Entrevistas|z_Areazero
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8 de dezembro de 2014
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10:40

Fotógrafos brasileiros querem que exposição sobre a Palestina percorra o país

Por
Sul 21
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Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Fotógrafos Leandro Taques e Rafael Oliveira passaram sete dias na Palestina em abril do ano passado | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Samir Oliveira

Na semana passada, a Assembleia Legislativa gaúcha recebeu a exposição “Retratos da Resistência – Um povo que luta para não desaparecer”, dos fotógrafos paranaenses Leandro Taques e Rafael Oliveira. O acervo conta com uma série de fotografias sobre a Palestina que foram tiradas durante sete dias de abril do passado, quando os brasileiros estiveram na região.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Leandro Taques já esteve em outros países como Afeganistão e Angola | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Em entrevista ao Sul21, eles comentam como foi a experiência de fotografar no país sob intenso controle de Israel e informam que a exposição deverá circular pelo território brasileiro e compor, também, um livro fotográfico. “Nós visitamos locais em que o território é palestino, ou seja, não está dentro da área delimitada como Israel, mas o controle é feito por israelenses, pelo exército israelense. O cidadão que mora lá não tem a possibilidade de reformar sua casa, de cavar um poço, de puxar energia elétrica”, comenta Rafael.

Leandro Taques é jornalista, repórter-fotográfico, graduado pela Universidade Tuiuti do Paraná e pós-graduado em fotografia, trabalha como repórter-fotográfico desde 1998. Atuou no Afeganistão, Tibet, Nepal, Angola, África, China, Cuba e Cisjordânia.

Rafael Oliveira é graduado em Engenharia de Produção Mecânica. Atua como fotógrafo desde 2007 e realiza trabalhos fotográficos documentais. Realizou documentação fotográfica na Amazônia, com as comunidades ribeirinhas do Rio Purus. Participou da exposição coletiva Olhares Descoloridos, durante a Semana da Fotografia de Curitiba. Participou da 2ª Missão de Solidariedade ao Povo Palestino, na Cisjordânia.

“Nós já sabíamos, mais ou menos, o que iríamos encontrar. Mas estando lá é possível sentir a opressão”

Sul21 – Como surgiu a oportunidade de vocês irem para a Palestina?
Leandro Taques –
Em 2013 aconteceu a segunda missão de solidariedade ao povo palestino, que vem acontecendo desde 2012 e é organizada pelo Comitê de Solidariedade à Palestina. A proposta dessa missão é levar brasileiros para conhecer a realidade do povo palestino, que vive em território ocupado.

Rafael Oliveira – Surgiu a oportunidade de participar dessa missão. Nós nos conhecíamos na época de “aluno e professor”. O Taques foi meu professor de fotojornalismo e surgiu a oportunidade de participar no conjunto dessa missão. Nós vimos que o material era bom, que tinha potencial, e surgiu a oportunidade de fazer esse projeto fotográfico, que não se resume à exposição. A exposição é uma consequência, a ideia é fazer um livro fotográfico.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Rafael Oliveira já fotografou comunidades ribeirinhas na Amazônia | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Sul21 – Vocês eram os únicos fotógrafos com este grupo?
Leandro – Sim.
É interessante falar isso, porque fatalmente todas as pessoas já ouviram falar da causa palestina, do conflito, das coisas que ocorrem lá. Já devem ter ouvido alguma coisa e já devem ter assistido a documentários, matérias e tudo mais. Não somos simplesmente fotógrafos que foram lá registrar, existe todo um envolvimento com a causa. Nós já sabíamos, mais ou menos, o que iríamos encontrar. Mas estando lá – e olha que ficamos só sete dias – é possível sentir a opressão. Você está em um território que é teu, ocupado, e você é monitorado o tempo todo, de diferentes formas. Isso é muito chocante, porque você acaba percebendo que a coisa é muito complicada. Depois que fotografamos e analisamos o material, pensamos que daria para fazer alguma coisa. Então começamos a divulgar esse material para alguns grupos, em alguns lugares, também com o objetivo de dar essa visibilidade à causa palestina. É uma questão também de posicionamento. E aí surgiu o convite do Rio Grande do Sul, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, que foi sensacional.

Rafael – Recebemos o convite por intermédio da Fepal, que é a Federação Árabe-Palestina, e pretendemos que essa exposição não se restrinja apenas aqui ao Rio Grande Sul, mas comece a rodar e ser divulgada em outros lugares.

Sul21 – O que mais marcou vocês nesse período de sete dias na Palestina?
Rafael –
Nenhuma das fotos que fizemos foi uma foto trivial. Nós visitamos locais em que o território é palestino, ou seja, não está dentro da área delimitada como Israel, mas o controle é feito por israelenses, pelo exército israelense. O cidadão que mora lá não tem a possibilidade de reformar sua casa, de cavar um poço, de puxar energia elétrica, mas, no entanto, naquela região, você tem um poço artesiano com uma gigantesca cisterna que manda água para uma colônia israelense a 40km de distancia. Esse tipo de situação dá uma dimensão do tipo de absurdo que acontece ali e que não é ocasionalmente, é diário.

