Raul Pont: “O sistema partidário está corrompido, principalmente pelo poder econômico”

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Sul 21
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Débora Fogliatto*

Aos 70 anos, com 50 de vida política, o deputado estadual Raul Pont (PT) surpreendeu quando anunciou que não concorreria nestas eleições. O político é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e foi, ao longo de sua vida, líder estudantil, militante sindical, deputado federal e prefeito de Porto Alegre, além do cargo que exerce atualmente, em seu terceiro mandato.

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Pont começou sua militância política durante a ditadura militar e acompanhou de dentro o processo de surgimento e crescimento do PT desde então. Um crítico ferrenho do financiamento de pessoas jurídicas a campanhas, o deputado defende a reforma política como a melhor saída para acabar com o que chama de “esquizofrenia política no Brasil”. “Esse Congresso é um antro de reacionários, um antro de conservadores que estão cada vez mais lá para defender interesses pessoais e corporativos, do setor financeiro, das igrejas fundamentalistas e do agronegócio”, afirmou

Nesta entrevista, ele fala da necessidade da reforma, do plebiscito que pode levar a ela, de sua carreira política, dos governos de Dilma e Lula e das dificuldades enfrentadas pelo PT durante sua história. “O que eu tenho a lamentar é que essa disputa é muito mais dura do que a gente imaginava. Que não basta ter um partido grande, popular que chega à presidência da República”, refletiu.

| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Vamos para mais uma eleição com o predomínio do poder econômico”, critica Pont, que  encerra sequência de três mandatos na  Assembleia Legislativa| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

 

Sul21 – Quando o senhor decidiu não disputar as eleições, causou certa surpresa no cenário político. O senhor se desiludiu com o Parlamento? Qual o conjunto de fatores que levaram ao senhor a tomar essa decisão?

Raul Pont – Não tem um único fator, não foi por desilusão. Foi por, enfim, consciência de algumas coisas. Primeiro, porque o sistema eleitoral mantido como está é um sistema que a gente vem combatendo há muito tempo. Principalmente o financiamento de pessoa jurídica, o financiamento privado de campanhas e essa é talvez a principal razão, o principal motivo. Não é o único e se somou a outras coisas.

Nós falamos no partido da necessidade de renovação, de organizarmos as coisas para que mais gente possa concorrer, pessoas mais novas em idade e em experiência acumulada. Eu acho isso importante. O partido não pode ficar permanentemente com as mesmas candidaturas, as mesmas pessoas. Um segundo motivo seria esse, que combina com o primeiro. Se houvesse, por exemplo, um sistema de listas partidárias, pré-ordenadas pelos partidos, até manteria a candidatura. Nesse método, eu acho até que poderia me reeleger de novo pelo capital político, pelo tempo de militância. Mas é uma exigência crescente, um desgaste físico muito grande. Uma busca e uma competição desenfreada fora e dentro do próprio partido.

Então, juntando tudo isso, com a necessidade de renovação, com o nosso compromisso de aumentar o número de mulheres na campanha. E eu completei agora 70 anos, com 50 anos de militância política. A maior parte do tempo inclusive fora do Parlamento, sem mandato, no movimento estudantil, no movimento sindical, na clandestinidade, na resistência à ditadura militar. Então fazer política, continuar fazendo política, eu vou continuar. Estou na direção partidária, tem mais dois ou três anos. Esse conjunto de razões é que me levaram a me afastar da Assembleia. Para mim isso não é uma desilusão, porque eu sei que as coisas são assim.

“A direita sabe que o jeito que tem ainda de se manter lá é usando o poder econômico. Infelizmente é assim, por isso que estamos tão empenhados”.

Sul21 – Por isso a necessidade da reforma política?

| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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Raul Pont – A direita sabe que o jeito que tem ainda de se manter lá é usando o poder econômico. Infelizmente é assim, por isso que estamos tão empenhados. E vou continuar fazendo, porque não é só um problema no Legislativo. Nós vimos agora que aquilo que o Legislativo não fez, o Supremo Tribunal Federal podia ter feito. A ação da OAB questionando se é ou não constitucional o financiamento de pessoa jurídica já tem uma maioria de Ministros que concordam com a tese, portanto nós poderíamos ter tido uma eleição diferente, com outras regras.

