Entrevistas
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3 de fevereiro de 2014
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10:50

Inspeções em planilhas do transporte público ocorrerão em outras cidades, diz presidente do TCE-RS

Por
Sul 21
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 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Cezar Miola cumpre seu segundo mandato como presidente do TCE-RS | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

Em 2012, por meio de uma solicitação do Ministério Público de Contas (MPC), o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) iniciou uma inspeção especial junto à EPTC. O trabalho analisou as planilhas de reajuste das passagens de ônibus de 2011, 2012 e 2013 e impactou diretamente nas definições adotadas no ano passado, quando o tribunal determinou que se considerasse somente a frota operante nos cálculos, não a frota total – como vinha sendo feito até então.

No próximo dia 12, o TCE irá julgar a totalidade do relatório – que já está publicado no site da instituição -, podendo haver novas determinações sobre o tema. Para o presidente do órgão, o conselheiro Cezar Miola, o trabalho nesta área foi pioneiro.

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“Vamos deixar gradativamente de usar o papel impresso para ter toda a tramitação no ambiente virtual” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nesta entrevista ao Sul21, Miola anuncia que todos os principais municípios do interior terão suas planilhas do transporte público auditadas, começando por Santa Maria. O presidente do TCE-RS também fala sobre a criação de um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, a fiscalização das obras da Copa e a dificuldade de acesso a dados de isenção tributária por parte do governo estadual.

Com a abrangência e dimensão que atuamos no tema (da passagem de ônibus), tivemos, sim, um certo pioneirismo”

Sul21 – Primeiramente, gostaria que o senhor fizesse um balanço das atividades do Tribunal em 2013.
Cezar Miola – Tivemos ao longo do ano passado uma série de ações. Conseguimos implementar o processo eletrônico, que eu tenho a convição de que vai significar uma mudança drástica na vida do Tribunal de Contas para o futuro. Talvez no momento ele não seja muito percebido, nem mesmo no ambiente interno, em toda sua dimensão. Mas sua implantação significa uma mudança de cultura no Tribunal de Contas. Vamos deixar gradativamente de usar o papel impresso para ter toda a tramitação no ambiente virtual, sem meio físico nenhum. No primeiro módulo, começamos com os processos que entraram do exame da legalidade de atos de aposentadoria do serviço público municipal. Já autuamos mais de mil processos com esse formato novo e logo em seguida nós pretendemos migrar então para o processo de contas propriamente dito, o que já está ocorrendo em 2014. Vamos diminuir o tempo de tramitação dos processos aqui no TCE e teremos mais qualidade, sem os riscos inerentes ao meio físico.

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“No próximo dia 12 teremos a sessão onde deverá ser pautado esse processo” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Destaco também um projeto que continua em 2014, com o foco do TCE em relação à receita pública. Estamos com uma ação específica de fiscalização da arrecadação dos municípios e do estado. Aprovamos uma resolução no ano passado fixando critérios que vão orientar a atuação dos nossos auditores na fiscalização desta área. A partir daí, essa resolução serve também de paradigma para que os municípios organizem seus sistemas de arrecadação e fiscalização tributária, onde identificamos muitos problemas, como, por exemplo, a falta de lançamento de determinados tributos.

Também tivemos no ano passado a publicação da primeira radiografia do transporte escolar no Rio Grande do Sul. Foi um trabalho muito importante porque identificou um universo de quase 300 mil alunos transportados diariamente no estado. Verificamos alguns pontos preocupantes, como veículos já com muitos anos de fabricação. Em fevereiro vamos divulgar um novo estudo, já atualizando o primeiro e fazendo um comparativo.

Fizemos ainda um levantamento sobre as estruturas de licenciamento ambiental dos municípios e um trabalho sobre a educação infantil, que foi renovado ano passado e será feito novamente este ano. E há poucos dias publicamos uma análise sobre as estruturas de fiscalização dos municípios na área de obras, de fornecimento de alvarás de construção e de habite-se.

