Entrevistas|z_Areazero
|
18 de julho de 2016
|
10:56

Porto Alegre vive “total ausência de gestão pública”, avalia Raul Pont

Por
Sul 21
[email protected]
 Foto: Joana Berwanger/Sul21
Raul Pont é o pré-candidato definido pelo PT para disputar as eleições municipais em Porto Alegre | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Débora Fogliatto

Único dos pré-candidatos à Prefeitura de Porto Alegre que já exerceu o cargo anteriormente (1997-2000), o petista Raul Pont tenta, quase 20 anos depois, voltar ao posto. Ele, que também já foi vice-prefeito, deputado estadual e federal, avalia que a situação da política nacional, com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, influencia diretamente nas eleições municipais. Por isso, também, defende uma aliança do campo da esquerda que votou contra o impeachment, reunindo PT, PCdoB, PSOL e PDT, em um possível segundo turno contra algum candidato identificado com a direita.

Leia as entrevistas com os candidatos a prefeito:
‘Se nós tivéssemos um projeto fracassado, não teríamos quatro candidaturas da base do governo’
Luciana Genro: ‘Já vou adiantar que não farei loteamento de cargos no governo’
“Porto Alegre deve ser capacitada como um berço do empreendedorismo”
‘Se estou em dificuldades, as da Luciana serão maiores’, diz Vieira sobre campanha sem alianças
Candidato do PSL defende privatizações e Prefeitura menor em Porto Alegre
‘É o momento da verdadeira esquerda apresentar um projeto alternativo de sociedade’

E os perfis dos vices:
‘A prioridade não é o Moinhos de Vento, é a Ilha Grande dos Marinheiros’
Professora municipal, lésbica e de matriz africana, conheça a vice de Pont: ‘nem recatada, nem do lar’

Para o primeiro turno, Pont relata que o partido busca aliança com o PCdoB, que compõe a Frente Brasil Popular com o PT, e aposta na parceria com movimentos sociais e de juventude. “Com uma defesa da democracia, luta prioritária pelos direitos sociais, porque nós representamos efetivamente os setores populares, e uma defesa das funções do Estado, das empresas públicas”, afirmou. Ele ainda critica a gestão atual, desde o governo de José Fogaça, passando pelas administrações de José Fortunati com o vice Sebastião Melo, os quais menciona que transformaram o Orçamento Participativo em algo “para inglês ver”, ou seja, que não tem real influência nas decisões da cidade.

O ex-prefeito também menciona discussões que estão em alta na capital gaúcha, como o Cais Mauá, a segurança pública e o déficit habitacional. “Eu parto da ideia de que o Cais tem que voltar a ser apropriado por Porto Alegre”, declarou, garantindo que gostaria de rever os contratos da empresa que atualmente tem a concessão de uso do espaço. “Acho que a primeira coisa é mudar esse contrato e denunciar esse contrato. Depois tem a discussão de se o estado ou a prefeitura serão o administrador, e eu vou retomar a luta para que o município passe a gerenciar essa área”, assegurou.

 Foto: Joana Berwanger/Sul21
Intenção é construir aliança com ‘identidade programática sólida’, garante | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Confira a entrevista completa:

Sul21 – Como está a articulação do PT para alianças?

Raul Pont – Todos os nossos esforços estão sendo feitos no sentido de ter uma aliança programática, ideológica, coerente. E por isso que o principal é a relação com o PCdoB, com quem estamos juntos na Frente Brasil Popular, a qual entendemos ser uma experiência muito rica, que permite uma ampliação, chegar a outros setores além das áreas partidárias mais definidas. E isso também nos facilitaria, ter um governo com mais coesão interna e capacidade de levar adiante um projeto, coisa que a gente sente as dificuldades e os problemas com o atual mandato. É uma administração completamente feudalizada, onde cada partido, cada grupo puxa para o seu lado, não há uma unidade programática que permita construir políticas públicas, principalmente quando se precisa de redes de relações fortes entre várias secretarias para otimizar o resultado.

Nós queremos que o nosso governo expresse efetivamente uma identidade programática sólida. E isso não só os nossos partidos possuem, mas eu acho que aquela plataforma apresentada pela Frente Brasil Popular nos permite ampliar essa Frente com setores não-partidários, com o movimento sindical, juventude, aqueles setores que lutam por questões específicas da cidade, como é o meio-ambiente, o caso da Fazenda do Arado, os grupos mobilizados em torno do Cais Mauá, os grupos da mobilidade urbana. Nós queremos ter uma coesão programática sólida, forte e uma capacidade de diálogo com esses setores. Ainda não formalizamos a relação com o PCdoB, mas pretendemos fazê-la em breve, talvez nesta semana gente já tenha marcado uma data comum para convenção. Com uma defesa da democracia, luta prioritária pelos direitos sociais, porque nós representamos efetivamente os setores populares, e uma defesa das funções do Estado, das empresas públicas. A plataforma base da Frente Brasil Popular tem sido uma referência muito forte para nós.