Vamos para mais uma eleição com o predomínio do poder econômico decidindo o processo eleitoral. Eu passei a vida inteira criticando e fazendo de tudo pra não ter que pedir dinheiro para fazer campanha. A não ser pelo apoio militante de um número grande de companheiros, passar o chapéu numa janta, coisas assim que sempre foram feitas pelo PT, e campanha com base na militância política e no acúmulo. Acho que foi o que me garantiu nas últimas eleições, mesmo com campanhas muito baratas, me permitiu fazer uma votação boa, estar entre os mais votados do partido. Por isso, pelo capital político acumulado. Mas nem todo mundo pode ter isso, principalmente os jovens, os novos, as mulheres em especial, que são muito prejudicados por isso.

Sul21 – O debate da reforma política começou a se tornar mais conhecido nos últimos dois anos e agora pode sair do papel. Isso se deve às demandas das manifestações de junho de 2013, à posição da presidente Dilma de colocar a proposta?

Raul Pont – No meu caso, tenho até textos de quando estive em Brasília como deputado federal. O primeiro projeto de Emenda Constitucional que fiz tratava desse tema, em 1991. Eu tenho textos dessa época e o partido naquele momento defendia com muito empenho.

Acho ótimo que a Dilma tenha assumido, foi exemplar a rapidez com que ela reagiu. E, ao mesmo tempo, vimos a rapidez com que o Congresso bombardeou a proposta da Dilma do plebiscito. Esse Congresso é um antro de reacionários, um antro de conservadores que estão cada vez mais lá para defender interesses pessoais e corporativos, de setor financeiro, das igrejas fundamentalistas e do agronegócio. Isso é o que move eles, e não os partidos pelos quais concorrem. Isso é a prova de que o sistema partidário está corrompido, principalmente pelo poder econômico.

| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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Outro dia, num debate, um candidato disse que a culpa era do PT, porque isso combinou com a nossa chegada no governo. O que aconteceu foi que até 1996, 1997, no governo de Fernando Henrique, a contribuição de pessoa jurídica não estava regulamentada. A partir daí, teve mudança nas regras partidárias e se estabeleceu a contribuição de pessoa jurídica. E daí é que a coisa explodiu. Então, se combinou com os nossos governos, foi para tentar barrar o possível crescimento do PT. Se pegar as estatísticas, os números, vai ver que nós duplicávamos a cada eleição a representação política no Parlamento. Quando chegou 2002 nós batemos ali 88, 90 deputados e não saímos mais disso, mesmo com a vitória do Lula e depois da Dilma.

Sul21 – Isso representa uma discrepância entre as eleições para Legislativo e Executivo?

Raul Pont – A Dilma ou o Lula fazem 50 milhões de votos e a bancada do PT não faz nem 14, 15. Ora, se as pessoas votam no Lula e na Dilma, por que não vão votar no PT? Com o poder econômico dominando as campanhas individualizadas, o voto sendo nominal, acaba havendo uma pulverização e aí entram 30 siglas disputando e centenas, milhares de candidaturas. E o voto não tem correspondência com o voto Executivo, gerando uma esquizofrenia política no Brasil brutal. Porque ninguém consegue ter governabilidade.

Mesmo se outro partido, digamos o PMDB ou o PSDB viesse a ganhar a eleição, teria menos governabilidade que nós. A Marina (Silva, da Rede/PSB), por exemplo, que agora surgiu como alternativa. Ela não teria nenhuma sustentação, a não ser que fizesse ao contrário, ela fosse cooptada pelos partidos conservadores para fazer o jogo deles. Mas para fazer a política dela, que ela coloca na imprensa, ela não tem nenhuma sustentação parlamentar, jogaria o país numa aventura. Se a Dilma com os dois maiores partidos não consegue ter uma sustentação, isso demonstra que o país fica ingovernável. Por isso a reforma política é tão urgente.

“Uma coisa é não combinar por um pouquinho, outra é ter esse abismo que tem em que se elege um presidente da República e sua base de principal sustentação não alcança nem 20% do Congresso”.

Sul21 – O senhor acha que a reforma política então poderia aumentar a participação da esquerda nos parlamentos?

Raul Pont – Eu diria que tornaria mais realista, mais uniforme, haveria mais sintonia entre o Executivo e o Legislativo, por que no Brasil, como temos um regime presidencialista,  essas coisas não necessariamente combinam. Agora, uma coisa é não combinar por um pouquinho, outra é ter esse abismo em que se elege um presidente da República e sua principal base de sustentação não alcança nem 20% do Congresso. Se outro partido viesse a ganhar, também precisa de legitimidade.

