Após anos de luta, Assentamento 20 de Novembro assina contrato com a Caixa para início de obras

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Sul 21
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 Foto: Guilherme Santos/Sul21
Assentamento fica em prédio que deveria ser hospital, mas nunca foi concluído | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

As trajetórias das 15 famílias que atualmente vivem no Assentamento 20 de Novembro não têm o mesmo início, mas todas se encontram na demanda por moradia popular no Centro de Porto Alegre e acabam tendo o mesmo destino. Um prédio federal abandonado por décadas, planejado para ser um hospital na época da ditadura militar, mas nunca concluído, na rua Barros Cassal, tornou-se lar e local de resistência a partir de iniciativas individuais e coletivas de diferentes grupos. Parte da história do assentamento, que agora, mesmo em condições precárias, respira vida, começa no prédio onde hoje está localizada a Ocupação Saraí.

Era 20 de novembro de 2006 quando famílias do Movimento Nacional de Luta por Moradia ocuparam o prédio na esquina da Caldas Júnior com a Mauá, onde permaneceram por alguns meses antes de serem brutalmente removidos em 2007. A partir de mobilizações direcionadas à Prefeitura, conquistaram assentamento provisório em uma casa abandonada, ao lado do Beira-Rio, que anteriormente pertencia à Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC). “Passamos alguns meses lá sem telhado, usando lona preta no teto, e foi lá que fundamos a Cooperativa 20 de Novembro. Os primeiros embriões ainda foram na Caldas Júnior, fazendo cuca, pão, artesanato. Aí quando fomos para lá começamos a produzir outras coisas, trabalhar com serigrafia, reciclagem, chegamos a ter uma prensa, tínhamos um estacionamento”, recorda Ceniriani Vargas, conhecida como Ni.

Todas essas iniciativas foram gerando sustentabilidade para as famílias e para a estrutura do local, que necessitava de diversas reformas. “Aí veio a notícia, no final de 2007, de que a Copa do Mundo viria para Porto Alegre e aquela área seria destinada para serem construídas torres de hotel, no projeto original. No fim ficou só um grande vazio para estacionar carro”, acrescenta Ni.

No mesmo período, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto destinando imóveis federais em situação de abandono para moradia popular. Foi então que o movimento descobriu o prédio na Barros e, em conjunto com a Confederação de Associações de Moradores (Conam), começou a pressionar o poder público para realizar o projeto lá.

29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Além de andares para moradia, local conta com terraço onde plantas são cultivadas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mas enquanto a Copa se aproximava, o projeto não tinha seguimento na Prefeitura, e foi apenas em 2013 que as famílias saíram da casa ao lado do Beira-Rio. A este ponto, porém, não era possível que as reformas necessárias no prédio fossem feitas a tempo de abrigar os novos moradores. O poder público também ofereceu como alternativa o bônus-moradia, no valor de R$ 52 mil para comprar uma casa, ou inclusão em projetos do Minha Casa, Minha Vida que estavam em construção. “E era isso, ou naquela época comprava tua casa e resolvia o problema, ou continuava que nem nós, até hoje lutando e esperando. E isso abriu possibilidade de outras famílias puderem vir. Mas, claro, com esse valor compraram em Viamão, Rubem Berta, Cohab, em periferias”, destacou Ni, que é coordenadora do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM).

Os que optaram por ir para o prédio federal acabaram tendo que, inicialmente, ocupar o imóvel, mesmo que todas as tratativas já tivessem sido feitas para sua moradia formal. Apenas há cerca de um mês, em março, que a escritura do Assentamento passou a pertencer à Cooperativa 20 de Novembro. “Foi muita burocracia, muito trabalho de papel, de documento. A gente foi aprendendo fazendo, não somos especialistas nisso”, lembra ela. Neste sábado (30), uma nova etapa do projeto foi concluída: a assinatura do começo das obras pelo Minha Casa, Minha Vida Entidades. Essa modalidade do programa consiste em ser organizada, planejada e gerida pela própria comunidade, sem intervenção do poder público.

29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ni vive no Assentamento com o marido e as duas filhas. Na foto, segura a pequena Tainá | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mas, além das famílias que vieram da ocupação 20 de Novembro inicialmente, havia ainda pessoas que já ocupavam o prédio quando elas chegaram lá. O acordo feito entre os que chegaram em 2013 e os que estavam lá há mais tempo foi que, para compartilhar o espaço, eles batalhariam e possibilitariam a regularização, devido ao acordo feito com a Prefeitura a partir do decreto de Lula. Como outros moradores optaram pelo Bônus-Moradia, isso também abriu a possibilidade de novos chegarem, e um novo grupo foi se formando, sempre com a ideia de pessoas que lutam por moradia no Centro.

Proximidade

Localizado entre as avenidas Voluntários da Pátria e Farrapos, o Assentamento não fica em uma área nobre, mas tem a vantagem de ficar no centro de Porto Alegre. O MNLM destaca essa característica, sempre questionando porque as moradias para pessoas de baixa renda são construídas na periferia. “Quem mora aqui é quem realmente precisa, [e o pessoal que frequenta o centro, que trabalha por aqui, que tinha que pagar aluguel no centro muito caro ou pegar ônibus o dia inteiro”, resume Ni.

Uma das pessoas que já estava no prédio é a costureira Zelma Boeira Elias, que trabalha em uma fábrica a poucas quadras do 20 de Novembro. Faz nove anos que ela ficou sabendo do local por meio de uma colega, cuja irmã morava no local, e decidiu se mudar com uma das filhas. “Era bem bagunçado, cheio de entulho, e tinha algumas outras pessoas morando, mas era perigoso porque acabávamos ficando muito sozinhas”, recorda.

29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Zelma, na foto com sua filha Adriana, foi uma das primeiras moradoras do prédio | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para ela, a localização é a principal vantagem e motivo para ter arriscado a mudança. “Eu morava na Lomba do Pinheiro antes. Saía de casa às 5:20 todo dia para chegar no horário. Eu mais andava de ônibus do que ficava em casa, e esse descanso faz muita diferença”, afirma. Sobre a assinatura do contrato que irá permitir que o local tenha maior estrutura, Zelma comemora: “é o que eu mais quero, que a gente tenha um lugar bom, melhor. Tem várias famílias aqui com crianças, precisamos ter organização e estrutura”.

Já Diomara Pereira se mudou para o assentamento há três anos, e inicialmente morava apenas em uma peça com seu filho caçula, o pequeno Miguel, que na época tinha apenas três meses. Com o tempo e com a ajuda de vizinhos, foi possível abrir espaço entre entulhos e expandir sua moradia, que atualmente conta com três peças, além do banheiro. “Hoje é realmente uma moradia, eu vim para cá e lutei por esse canto aqui. E eu continuo, vou lutar sempre”, garante ela, que trabalha na Rodoviária fazendo e vendendo pastéis, bolos e outros tipos de lanches.

29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Diomara (D) trabalha na Rodoviária e se mudou há três anos para o 20 |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Assinatura 
Neste sábado (30), além da assinatura do contrato, os moradores realizaram uma festa no local, com conversas sobre experiências de ocupações de Porto Alegre e outras cidades, apresentações artísticas, música e comidas e bebidas à venda. Além da reforma no prédio para moradia, a ideia também é fazer um projeto sustentável ambientalmente e financeiramente, a partir da colocação de placas de captação de luz solar no terraço. O objetivo da cooperativa é ainda transformar o local em sede do movimento de luta por moradia social, transformando o pátio dos fundos em espaço cultural.Confira mais fotos:

29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
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29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
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29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
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29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
29/04/2016 – PORTO ALEGRE, RS – Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
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29/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Assentamento 20 de novembro, na Barros Cassal. Foto: Guilherme Santos/Sul21
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