum tempo vem se falando do crescimento de uma cultura de ódio na sociedade brasileira, com manifestações racistas, machistas, homofóbicas e de outros formas de preconceito. Há várias denúncias, na UFRGS e em outras universidades, sobre a presença dessas manifestações dentro do ambiente da universidade. Como o senhor encara essa questão e até que ponto ela o preocupa?

Rui Oppermann: Preocupa muito. Ainda como vice-reitor, participei de um debate sobre intolerância de gênero e homofobia, promovido pela deputada Manuela D’Ávila aqui na sala Corpo Santo. Fiquei muito impressionado com os relatos sobre intolerância racial e de gênero e sobre o assedio sexual dentro da universidade. Perguntei a uma das mulheres que estava participando do debate por que não era feita denúncia desses casos à Ouvidoria ou ao núcleo disciplinar da universidade. A resposta foi: é porque as pessoas têm medo. No dia seguinte a esse debate conversei com o então reitor, professor Carlos Alexandre Neto e decidimos organizar um comitê contra a intolerância na UFRGS. Trata-se de um espaço muito interessante, que conta com a participação de professores, técnicos e estudantes e está trabalhando em paralelo com a ouvidoria e com o nosso núcleo disciplinar.

Essas questões envolvendo intolerância têm que ser tratadas de uma forma diferente do que um roubo ou outro tipo de infração legal que um servidor ou um estudante possa cometer. O comitê é um espaço para receber esses relatos, mantendo sob sigilo a identidade das vítimas. Além disso, tem o objetivo de promover a cultura da tolerância. Não será a força policialesca que vai resolver esse problema. Precisamos conversar e promover um dialogo permanente sobre isso e afirmando que não há espaço para intolerância dentro da universidade.

De seis meses para cá, todos aqueles cartazes e camisetas expressando intolerância de gênero e raça desapareceram. Já não estão mais aparecendo explicitamente como chegou a ocorrer no Campus do Vale, onde este pessoal estava enchendo os banheiros de adesivos ofensivos a mulheres e gays. É inadmissível que, na universidade, se reproduzam esses padrões de intolerância que, infelizmente, estão ocorrendo na sociedade. A universidade tem que ser um espaço que deve ser exemplo da tolerância, do humanismo, do respeito à diversidade. Nós vamos prevenir, combater e debater a questão da intolerância em todas as suas formas na universidade. Não há espaço para a intolerância dentro da universidade. E gostaria de deixar uma coisa muito clara: não tem burocracia na solução dessas questões. Há quem reclame da demora nestes processos. É importante dizer que não existe rito sumário na universidade. Quando há uma denúncia de assédio sexual, por exemplo, é instaurada uma comissão que vai ouvir todas as pessoas implicadas e vai fazer um julgamento. Esse julgamento vem até o reitor que faz a sentença. Esse processo tem o ritmo e o rito da Justiça.

"Autores da agressão contra estudante indígena já foram identificados e estão implicados. A investigação está na fase de oitivas e corre em segredo". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Autores da agressão contra estudante indígena já foram identificados e estão implicados. A investigação está na fase de oitivas e corre em segredo”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Sul21: Como está a investigação sobre a agressão sofrida por um estudante indígena da UFRGS em frente à Casa de Estudante, da avenida João Pessoa?

Rui Oppermann: Está ainda em fase de oitivas. Estamos ouvindo todos os envolvidos e chamando as testemunhas.

Sul21: Os agressores já foram identificados?

Rui Oppermann: Sim, os que são da UFRGS já foram identificados e estão implicados. A investigação corre em segredo. As oitivas são sessões não públicas onde participam todos os implicados diretamente e interessados. Podem participar dessas sessões os advogados de acusação e defesa, os familiares e as testemunhas. Eu, por exemplo, que sou reitor, não posso ir lá, nem devo. Mas nada está sendo feito de forma escondida ou de forma a procastinar a decisão.

Sul21: Nas últimas semanas, ocorreram alguns protestos e mobilizações envolvendo trabalhadores terceirizados da universidade. Qual a dimensão desse problema?