Sul21 – Como o senhor avalia o trabalho feito em relação ao reajuste da passagem de ônibus em Porto Alegre?
Cezar Miola – Essa inspeção especial em relação à Porto Alegre foi concluída no final de 2012, fruto de um trabalho bastante aprofundado. O relatório inicial tem mais de 100 páginas. Depois, houve a prestação de esclarecimentos e parecer do Ministério Público de Contas. Esse trabalho teve desdobramentos ao longo do ano e um efeito imediato em relação à definição do valor da tarifa naquele momento histórico, em 2013. Nós nos convencemos de que havia necessidade de realizar esse trabalho – e havia uma representação do MPC suscitando esse tema – por se tratar de uma questão absolutamente relevante para a cidadania: a prestação de um serviço de caráter essencial, em relação ao qual o TCE tem competência. No próximo dia 12 teremos a sessão onde deverá ser pautado o processo.

No ano passado, fizemos um seminário de ãmbito nacional sobre este tema e convidamos os tribunais de contas do país para debater conosco e conhecer nossa experiência nessa área. Com a abrangência e dimensão que atuamos no tema, tivemos, sim, um certo pioneirismo.

”O fato é que não é o TCE que vai legislar a cerca desta matéria, porque não lhe compete”

Sul21 – Já está confirmada uma auditoria no transporte público em Santa Maria. A intenção é expandir a fiscalização nesta área para outras cidades?
Cezar Miola – Sim. Pretendemos realizar esse trabalho nos principais municípios do estado, ao longo do ano, na medida das nossas possibilidades, e o primeiro destes no interior deverá ser Santa Maria.

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A cartilha por onde reza o presidente do TCE-RS: a Constituição de 1988 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – A prefeitura de Porto Alegre tem dito que aguardará o julgamento do dia 12 para proceder qualquer processo de reajuste da passagem neste ano. Existe, de fato, algum impeditivo por parte do TCE no que diz respeito ao reajuste que poderá ocorrer neste ano?
Cezar Miola – Objetivamente, não há. Inclusive, quando o município prestou esclarecimentos pela primeira vez, no ano passado, já comunicava que estava estudando um decreto para uma nova regulação em termos de planilhas e fixação de tarifas. Não há essa condição de prejudicialidade, embora isso tenha sido referido por autoridades locais. O fato é que não é o TCE que vai legislar a cerca desta matéria, porque não lhe compete.

Sul21 – O relatório dos auditores constata a ausência de licitação no setor. O TCE pode determinar que a prefeitura realize uma licitação?
Cezar Miola – Não posso colocar em que termos vai se dar a decisão, o relator é que irá se pronunciar. A rigor, o foco desta inspeção é a tarifa. Mas, do ponto de vista de competência, não há nenhuma dúvida de que o TCE tem competência para examinar essa matéria e pode, senão neste processo, em um outro, também vir a determinar (que haja licitação), embora tenhamos agora uma decisão judicial envolvendo este tema. Mas a análise das concessões ou da falta delas no processo concorrencial para a concessão é competência expressa do TCE. O TCE já analisou isso em outros municípios e poderá vir a adotar uma decisão específica quanto a isso. O que eu não posso é antecipar, mas que temos competência, sim, temos. E poderemos vir a fazê-lo.

”Essa decisão passa a ser agora uma rotina na prática de fiscalização do tribunal”

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“Poderemos também vir a examinar, uma vez publicado, o próprio edital da concorrência (do transporte público de Porto Alegre)“| Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O TCE pode determinar uma nova forma de revisão da tarifa?
Cezar Miola – O tribunal labora em cima da legislação existente no município e examina se ela está sendo observada ou não. Se identificarmos evidente inconstitucionalidade, podemos e devemos levantar esse aspecto. Poderemos também vir a examinar, uma vez publicado, o próprio edital da concrrência. Já examinamos vários editais de licitação de concessão dos serviços de transporte coletivo em municípios do interior. E até se recomenda que o tribunal o faça, dada a dimensão e complexidade de um edital desta natureza, sobretudo considerando que nós não temos procedimento concorrencial pelo menos na história recente (em Porto Alegre).

