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10 de dezembro de 2015
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21:30

‘A lesão moral que o bloqueio dos meus bens me causou é extremamente grave’, diz Tarso

Por
Sul 21
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‘A lesão moral que o bloqueio dos meus bens me causou é extremamente grave’, diz Tarso
‘A lesão moral que o bloqueio dos meus bens me causou é extremamente grave’, diz Tarso
"Estou tratando como um equívoco jurídico, pois ao contrário seria conceber a existência de uma perseguição política sem precedentes na história do Ministério Público". (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)
“Estou tratando como um equívoco jurídico, pois ao contrário seria conceber a existência de uma perseguição política sem precedentes na história do Ministério Público”. (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)

Marco Weissheimer

O ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro disse nesta quinta-feira (10) que o bloqueio dos seus bens, no âmbito de uma ação ajuizada contra o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER) em 2002, causou-lhe uma lesão moral extremamente grave. “Já tive muito momentos difíceis na minha vida pública e na minha militância política, mas este seguramente foi um dos mais agressivos que enfrentei, porque ele não tem nenhum fundamento na vida prática, nenhuma racionalidade jurídica ou política”, disse Tarso Genro, em entrevista ao Sul21. O desembargador Carlos Canibal, da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, determinou nesta quinta o desbloqueio imediato dos bens e classificou a medida como “precipitada e ilegal”.

O ex-governador voltou a manifestar estranheza com o pedido de bloqueio de seus bens. “Estou tratando como um equívoco jurídico,  pois ao contrário seria conceber a existência de uma perseguição política sem precedentes na história do Ministério Público. Uma decisão deste tipo só poderia dar-se num ambiente de judicialização dos conflitos políticos que, até então, não tinham alcançado o Rio Grande do Sul e que estão fora da tradição do nosso Ministério Público e do nosso Poder Judiciário”, afirmou.

Sul21: Como recebeu a decisão do desembargador Carlos Canibal, determinando o desbloqueio dos seus bens?

Tarso Genro: Neste primeiro momento estou tratando de uma questão urgente, ou seja da indisponibilidade de toda a minha poupança – feita ao longo da trinta anos de advocacia – toda ela rigorosamente declarada no Imposto de Renda,  que estava e está vinculada a uma série de compromissos que assumi, tanto de natureza familiar como de natureza pessoal, que não podem ser interrompidos. Felizmente, o Tribunal de Justiça, por decisão do relator da ação ajuizada contra o DAER em 2002, – ajuizada quase dez anos antes da minha entrada no Governo Estadual -,  entendeu como ilegal, inconstitucional e abusivo este bloqueio. Ele foi determinado sem que sequer eu fosse ouvido. Esta decisão foi tomada pelo desembargador Canibal, que estava vinculado ao processo originário, que tinha e tem, portanto, pleno conhecimento da causa desde a sua origem.

Sul21: Em declaração anterior, o senhor manifestou estranheza com o fato de ter sido o único governador a sofrer o bloqueio de bens em um processo que atravessa vários governos, inclusive o atual. Houve alguma explicação sobre essa exclusividade?

Tarso Genro: Estou tratando o assunto da indisponibilidade dos meus bens como um equívoco jurídico,  pois ao contrário seria conceber a existência de uma perseguição política sem precedentes na história do Ministério Público, que pediu a indisponibilidade dos meus bens – único Governador que sofreu esta medida –  sem que ele tenha feito o mesmo pedido contra os demais que governaram, desde 2002. Como tive conhecimento do assunto das licitações do DAER, a partir do meu Governo, posso garantir que, tanto o meu Governo, como o Governo atual,  deram sequência aos procedimentos para a licitação. Tal fato  pode ser comprovado pelas ações do DAER, a partir de 2012, e pela própria sequência, dada pelo governo Sartori, que remeteu Projeto de Lei à Assembleia para, finalmente, viabilizar a licitação das linhas intermunicipais. E o fez, apoiado nos procedimentos feitos pelo meu Governo, como pode ser atestado inclusive pelo atual Secretário dos Transportes, que também teve os bens injustamente bloqueados.

Sul21: Onde reside, na sua avaliação, a ilegalidade do bloqueio de bens no caso em questão?