“Eles estão com paus e pedras contra o quarto exército do planeta, é uma coisa desproporcional e isso é visível em uma manifestação à beira do muro”

Sul21 – Leandro, tu já passaste por países como Afeganistão e Angola. Em que sentido essa experiência na Palestina foi diferente das tuas outras experiências internacionais?
Leandro –
Essa questão da água na Palestina é algo chocante e absurdo. Outra coisa que chamou atenção foi no dia que acompanhamos um grupo de jovens de uma vila que seria cortada ao meio pelo muro do Apartheid que Israel está construindo. É um vilarejo de 120 famílias. Com muita luta, eles conseguiram fazer com que o muro desviasse e toda sexta-feira eles vão em frente ao muro protestar. Esses retratos da resistência mostram que o povo palestino jamais vai se curvar ou desistir. A gente acompanhou essa juventude que se manifesta e levanta sua bandeira contra o quarto exército do planeta. Eles estão com paus e pedras contra o quarto exército do planeta, é uma coisa desproporcional e isso é visível em uma manifestação à beira do muro. É um absurdo chamar isso de guerra, porque é um genocídio. Os palestinos estão defendendo a própria sobrevivência, resistindo para não ser extinto. Isso me chamou muito a atenção. Outra coisa chocante são os checkpoints. Se você for palestino, você não pode usar determinados chekpoints. Então acontece de uma pessoa morar a 200 metros do local onde trabalha mas ter que percorrer 18 km para ir até o trabalho todos os dias. Na zona rural é ainda pior, porque o mesmo campesino que passa todos os dias pelo mesmo checkpoint um dia pode esperar quatro horas em cima da sua carroça por motivos que nunca são explicados.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
“Ter ido até lá nos fortaleceu para continuarmos nossa luta” | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Sul21 – Como foi, em geral, a reação do povo palestino à presença e ao trabalho de vocês?
Rafael –
São várias as reações, não existe uma reação única. Tem desde a pessoa que consente a fotografia até aquela que não consente. Isso é assim em qualquer lugar do mundo. Mas lá tem uma situação especifica. Existem casos, por exemplo, de jovens ou crianças que não querem ser fotografados – principalmente em situações de resistência e manifestações ou próximos ao muro -, com medo de serem identificados pelo exército israelense e, eventualmente, receberem algum tipo de punição. Na Palestina é possível que o exército israelense prenda uma criança e leve para interrogatório, normalmente para conseguir que os pais da criança se apresentem ou sejam punidos também. Esse tipo de situação dá uma dimensão do Estado de exceção em que vivem pessoas na palestina ocupada. Você não consegue ter uma dimensão disso sem estar lá.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
“A população, em geral, na hora que você fala que é brasileiro, abre um sorriso” | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Leandro – Quando a gente chegou, visitamos o campo de refugiados de Aida. Descemos do ônibus do lado do muro, que, até então, não tínhamos visto tão de pertinho. Tinha um grupo de crianças, três garotos de 12 ou 13 anos, que tinham ido jogar lixo do lado do muro, e eu fui fotografá-los. E aí o garoto disse: “Não, não”. Ele colocou o capuz da jaqueta, escondeu o rosto, e disse que eu poderia fotografar. Depois eu perguntei por que ele não quer ser fotografado. Ele respondeu: “Eu não sei onde você vai colocar essa foto, você pode colocar no Facebook, eu posso ser identificado pelo exército israelense e eles podem vir me prender de madrugada”. Nesse mesmo campo de refugiados nós visitamos uma escola e eu percebi que a sala de aula era fechada e não tinha janela. Perguntei ao diretor por que e ele me mostra que, atrás do campo passava o muro e havia um checkpoint com uma guarita que dava exatamente para o local onde ficava a janela da sala de aula. “Os soldados faziam tiro ao alvo nas crianças da escola”, disse o diretor. As coisas vão ficando cada vez mais absurdas. Ter ido até lá só nos fortaleceu para continuarmos nessa luta. A causa palestina é uma causa nobre, o povo palestino é um precisa de soberania e o Estado palestino precisa ser efetivado.

“Os Retratos da Resistencia não são mais só uma viagem, só uma exposição. É um projeto que queremos que tenha desdobramentos maiores”

Sul21 – Como foi a reação das pessoas ao saberem que vocês são brasileiros? O Brasil, por um lado, apoia a criação do Estado da Palestina, mas, por outro, mantém diversos acordos econômicos e militares com Isarel.
Leandro –
A reação sempre foi muito mais positiva do que negativa, até porque tem muito palestino no Brasil. Porém, havia algumas criticas exatamente ao fato de o Brasil ter uma posição pró-Palestina, mas comprar armas de Israel. Como é que a gente vai apoiar isso? É uma coisa que precisa ser revista para que, de fato, o Estado palestino seja reconhecido.

Foto: Filipe Castilhos/Sul
“A ideia é fazermos esse projeto crescer” | Foto: Filipe Castilhos/Sul

Rafael – O Brasil não só compra armas, como em algumas situações fornece alguns equipamentos também. Em geral, esse tipo de critica vem do sujeito mais politizado, que tem um conhecimento maior a respeito dessa situação. A população em geral, na hora que você fala que é brasileiro, abre um sorriso. Via de regra, a recepção sempre é muito calorosa.

Sul21 – E depois dessa experiência vocês pretendem voltar para lá, talvez com mais tempo, e ir para a Faixa de Gaza?
Leandro –
Isso agora é um projeto. Os Retratos da Resistencia não são mais só uma viagem, só uma exposição. É um projeto que queremos que tenha desdobramentos maiores. O problema é que entrar em Gaza é super complicado, ainda mais agora depois desse genocídio que ocorreu lá. Mas a ideia é fazermos esse projeto crescer, fazer um livro fotográfico, uma exposição maior. Isso deve ocorrer em 2015. Esse acervo vai ser doado para a Fepal e já existem algumas negociações para fazer esse material rodar.


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