Sul21 – Como o senhor avalia a repercussão que esse trabalho teve? Em 2013, os manifestantes utilizaram dados e decisões do TCE para cobrar a prefeitura no tema das passagens de ônibus.
Cezar Miola – Avalio de uma maneira positiva, cumprimos com nossa missão constitucional. Temos o dever de fiscalizar a gestão governamental sob o aspecto da legalidade, da eficiência, da eficácia e da economicidade. Foi uma contribuição importante do tribunal em um tema muito complexo, do ponto de vista técnico, jurídico e econômico. O próprio TCE precisou qualificar alguns de seus técnicos para poder examinar com profundidade e abrangência esse tema. Esse trabalho foi motivo de satisfação para o tribunal, os servidores da Casa se sentiram valorizados com o reconhecimento. Isso aumenta a responsabilidade de todos nós. Essa decisão passa a ser agora uma rotina na prática de fiscalização do tribunal. Com esse trabalho, consolidamos um pouco mais nossa legitimação perante o conjunto da sociedade e fizemos valer um dos principais atributos dos órgãos de fiscalização: ser o olhar da sociedade pela via institucionalmente prevista. Foi e está sendo um momento importante para a história do TCE. Estamos dando passos muito significativos nesta perspectiva de pleno exercício das nossas competências constitucionais, que são muitas, indelegáveis e relevantes.

“É preciso, sim, sindicar a atuação dos membros dos tribunais de contas”

Sul21 – O senhor é favorável à criação de um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas. Como seria a atuação deste órgão?
Cezar Miola – Não sou apenas a favor, mas o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul é a favor. É uma discussão que já tem algum tempo. Há duas PECs tramitando, uma no Senado e outra na Câmara, com diferentes concepções. Pessoalmente, não defendo nenhuma delas porque acho que não são adequadas. Defendo o modelo de controle a partir de um conselho nacional porque considero importante que haja um organismo de caráter nacional para fazer a correição. É preciso, sim, sindicar a atuação dos membros dos tribunais de contas. É preciso esse olhar macro sobre a atuação dos membros e no aspecto adminsitrativo também. Não se pretende nenhuma ingerência nos julgamentos. Essa discussão não tem avançado muito no Congresso e eu me surpreendo, porque é um tema de relevância.

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“Muitas vezes se cobra do TCE aquilo que não é de sua responsabilidade” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – A criação deste conselho é defendida por todos os tribunais de contas?
Cezar Miola – Eu não teria condições de falar sobre isso. O que posso dizer é que, no âmbito da Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas (ATRICON), ela defende também o conselho.

Sul21 – O TCE é bastante criticado no que diz respeito à sua composição. Sempre que surge uma vaga de conselheiro, o corpo técnico do tribunal afirma que as indicações políticas são preponderantes. O senhor concorda com as críticas e acha que é possível modificar o sistema de indicações?
Cezar Miola – É difícil uma entrevista onde esse assunto não venha à tona… Não tenho nenhum problema em lidar com essa matéria. Há alguns dias, localizei uma monografia que escrevi em 1996, quando era auditor público externo do TCE e trabalhava em Passo Fundo. O tema era: a importância dos servidores do TCE para o controle externo. E eu comecei a reler aquilo e pensei que fui um pouco ousado a escrever certas coisas. Tenho uma posição que se mantém. Quando fui presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas e os repórter me indagavam sobre isso, eu repetia o que vou dizer a você. A primeira coisa que temos que nos preocupar é em cumprir a norma já existente – se ela não é a melhor, ela é sábia. Em relação aos pressupostos que a Constituição exige para ser ministro ou conselheiro de um tribunal de contas, contidos no artigo 73, diz que precisam ter idade mínima de 35 anos, idoneidade moral e reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública, mais de 10 anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exiga os conhecimentos mencionados.

Tudo isso faz com que tenhamos uma exigência muito rigorosa. Quem tem que aferir isso são os legitimados a fazer essa escolha: no estado, como são sete membros, a Assembleia Legislativa indica quatro e o Poder Executivo indica trễs. Das três indicações do Executivo, um é de livre escolha do governador, um é entre os membros do MPC e outro é dentre os auditores substitutos de conselheiro. Quem faz esse controle é quem tem a responsabilidade de indicar. É preciso cumprir a Constituição.

Agora, eu defenderia, sim, numa eventual mudança constitucional, que se contemplasse uma representação maior dos chamados quadros técnicos, podendo incluir o corpo técnico dos tribunais de contas, dos órgãos de controle interno da administração pública e de outras categorias profissionais, para que houvesse uma proporção maior das chamadas indicações técnicas. Mas eu continuaria defendendo a importância de o Poder Legislativo também indicar. O que eu defenderia é uma mudança na Constituição, com preponderância das indicações técnicas. Muitas vezes se cobra do TCE aquilo que não é de sua responsabilidade. Nós recebemos as indicações e, a rigor, a não ser por um evidente impedimento absoluto, não podemos nos imiscuir na escolha.