“Nós precisamos é recuperar essas áreas para o conjunto dos cidadãos, e não para meia-dúzia de pessoas abonadas”

Sul21 – O Orçamento Participativo foi criado nos governos do PT. Como fazer para que volte a ser forte e passe a usar ferramentas mais atuais, como as redes sociais e internet?

Raul Pont – O OP no sistema presencial, que não acho que ficou velho, de temáticas e regionais, pode e deve ser ampliado com estas formas novas, principalmente o estímulo à participação através das redes, as consultas mais rápidas que isso nos possibilita, o caráter mais massivo das consultas. Todas essas coisas eu acho que devem ser aproveitadas, exploradas e devem estar presentes. Mas a essência do OP não é só presença ou consulta, é a capacidade de deliberação. E esse é o ponto que foi atacado pelo [José] Fogaça, [José] Fortunati e [o vice-prefeito e pré-candidato Sebastião] Melo. A capacidade de deliberação, as pessoas hoje decidem sobre um simulacro, um pedacinho insignificante do orçamento e não decide mais o conjunto do orçamento, das receitas e despesas do município. Se a gente quer resumir o OP, é o poder soberano de deliberar e a potencialidade da escolha de prioridades, já que nunca o município ou o estado ou mesmo o governo federal tem condições em seus orçamentos de atender tudo simultaneamente. Sempre a gestão pública vai exigir elementos de prioridade. Hoje é algo para ‘inglês ver’, porque deixou de ser um instrumento que permita realmente às pessoas decidir sobre o essencial, que é o investimento novo na cidade.

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Nos final dos anos 1990, discussão sobre o Cais já existia: “chegamos a licitar uma área ao lado da Usina”| Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – O senhor mencionou a questão do Cais Mauá, durante seu governo nos anos 1990 chegou a abordar isso, certo?

Raul Pont – Sim. Eu parto da ideia de que o Cais tem que voltar a ser apropriado por Porto Alegre. Tentamos fazer isso lá em 1998, quando eu era prefeito, quando nós, junto com o governo estadual, pagamos uma consultoria para fazer um plano diretor que orientasse a questão econômica do porto em direção a Navegantes e liberasse o Cais Mauá para atividades de lazer, cultura, gastronomia, contemplação da beleza do lago. Ou seja, os porto-alegrenses voltarem a se apropriar desse espaço. Chegamos a licitar uma área ao lado da Usina, que já era de controle nosso, mas depois um incêndio criminoso até hoje não identificando destruiu completamente o galpão de madeira.

A gente queria já sinalizar uma nova ocupação, que não era aquele caráter fantasioso do projeto na época do governador [Antônio] Britto, que previa mudanças estruturais enormes, que prejudicariam inclusive a navegação, o acesso ao cais, tornaria muito difícil a mobilidade e o trânsito naquela região da ponta da Avenida Mauá com a João Goulart. Iniciamos também uma negociação com o Banco do Brasil para colocar ali um centro cultural, e pensamos que esses elementos seriam uma espécie de âncora para atrair novos investimentos na região. Mas sem fazer qualquer política de transformações de hotéis, torres, shoppings centers. O centro de Porto Alegre já tem um comércio que dá conta disso. Nós precisamos é recuperar essas áreas para o conjunto dos cidadãos, e não para meia-dúzia de pessoas abonadas. E com isso a gente materializou a tentativa de municipalizar o porto, fomos ao ministro Padilha, que era o ministro dos Transportes do FHC, lá no final dos anos 1990, mas não tivemos sucesso. O ministro renovou por mais duas décadas a concessão para o estado, e de lá para cá nós vimos o processo de abandono, deterioração, que culminou com esse contrato de permissão de uso pela governadora Yeda Crusius, no apagar das luzes do seu governo, completamente malfeito, cheio de lacunas e problemas sérios, e para grupos que não passaram por nenhuma avaliação mais rigorosa.

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Raul garante que não concorda com atual projeto para o Cais Mauá | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – E segue assim até hoje. Como incorporar isso para que seja algo que realmente ouça as pessoas e não fique apenas a serviço de empresas?