Nesse sistema, os governos são obrigados a ir buscar aliados contraditórios, inimigos na campanha vão para o governo. E daí as pessoas reclamam, acham que é culpa do presidente, que é culpa do Lula ter ido apertar a mão do Maluf. Aquilo lá custou muito para o Lula, a exigência do Maluf de que o Lula tinha que ir à casa dele foi uma imposição de humilhação. E os governantes são forçados a isso, não porque gostam ou querem enganar seu eleitor.

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A real expressão da direita brasileira aparece na hora de votar projetos como o que fortaleceu os conselhos populares, na opinião do deputado| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E mesmo com isso, o Legislativo barra propostas do Executivo.

Raul Pont – Agora há pouco mesmo, a Dilma fez um decreto dizendo que quer fortalecer os conselhos municipais e estaduais que foram formados na Constituição de 1988, que representam as pessoas que estão na sala de aula ou nos hospitais ou nas ruas. Bastou dizer que os conselhos vão ser estimulados e que o governo quer a participação popular para cair a casa. No outro dia, o PSDB e o DEM já tinham propostas de decreto do Legislativo, em regime de urgência, assinado por todos os partidos, com exceção do PT, PSOL e PCdoB. E o partido se chama “Democrata”, sendo contra a participação da sociedade. O (deputado do DEM, Onix) Lorenzoni veio à imprensa dizer que era a “sovietização” do Brasil. Essa é a direita brasileira, super-reacionária, que se traveste de “popular e socialista”, de “democrata” na hora das eleições, mas sua real expressão aparece na hora de uma medida como essa.

E isto não partiu apenas dos deputados, pega o Estadão, o Globo, todos eles. Acho que a Folha ( jornal Folha de São Paulo), depois de uma semana batendo, deu uma amenizada, disse “vamos ver melhor, parece que é só os conselhos já existentes”. Então não tinham nem lido o projeto?

“O que não dá é um país ficar subordinado a cinco, seis famílias que controlam simultaneamente rádio, jornal e televisão”.

Sul21 – Nesse sentido, a reforma política teria que vir com uma reforma midiática, com a democratização da mídia?

| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
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Raul Pont – Eu acho que não há democracia se também esses veículos não mudarem, e não tem absolutamente nada a ver com censura ou controle. O que não dá é um país ficar subordinado a cinco, seis famílias que controlam simultaneamente rádio, jornal e televisão. Isso distorce qualquer processo democrático, não só eleitoral, mas do conhecimento, da cultura. Quer dizer, quem seleciona o que é cultura, o que é informação é o editor, é o Ali Kamel (diretor da TV Globo) aquele é o grande censor, esse sim é o grande censor da informação brasileira. Ele que diz o que sai e o que não sai. O que não saiu, não existiu.

Sul21 – O senhor falou da relação dos políticos com os partidos. Na sua trajetória, há alguma decisão do PT que o senhor tenha discordado, que não aceite?

Raul Pont – Discordei muitas vezes, mas não tem como a cada ano ou a cada seis meses fundar um partido novo. A vontade de milhões de pessoas substanciada num projeto faz com que muitas vezes os caminhos a seguir levem a que não tenha acordo. A maneira de resolver isso é o processo democrático. Nenhum partido no Brasil, nem agora nem na história, tem o funcionamento democrático que nós temos. E os jornais sempre nos vendem como partido autoritário e arrogante. Desafio qualquer partido politico de comparar seu funcionamento, de como elegemos a direção. Qual é o partido que elege presidentes e direções estaduais e municipais com votos direitos de filiados e com eleições abertas? Me aponte um, além do PT.

Em 2002 quando o Lula assumiu, aquela história das alianças feitas logo após ele assumir causou uma crise no partido. E nós vivemos essa crise, algumas pessoas saíram. Inclusive deputados e senadores. Eu e outros achávamos que era um problema muito sério, mas que não era suficientemente sério para largarmos tudo, que tinha que continuar fazendo a solução, o debate dentro daquele espaço. A divergência dentro de um partido plural, democrático é normal para nós. O cara pode sair, a convergência saiu e formou o PSTU e PSOL. Mas nunca poderão dizer que não tiveram espaço para colocar suas opiniões. Discordaram e teve gente expulsa por razões de indisciplina interna, mas o partido sempre teve canais de decisão em que prevaleceu a maioria.