Rui Oppermann: Fiz uma manifestação sobre esse tema na última reunião do Conselho Universitário. Entre as demandas que recebemos de algumas ocupações, está a questão dos terceirizados, especialmente de uma empresa que eu prefiro não citar o nome. Alguns estudantes propuseram que eu contratasse os terceirizados, efetivando-os como servidores da UFRGS. Essa proposta, porém, é totalmente descabida. Eu tenho o maior orgulho de ter entrado na universidade por concurso público. Aliás, hoje, na universidade, não há nenhum funcionário na ativa que não tenha entrado por concurso público. E a abertura de um concurso público não depende da caneta do reitor.

As funções que os terceirizados desempenham não estão mais no regime jurídico único do governo federal. Não existem mais as funções de motorista, jardineiro, porteiro, segurança, etc. Essas funções, por uma escolha de governo feita há muitos anos, passaram a ser terceirizadas.

Sul21: Qual é o numero aproximado de trabalhadores terceirizados na UFRGS?

Rui Oppermann: Na UFRGS, hoje, estamos próximos de 2.300. O numero de terceirizados é quase igual ao numero de servidores técnico-administrativos. Há muitas funções hoje dentro da universidade que precisam ser desempenhadas por diferentes quadros terceirizados. A UFRGS é praticamente uma cidade. Temos territorialidade, prédios, laboratórios, animais, campo, árvores, calçadas, seguranças e assim por diante. São quase 60 mil pessoas aqui dentro. Precisamos administrar tudo isso. A terceirização que temos na universidade é diferente da que existe em outras autarquias federais que têm uma especificidade de função. Nós temos uma grande multiplicidade de funções, tanto que temos uma instância da universidade que cuida de toda a relação com as terceirizadas.

A Gerência de Serviços Terceirizados (Gerte) faz a regulação, a gerência e a fiscalização das terceirizadas, juntamente com as unidades acadêmicas. A Gerte faz um acompanhamento mensal dos serviços efetivamente prestados pelas empresas que, por sua vez, também tem sua fiscalização interna. A auditoria da relação entre a universidade e as terceirizadas se dá pela Gerte, pela auditoria interna, pela própria Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan), que é quem libera o recurso, e, finalmente, pela CGU e pelo TCU. Então, não há a menor chance de estar ocorrendo qualquer tipo de desvio de pagamento na universidade. Recentemente, descobrimos que uma terceirizada não estava fazendo o depósito dos direitos sociais dos servidores. Nós pedimos a comprovação mensal desses depósitos antes de liberar os pagamentos. Quando isso não é feito, nós não pagamos a terceirizada e solicitamos os nomes e as contas dos trabalhadores terceirizados para efetuar o pagamento diretamente para eles. O que ocorre é que esse processo, entre a descoberta da irregularidade e a realização do depósito na contra dos terceirizados, leva mais do que cinco dias. Essa demora se deve ao fato de que precisamos cumprir todos esses registros.

"Nós temos como grande desafio fazer com que a UFRGS dê um passo alem na sua posição nacional e internacional". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Nós temos como grande desafio fazer com que a UFRGS dê um passo alem na sua posição nacional e internacional”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Sul21: O senhor está começando sua gestão como reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quais são as suas prioridades?

Rui Oppermann: Eu me descobri como gestor público há 12 anos, como diretor da Faculdade de Odontologia, e eu gosto muito do que faço. Todos esses problemas que estão colocados em nossos primeiros meses de gestão são algo circunstancial com o qual temos que trabalhar. Nós estamos aqui para resolver esses problemas. Nós estamos desafiados pela crise e pelo novo governo que está aí, mas temos consciência que a universidade já passou por situações muito piores. Eu entrei na universidade, como aluno, em 1970. Portanto, passei pela ditadura, pelo arrocho neoliberal, pelo sucateamento e pela grande expansão do Reuni. Nós temos como grande desafio fazer com que a UFRGS dê um passo alem na sua posição nacional e internacional.

A UFRGS é, hoje, uma das melhores universidades do país. Queremos que a universidade aproveite esse potencial para ir além em ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, que são áreas que englobam a pós-graduação, mas também se capilariza na graduação. Esse ambiente precisa ser estimulado e esse estímulo é uma interação maior com a sociedade. A universidade não pode ficar fechada em si e também não pode ficar limitada ao escopo de sua relação com o governo. Nós estamos, por exemplo, trabalhando na revitalização do quarto distrito em Porto Alegre. É um projeto que nos motiva muito. Esse é o tipo de coisa com que a universidade tem capacidade de colaborar.


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