Raul Pont – Eu não concordo com esse projeto, acho que ele já provou sua falência e estou completamente integrado com os movimentos que têm hoje em Porto Alegre para retomar essa área para a cidade, para o uso público, e tenho a convicção de que é possível fazer isso com poucos recursos. Temos ali áreas de praça, de mobilidade, temos problemas que podem inclusive melhorar até o trânsito no centro da cidade. Uma área que permitiria um conjunto de atividades que têm que ser estimulados, como o transporte aquático no lago, como já tem hoje em direção à Guaíba, que dependendo do interesse dos empreendedores pode aumentar, termos novas rotas, termos além do Cisne Branco outros barcos que façam turismo, ampliarmos e termos equipamentos melhores para chegar até a Lagoa. Isso pode ser ofertado. Assim como temos ônibus de turismo, poderíamos ter turismo com barcos.

Além de toda a área que pode ser desenvolvida, com mostra de artes, cafés, restaurantes, um teatro, questões que teriam que ser conversadas com a comunidade. E não entregar isso para um único grupo, uma empresa que vá explorar aquilo de maneira totalmente ditada pelo mercado. Só ter uma recuperação daquele espaço, que ficasse bonito e histórico, já seria uma grande coisa. Acho que a primeira coisa é mudar esse contrato e denunciar esse contrato. Depois tem a discussão de se o estado ou a prefeitura serão o administrador, e eu vou retomar a luta para que o município passe a gerenciar essa área.

“Não tem sentido ter uma política de habitação subordinada à lógica do empreendedor que busca o terreno mais barato”

Sul21 – Outra discussão que está bem em alta é da moradia, com o grande déficit habitacional e as ocupações que têm surgido. Como a Prefeitura poderia fazer boas políticas para solucionar esse déficit?

Raul Pont – No período 1997-2000, sem Minha Casa Minha Vida, sem políticas federais que ajudassem os municípios ou financiassem políticas habitacionais massivas, Porto Alegre, o Demhab [Departamento Municipal de Habitação] ultrapassou mais de 4 mil casas e apartamentos populares. Foram construídos ou via o direito real de uso, ou cooperativas, construções com venda a prestações para moradores carentes. Quando a administração popular saiu da Prefeitura, se deixou encaminhado todo o projeto integrado da entrada da cidade, o PIEC, que era pensado para realocar todas as populações em sub habitação naquela região da Vila Farrapos, Humaitá. Assim como foi o raciocínio da Vila Planetário e do Conjunto Residencial Princesa Isabel, que era de realocar as pessoas para um local próximo de onde já estavam e perto da cidade já construída.

Essa é uma ideia básica que eu defendo para a política de moradia popular, não tem sentido ter uma política de habitação subordinada à lógica do empreendedor que busca o terreno mais barato. Isso para a cidade é um atraso, uma demonstração de que a Prefeitura se rende à lógica do mercado e da especulação imobiliária. As consequências dessas políticas são desastrosas, porque essas áreas não têm escolas, não têm serviços próximos. Porto Alegre é uma capital que em sua área teria que ter uma política racional pensada de densificação da sua área mais histórica, poderia colocar mais 700 mil habitantes sem gastar em pavimentação, sem ter que construir escola e posto de saúde, etc. Agora, tem que combater o vazio urbano, obrigar o proprietário a construir ou vender o terreno, ter políticas simultaneamente de incentivo ou de punição, ou seja, oferta via tributação. Precisamos fazer com que a cidade seja dotada de um bom sistema de radiais e perimetrais para facilitar a mobilidade, mas ofertar um bom sistema de transporte público, coletivo, não é para encher de carro. Porto Alegre tem que preparar a sua quarta perimetral, grande parte já está prevista no Plano Diretor, e irmos adequando um sistema de radiais e transversais que se conectem mais entre si. Isto hoje é possível com gastos pequenos.

Sul21 – Um dos maiores problemas da cidade atualmente, segundo grande parte da população, é a questão da segurança pública. De que forma a Prefeitura poderia estabelecer políticas relacionadas a isso?

Raul Pont – A Prefeitura tem um peso considerável na educação, na rede escolar, ela pode começar pela escola com políticas nesse sentido. Educação das pessoas para a cidadania, e isso envolve uma educação contra a violência, contra a violência no trânsito, contra o preconceito e intolerância. A cidade tem a responsabilidade de dotar de melhor iluminação, melhor acesso aos serviços públicos. Essas coisas devem ser feitas. Temos que ter uma relação da Guarda Municipal, que cumpre mais o papel patrimonial, mas não precisa estar limitada a isso. Pode estabelecer uma relação muito mais intensa e articulada. O gasto que foi feito na Copa para esse sistema de monitoramento eletrônico, por exemplo, ele tem que funcionar, servir para uma ação integrada entre os sistemas. Temos uma experiência muito marcante, embora eu não saiba especificar precisamente a data. Na época em que fazíamos um reordenamento habitacional em um bairro distante, melhorando as condições de vida e acesso à escola, isso trazia quedas significativas de índices de violência, disputa entre vizinhos, até de diminuição de furtos e roubos, porque as condições de vida das pessoas melhoravam e isso cumpria esse papel de melhorar as relações sociais entre os cidadãos. A segurança de vida das pessoas é um leque amplo.