“Para construir partido com coesão, com milhões de filiados, com experiências acumuladas, precisa muito tempo. Não é uma tarefa fácil, é muito difícil”.

Sul21 – O senhor se lembra de alguma situação específica em que o partido tenha encarado essas dificuldades por causa de discordâncias?

Raul Pont – Agora em 2012, em Recife, vivemos uma situação envolvendo o Eduardo Campos. Éramos aliados ali, comprometidos, apoiamos ele para governador e ele nos apoiaria para a prefeitura de Recife. A decisão do partido era de manter o prefeito, que o governador não queria. A direção nacional, para contentar o governador, colocou outro candidato. Teve a disputa, o João Costa (Bezerra Filho) ganhou a eleição. O outro candidato retirou a candidatura e saiu do partido. E o governador impôs ainda outro nome, forçou a direção a botar outro nome, para não aceitar o João Costa como candidato. No dia que fizemos isso, ele apoiou outra pessoa.

E nos pegou totalmente divididos, as pessoas não podiam nem se falar. Imagina um partido que tinha 40 mil filiados e perde a eleição estando no governo. Nós saímos não só derrotados eleitoralmente, mas rebentados. Claro que teve esse problema e teve cumplicidade dentro do partido para isso. São divergências, eu votei contra isso no diretório, mas perdi. Em cada decisão dessas se joga muita coisa, mas para construir partido com coesão, com milhões de filiados, com experiências acumuladas, precisa muito tempo. Não é uma tarefa fácil, é muito difícil. E estamos tentando fazer com regras claras, transparentes.

| Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Levamos mais uma década para lamber as feridas”| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E tem alguma posição ou postura adotada em sua trajetória como político que olhando para trás pensa que deveria ter agido diferente?

Raul Pont – Eu sou de uma geração que começou na política numa situação muito adversa, que foi a ditadura militar, e nos coube uma tarefa histórica para aquela geração. Não era só fazer uma resistência à ditadura, era também repensar a história do Brasil. Porque o golpe mostrou que aquilo que a esquerda pensava não se materializou. Então quem é que tem razão, a vida, a materialidade, ou a teoria? Quem tem razão é a vida, é o que aconteceu. A teoria é que estava errada, que não explicava aquilo.

Então, além de fazer a resistência, tivemos que repensar essa trajetória, como recomeçá-la, o que fazer. Para nós, no final dos anos 1960,a questão mais estratégica, a luta mais importante para quem pensava em lutar por uma sociedade socialista, muito influenciados pelo que havia acontecido em Cuba, pelo Vietnã, pelas experiências da juventude na França em 1968, a Primavera de Praga. A primeira coisa que precisamos é um partido que pense isso. Os partidos comunistas do Brasil naquela oportunidade se apresentavam como se fossem, mas na prática tinham que ir a reboque do PMDB, do PTB, etc. E esses partidos também históricos podiam ter trabalhadores, mas eram dirigidos por latifundiários.

Não havia uma visão estratégica como passamos a entender que o Brasil precisava. E essa é a luta da minha geração, uma luta que não se concretizou em 1968, nem em 1969, acabamos todos presos e levamos mais uma década para lamber as feridas, reorganizar. Mas dez anos depois as condições eram outras, o Brasil era outro. E nós tínhamos uma nova indústria, um país já de grandes centros urbanos, uma classe operária dez vezes maior. E tínhamos figuras como o Lula e o Olívio Dutra. É outro momento, outra conjuntura, muito mais favorável. O que eu tenho a lamentar é que essa disputa é muito mais dura do que a gente imaginava. Que não basta ter um partido grande, popular que chega à presidência da República. As posições da cultura, da informação, do dinheiro, do banco estão muito fortalecidas. E a gente caminha muito lentamente.

Sul21 – Pode ser que tenha outro caminho ou apenas se pensava que a caminhada seria mais rápida?

Raul Pont – Pode ser que tenha outro caminho e estou me recusando a enxergá-lo, ou pode ser que seja por aí mesmo e é mais lento e mais duro do que pensávamos. Os (caminhos) que têm aparecido, tipo os partidos que nos criticam pela esquerda, eu não acredito que sejam alternativas. E não é por arrogância ou preconceito. Me dou bem com todo mundo, com o PSOL e PSTU, mas não vejo que o que eles propõem é mais à esquerda do que fazemos. Pode ter mais barulho, mas resultado efetivo só no grito não vai. Tem que ter número, tem que ter gente, tem que ter governo, presença no Parlamento.