Tarso Genro: O bloqueio é uma violência e é ilegal,  por vários motivos e só pode tratar-se de um grande equívoco: primeiro, não sou parte, ou seja, não sou réu na ação que originou a multa; segundo, esta ação  é contra o DAER, uma autarquia, logo, uma instituição estatal independente, e a ação sequer tem sentença, pois ela ainda não foi  julgada depois de dez anos de tramitação; terceiro, o meu Governo foi o que fez o maior esforço – entre todos os governos –  para licitar com responsabilidade e qualidade técnica as linhas intermunicipais; quarto, congelar os ativos de alguém, sem sequer ouvi-lo, como ocorreu, e que não deu nenhum sinal de se esquivar de suas responsabilidades públicas, é uma flagrante lesão ao direito defesa;  quinto, decisões do Superior Tribunal de Justiça definem que é impossível cobrar multa de agentes públicos, quando eles não são parte na ação que arbitrou as multas, ainda mais quando elas foram aplicadas a autarquias; sexto, o valor das multas atingiria, hoje,  seis milhões de reais, e não um bilhão como disse o Ministério Público, nesta nova ação civil pública, o que está devidamente registrado na última decisão do Tribunal de Justiça que tratou da matéria; sétimo, é inexplicável que apenas eu tenha sido escolhido como alvo da indisponibilidade de bens e os demais governadores, não.

Afirmo que nenhum poderia ser alvo desta medida, mas escolher precisamente aquele que estava cumprindo os rituais técnicos da licitação parece uma escolha política destinada a causar um constrangimento público a alguém em especial; oitavo: admita-se a possibilidade de que a ação ajuizada contra o DAER, por exemplo,  seja julgada improcedente. Qual seria a consequência? Todas as multas desapareceriam…

Sul21: O senhor cogita, então, a possibilidade que haja um caráter político nesta decisão de pedir o bloqueio dos seus bens?

Tarso Genro: Repito: estou tratando, no processo,  a questão puramente no plano jurídico e técnico, mas, evidentemente, devo esclarecer algumas coisas na esfera pública. Uma decisão deste tipo só poderia dar-se num ambiente de judicialização dos conflitos políticos que, até então, não tinham alcançado o Rio Grande do Sul e que estão fora da tradição do nosso Ministério Público e do nosso Poder Judiciário.  A lesão moral, que esta decisão de indisponibilidade dos meus bens, me causou, é extremamente grave, como “único Governador”, até hoje, que embora tendo todas as suas contas aprovadas, teve seus bens “bloqueados”, através de uma decisão que ele sequer teve oportunidade de apresentar  a sua defesa. Este é um dano que já está feito, num ambiente político nacional de irracionalidade e de destruição da boa política republicana. Já tive muito momentos difíceis na minha vida pública e na minha militância política, mas este seguramente foi um dos mais agressivos que enfrentei, porque ele não tem nenhum fundamento na vida prática, nenhuma racionalidade jurídica ou política.

A midiatização da Justiça e do próprio processo penal (que não é caso, aliás, deste  processo, que não é um processo penal) – esta “midiatização”-  é um fenômeno recente e não é “culpa” de jornalistas ou de algumas editoriais. Trata-se de um de um fenômeno global, no qual a mídia, como poder real e em representação a determinados interesses políticos, privilegia determinados assuntos ou determinadas pessoas e partidos e forma um Tribunal privado sobre as condutas de todos  – sem qualquer conhecimento técnico ou especializado- menos dela mesma. De certa forma, este tipo de ambiente político estimula decisões que se tornam espetáculos. Nas democracias mais jovens, nas quais inexiste um sistema legal de proteção dos cidadãos, que, ao mesmo tempo em que não impeça a livre circulação da informação, proteja-os de determinados abusos de poder, tanto por parte do MP, dos Juízes como do próprio Poder Executivo, ocorrem abusos mais frequentes.

Isso, tanto poder ocorrer  por inspiração em qualquer experiência totalitária -fascista ou stalinista- onde o devido processo legal é substituído por expedientes administrativos, por medidas de urgência ou pelo poder de polícia, como pode ocorrer pelo piloto automático,  embalado pela selva da luta política sem tréguas.  A divulgação de determinadas notícias, às vezes, equivale a um julgamento, e a exposição pública de pessoas, que podem ter sofrido abusos de poder de qualquer origem, equivale quase sempre a uma “pena” antecipada.

Sul21: O senhor disse que sofreu uma grave lesão moral neste caso. Pretende tomar alguma medida judicial a respeito?

Tarso Genro: O Ministério Público do Rio Grande do Sul é de gente séria e a Justiça também. Vou ver como correr atrás do prejuízo.


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