Foto: Joana Berwanger/Sul21
“Eu não me recuso a defender que a Guarda Municipal deva aumentar ou cumprir novas funções”| Foto: Joana Berwanger/Sul21

Precisamos colocar todo esse avanço tecnológico a serviço da cidadania. E o município também não pode aceitar que o número de policiais, viaturas disponíveis na capital fique aquém de uma média aceitável internacionalmente enquanto policiamento ostensivo. Eu não me recuso a defender que a Guarda Municipal deva aumentar ou cumprir novas funções, nas escolas e unidades de saúde, junto com os parques e praças da cidade. Se as pessoas se sentem protegidas, a vida fica mais alegre, mais tranquila, as pessoas vão ir na Redenção com mais facilidade. Eu tenho defendido que se é para fazer mudanças mais profundas, elas são possíveis, mas daí teria que mexer nas competências dos entes federados. Não dá para o município assumir guarda municipal, fiscalização do transito, toda a rede de escolas infantis, habitação popular e assumir, assumir, assumir, com o mesmo orçamento da Constituição de 88.

“Licitar obra com um projeto básico vai dar problema sempre, porque sempre vai ter um imprevisto, foi feito de olho”

Sul21 – Como o senhor acha que o fim do financiamento empresarial vai afetar a campanha?

Raul Pont – Eu acho que vai pesar bastante, porque nos últimos 15, 20 anos a regra foi esta, e os partidos se mal acostumaram com essa dependência. Eu acho que isso é muito ruim, sempre denunciei que esse sistema de financiamento das eleições por empresas é a antessala da corrupção. Ali já colocou o pé na soleira, o passo seguinte é muito fácil de ser dado. Isso tem que acabar no Brasil, é clientelismo, é perda de capacidade dos municípios de planejar. Fica na dependência da migalha alheia. Tem que ter um plano de crescimento da cidade, construído junto com a comunidade. As leis orgânicas já dizem que o orçamento tem que ser construído da forma mais participativa possível, a lei de responsabilidade fiscal já diz que o prefeito é obrigado a consultar até regionalmente. Lei não falta no Brasil, mas precisamos ter governos que tenham compromisso de devolver essa delegação para o povo, para que decida o que é mais importante para ele.

Sul21 – O senhor avalia que a atual administração não faz isso?

Raul Pont – Por exemplo, o Melo em entrevista aqui no Sul21 disse que eles receberam só 18% de tratamento de esgoto na cidade e que os governantes anteriores fizeram muito pouco. Faltou ele datar melhor isso, porque primeiro que não é 18, foi 30%. E receberam com todo o PISA já programado, planejado e com linha de financiamento encaminhado. E dos anos 1990 até 2004 foram feitas as únicas estações de tratamento que Porto Alegre teve nos 200 anos. Então no mínimo tinha que ter o reconhecimento de que nesse período de 1989 até 2004 Lami, Belém Novo, Serraria, AJ Renner, passaram a ter grandes estações de tratamento de esgoto. É isso que começou a mudar em Porto Alegre. E isso foi feito no mínimo uma estação por mandato. Agora, passou três mandatos e o PISA ainda está em encaminhamento. O Cavalhada está daquele jeito, as ligações grande parte não foram feitas. Acho que temos que continuar apostando nisso, precisamos de mais ações.

Eu li essa semana que uma dessas estações na zona Norte, na Vila Minuano, foi feita errada, e quem vai pagar a conta? Vai ficar assim? Tem que questionar quem é o engenheiro, o órgão responsável. Assim como o que aconteceu agora com o DEP, as denúncias revelam um grande problema dessas administrações recentes, que é a total ausência de gestão pública. Como eles podem explicar que as obras da Copa, que foram em 2014, ainda estão em andamento? Isso aí é tipicamente um problema de gestão, licitaram obras com projeto básico. Isso é um verdadeiro crime com o dinheiro público. Licitar obra com um projeto básico vai dar problema sempre, porque sempre vai ter um imprevisto, foi feito de olho. “Ah, vamos fazer uma ponte aqui”, e depois vai ver o terreno, a condição do solo. Não é assim.