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“No RS, sempre tivemos experiência republicana acima da média”| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Acho que estamos pagando o preço por uma conjuntura internacional muito difícil. O PT viveu uma experiência singular, porque cresceu exatamente quando tudo apontava que não podia ter crescido. Isso é uma contradição histórica. O período de auge do neoliberalismo no resto do mundo, em que a esquerda estava levando pau no mundo inteiro, os partidos comunistas estavam lá embaixo, e nós crescemos. Só que só nos demos conta um pouco disso, dessa contradição, quando já estávamos no governo. E por isso esse crescimento foi também um pouco inesperado, no susto e de repente chegamos. Mas chegar à presidência não é chegar no poder, é chegar a uma parcela, um pedaço. Que é importante. Nessa comparação damos de 10 a 0 nos tucanos, populistas, no trabalhismo.

Não só aqui dentro, mas tem que ter um cara que está pensando dessa forma na universidade, na escola de samba, no time de futebol, no cotidiano das pessoas. Isso é um partido de massas, porque é ali que se dá o dia a dia. Esperamos manter, ter mais uma vitória, conseguir consolidar mais estados. O Rio Grande do Sul é importantíssimo, porque sempre tivemos experiência republicana acima da média.

“O maior desserviço na democracia brasileira são grupos como Globo e RBS”.

Sul21 – Como assim?

Raul Pont – Aqui os partidos da direita, do centro e da esquerda são mais partidos. Agora mesmo esse troço, uma das principais virtudes do Aécio (Neves, candidato à presidência pelo PSDB e ex-governador de Minas Gerais) é o choque de gestão. Ontem eu estava vendo na televisão e é uma desfaçatez, uma impunidade. Ele acabou de perder no Supremo Tribunal Federal aquilo que tinham feito de legalizar 80 mil professores contratados temporários, como se fossem concursados. Para não pagar INSS, para iludir as pessoas em uma jogada política de que pega um sujeito em contrato temporário e transforma ele em servidor público temporário. E fizeram isso, com apoio da Assembleia. Nossa turma lá chiou, o sindicato esperneou, e na imprensa daqui nunca saiu uma linha.

Agora tu imaginas se isso acontecesse aqui no sul. Aqui a gente se mata por 10 mil, 15 mil. Aqui no nosso governo o estoque de temporários já caiu mais do que pela metade. Agora lá o cara faz isso impunemente. Porque o conluio entre governo, Assembleia e Tribunal de Justiça de Minas para cima é um terror.

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Para Pont, processo de aprendizado democrático no Brasil é recente| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O senhor acredita que se pode dizer que o nível de conscientização política atualmente é menor do que nesse período da ditadura militar e das Diretas Já?

Raul Pont – Eu acho que o processo de aprendizado democrático no Brasil é muito recente e muito lento, em grande parte exatamente por essa dissintonia do sistema eleitoral. Uma das coisas que poderia ser muito mais didática é o fato da eleição servir de educação política, servir para o eleitor ir consolidando mais rápido a identidade programática que precisa para sua vida com a expressão política-partidária disso. Mas se torna difícil porque tem 35 partidos e porque você vota no indivíduo, não no programa. O cara que vem na tua casa te entregar o santinho é um indivíduo. E na maioria das vezes ainda esconde o partido. Eu tenho visto propagandas e são poucos os que se identificam com o partido, até na televisão, tem no cantinho um número que identifica. Mas quem guarda 35 numerações diferentes? Então o sistema não ajuda.

Mas o último período de democracia que tivemos antes foi de 1945 a 1964. Então como vamos exigir que o povo brasileiro seja politizado? Não tem uma longa tradição democrática, mas as poucas que teve mostraram que há esperança no processo, embora num ritmo bem menor do que eu gostaria. Porque se a pessoa vinculasse mais facilmente, se fosse voto por lista, por projeto, a pessoa teria mais formas de cobrar do eleito. Na teoria política, o partido não é só para escolher e designar candidaturas. É também para controlar o eleito. E os partidos no Brasil, com raríssimas exceções, não controlam o eleito. E daí chega nessa ideia de que é “tudo bandido, tudo ladrão, tudo dá no mesmo”.

E a grande mídia brasileira aposta nessa tecla. O maior desserviço na democracia brasileira são grupos como Globo e RBS. Eles que são os grandes responsáveis pelo atraso político do brasileiro, eles que desinformam, mentem descaradamente.

*Colaborou Yara Pereira


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