“O que eu defenderia é uma mudança na Constituição, com preponderância das indicações técnicas (para composição do TCE)

Sul21 – No Paraná, a Assembleia Legislativa perminte a inscrição de pessoas que queiram concorrer às vagas de sua indicação ao TCE. O senhor acha que esse é um bom modelo?
Cezar Miola – Não conheço em detalhes esse modelo, mas, de uma maneira geral, propiciar que haja a possibilidade de qualquer cidadão que se julgue preenchendo os requisitos se inscreva e participe do processo me parece algo legítimo e democrático, que só tende a qualificar bastante a indicação do Poder Legislativo.

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“Temos um universo de 1.265 órgãos que se submetem a nossa jurisdição” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Outra crítica bastante comum é a de que o TCE é mais rigoroso com os municípios e mais brando com o estado
Cezar Miola – Esse assunto vem muito à tona, inclusive em fóruns, quando vamos ao interior. Não concordo com essa observação, embora, pontualmente, possa exisitir algo que enseje essa leitura. Os municípios pequenos, às vezes, dizem que o tribunal também trata de forma diferente os municípios grandes. É preciso considerar a realidade de cada órgão. Somos balizados pela Constituição, pela legislação do respectivo ente que fiscalizamos, mas não podemos ignorar a realidade específica. No caso da administração estadual, já tivemos várias decisões que geraram gravame, contas julgadas irregulares e inspeções extraordinárias. Estamos realizando agora uma inspeção no IPE-Saúde, examinando o instituto desde sua criação. Temos um universo de 1.265 órgãos que se submetem a nossa jurisdição e menos de 100 são da área estadual. Quantitativamente, é muito mais provável que haja apreciação de contas irregulares no âmbito municipal.

“Nós temos um acesso parcial ainda a essas informações (de isenção de impostos concedidos pelo estado a empresas)

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“Não temos ainda uma visão panorâmica deste conjunto (de isenções fiscais), o que é fundamental para o exercício do controle externo” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Como está o trabalho de fiscalização das obras da Copa em Porto Alegre?
Cezar Miola – O trabalho se mantém de maneira adequada. A proposta sempre foi de uma metodologia de acompanhamento. O controle externo, de uma maneira geral, não é prévio. Mas o controle pode ser preventivo. As obras da Copa nos serviram de referência e já decidimos adotar essa metodologia de acompanhamento em grandes empreendimentos. Nós acompanhamos a execução orçamentária e as obras realizadas para a Copa. Os eventuais problemas identificados são levados ao respectivo conselheiro relator e ele pode então intimar o administrador a prestar esclarecimentos, conceder alguma medida cautelar. Temos uma avaliação positiva deste trabalho. O cronograma das obras acabou sendo atrasado desde a fase de projetos, o que se refletiu na execução. Houve problemas na parte operacional, o que não cabe ao tribunal responder.

Sul21 – Em diversos processos de análises das contas estaduais, o tribunal fez referência ao fato de que não obtinha acesso total aos dados das isenções tributárias concedidas pelo governo estadual a empresas. Essa realidade ainda permence?
Cezar Miola – Nós temos um acesso parcial ainda a essas informações. É claro que, toda vez que surge uma situação pontual, isso é requisitado por nossos técnicos. O que não temos ainda é uma visão panorâmica deste conjunto, o que é fundamental para o exercício do controle externo. Temos dialogado com a Secretaria da Fazenda, que coloca algumas questões importantes. Permanece, pelo menos em parte, essa dificuldade. Mas devo reconhecer que há um espaço de diálogo entre o TCE e a Secretaria da Fazenda, onde está se tentando construir o exercício de uma competência constitucional expressa do tribunal.

Sul21 – Mas qual é o argumento da Secretaria para que o tribunal não acesse esses dados?
Cezar Miola – As questões que se invoca são ligadas ao tema do sigilo (das empresas que recebem os benefícios). Nós contraditamos com o argumento de que as matérias protegidas por sigilo devem ter seu sigilo transferido ao TCE, que deverá ser responsável por ele. Esse é o nosso argumento. Inclusive temos um parecer da PGE que reafirma essa competência do tribunal.


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