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Problemas em obras são responsabilidade da gestão, avalia | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Sul21 – Teve até aquela situação das obras da rua Anita Garibaldi, que descobriram que tinha uma pedra de granito.

Raul Pont – É, tinha que dar de presente para esse engenheiro um atlas de Porto Alegre, que nem aquele que se dá para crianças de colégio. Ali está dito que o espigão da Carlos Gomes, da Dom Pedro, ali tem granito. Qualquer consulta no atlas ambiental você fica sabendo onde tem pedra embaixo da aparência terrena. Isso é projeto básico, não foi feita prospecção. E quem vai pagar a diferença? Quem paga o combustível gasto nos engarrafamentos da Avenida Ceará há três anos? O estresse, a perda de tempo, a poluição daquela região com aquela quantidade de carros. Tudo porque a obra foi mal feita, mal planejada, mal executada. A Avenida Perimetral foi feita com três pistas de cada lado, canteiro central, corredor de ônibus, 850 desapropriações, e foi feita no cronograma. Nunca a obra parou um dia por problema de desapropriação. Isso é gestão, essa responsabilidade o governo tem que assumir, tem que fazer auto-crítica, reconhecer que erraram.

“Eu entendo que vai ser um debate nacionalizado. E isso não é artificial”

Sul21 – De que forma o senhor acha que todo esse cenário político nacional pode influenciar as eleições aqui em Porto Alegre? Avalia que o PT está desgastado?

Raul Pont – Eu vejo que a campanha eleitoral municipal desse ano vai ser transversal em todas as campanhas à conjuntura nacional. Não só pela importância do tema, porque se trata do país, se trata da presidência da República, mas porque isso tem a ver diretamente com os municípios. Ou nós queremos voltar aos anos 90? De quem é a obra da Ponte [do Guaíba]? De quem é a obra do Clínicas? De quem é o Mais Médicos? Ou seja: se você pegar todas as obras do PAC de saneamento, todas as obras que estão aqui paradas ou em andamento da tal da Copa. As grandes obras, como a do Clínicas e a ponte da segunda travessia do Guaíba, todas são federais e todas vêm de uma visão da política nacional, todas vêm de governos, Lula e Dilma, que têm uma visão de nação. Nós estamos diante de um golpe que quer inverter completamente essa lógica.

A “ponte para o futuro” do PMDB, PSDB é a volta ao servilismo internacional, aos interesses dos EUA, da Europa, é a volta do arrocho salarial, a volta dos ataques à previdência, do fim dos financiamentos aos municípios. Portanto, tudo isso interessa e muito, e nós não temos como fazer essa campanha sem denunciar e sem colocar esses temas. Todos esses financiamentos são de governo federal e são insubstituíveis, porque se eu não tiver isso, o município tira de onde? O prefeito Fortunati já tá dizendo que vai parcelar salário também, então nós vamos ficar só parcelando salário? Todos os investimentos da Corsan aqui no RS estão dependendo das obras do PAC. O novo governo diz que tudo isso não interessa, que é secundário, que tem que diminuir o Estado, enxugar o Estado, não pode emprestar para as prefeituras, porque se não elas ficam endividadas. Então, a receita neoliberal é aquela de voltar a ser um país para atender 30% da população. Ou os trabalhadores federais esqueceram ou vão esquecer que nos anos 90 ficaram oito anos sem reajuste? E com inflação maior ou igual a essa nossa, então é evidente que o arrocho salarial, os prejuízos, o desemprego daquele período eram muito piores do que é hoje e é esse Brasil que o Temer e seus asseclas querem construir.

Eles querem mudar todas essas políticas sem eleições, porque se defendessem isso publicamente no rádio, na televisão, se fossem disputar eleição com esse programa, não ganham, eles perdem as eleições. Eu entendo que vai ser um debate nacionalizado. E isso não é artificial. A maioria dos municípios depende dessas políticas nacionais. A defesa da democracia é a defesa das conquistas históricas como a previdência pública, o SUS. Na campanha nós queremos fazer essa discussão, porque basta ver o que está acontecendo aqui. Mesmo as obras mal feitas da Copa são financiadas pela Caixa. Creio que estamos em uma situação bem difícil e acho que é dever dos candidatos usar a campanha para esse debate também. Nesse sentido, defendo a necessidade da construção de um bloco do campo democrático popular que votou contra o impeachment, reunindo PT, PCdoB, PSOL e PDT. Esse esforço deve ser realizado já na campanha e também depois dela.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora