Em Destaque|Últimas Notícias>Geral
|
27 de julho de 2015
|
13:03

Jornada de agroecologia envia conselho a Dilma: ‘Vem pro campo, vem pra rua’

Por
Sul 21
[email protected]
Pedro Biava/RBA
Mais de 3500 participantes de movimentos populares que integram a Via Campesina participaram na cidade de  Irati (PR)| Foto: Pedro Biava/RBA

Da RBA

Não por acaso a pequena cidade de Irati, a cerca de 150 quilômetros de Curitiba, foi escolhida para sediar durante a semana que passou a 14ª Jornada de Agroecologia, evento que reúne camponeses do estado e de diversas outras regiões do Brasil com o objetivo de debater alternativas para a produção de alimentos saudáveis no país. O município abriga o escritório regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Paraná e está localizado na principal rota de escoamento de produtos paranaenses para o Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Entre os dias 22 e 25, mais de 3500 participantes de movimentos populares que integram a Via Campesina, além de técnicos, acadêmicos, pesquisadores e profissionais da saúde e educação alteraram o ritmo da pequena cidade de pouco mais de 50 mil habitantes.

A primeira conferência ficou a cargo do coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Via Campesina João Pedro Stédile. Ainda embalado pelo recente encontro com o papa Francisco durante o Encontro de Movimentos Sociais na Bolívia, Stédile evocou as palavras de pontífice para ressaltar a urgência da mudança no modo de produção alimentar. ”Como disse o Papa, vivemos numa casa comum, onde todos os seres vivos: vegetais, animais, bactérias e seres humanos convivemos, e um depende do outro. Acontece que a humanidade está em perigo. Existe hoje uma hegemonia do modus operandi do capital financeiro e das transnacionais que está dominando a produção de alimentos”.

Ainda segundo Stédile, a crise econômica internacional agrava a degradação dos recursos naturais, o que torna o tema da agroecologia, mais que questão de saúde pública, de salvação do planeta. ”As grandes empresas do capitalismo mundial estão se voltando para a natureza para tratar de se apropriar, de privatizar tudo o que nós consideramos um bem comum”, alertou.

O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, participou do evento. Segundo ele, nos últimos anos, foi possível avançar na consciência da população sobre a qualidade dos alimentos que consomem, mas a correlação de forças políticas ainda não permitiu o Brasil avançar em políticas que promovam a produção agroecológica. ”Não há governo no Brasil que, frente ao tamanho da nossa sociedade, tenha força para modificar o sistema de produção. Ainda precisa haver um profundo amadurecimento da sociedade, porque o governo é a expressão da sociedade”, disse.

Carvalho destacou a dificuldade pessoal para realizar articulações em prol da produção agroecológica durante o tempo em que trabalhou junto ao governo federal. ”Eu trabalhei 12 anos dentro do governo lutando por essa causa e sentindo a dificuldade na correlação de forças, principalmente no Legislativo. Se formos votar hoje no parlamento uma lei sobre os agrotóxicos, é possível que tenhamos uma lei regressiva, que piore a situação. Por isso, o que temos de fazer é investir força nesse processo de conscientização e mobilização social, o que os movimentos corretamente fazem”, defendeu.

Visibilidade

Paralelamente às conferências, uma extensa programação de oficinas, seminários e intervenções culturais expôs avanços da agroecologia no Brasil, a partir da experiência dos movimentos populares do campo, suas formas de organização, mobilização e formação política. ”Isso é resultado do que acontece todos os dias do ano nas bases, nas comunidades, nos acampamentos, nos assentamentos, nos territórios quilombolas, indígenas e pequenos agricultores. Nesses quatro dias de Jornada está tudo isso presente: os conhecimentos tradicionais, as práticas agroecológicas, o debate político-filosófico da agroecologia, o debate cultural da agroecologia. A jornada propõe dar visibilidade ao que nós construimos no dia a dia, a agroecologia”, disse Céris Antunes, integrante da comissão organizadora da Jornada.

Os moradores de Irati tiveram acesso à feira agroecológica, onde encontram a preços solidários alimentos produzidos nas comunidades e assentamentos rurais, além de produtos derivados, sem qualquer adição de elementos químicos prejudiciais à saúde e ao ambiente. Silvana, produtora rural do Contestado, na região centro-sul do Paraná, fala com orgulho dos alimentos que levou para compartilhar: ”Tudo o que trouxemos é orgânico, sem veneno. O que se compra no supermercado provoca câncer e diversas outras doenças. Ao passo que na nossa terra, a única coisa que agregamos é o amor e o carinho”.

Apesar de ser realizada há 14 anos pelos agricultores do estado do Paraná, muitos participantes vieram de longe para participar da Jornada de Agroecologia. Uma delegação de 40 paraguaios cruzaram a Ponte da Amizade para compartilhar suas realidades e levar do Brasil a larga experiência do movimento campesino brasileiro em matéria de produção agroecológica. ”Sempre viemos com muita expectativa delevar novos conhecimentos, novas experiências para poder contribuir com o processo de construção da agroecologia no Paraguai”, disse Félix Martínez, integrante da delagação paraguaia.

Dilma deu ‘bolo’

Mesmo criticada pelo movimento camponês brasileiro por ser a presidente que menos avançou nas políticas de reforma agrária, a presidenta Dilma Rousseff se dispôs a participar da Jornada de Agroecologia na sexta-feira (24). Organizadores e participantes chegaram a festejar a confirmação da notícia na véspera. Na noite do mesmo dia, o clima do evento mudou, quando começaram a chegar as equipes de segurança e cerimonial da Presidência da República. Um esquema de segurança foi montado no Centro de Tradições Willy Laars para receber a presidenta.

Minutos antes da hora prevista para sua chegada a Curitiba, foi informado pela assessoria de imprensa do Planalto que a visita havia sido cancelada por falta de condições de pouso no Aeroporto Internacional Afonso Pena, na capital paranaense. O ”bolo” da presidenta causou desconforto.

No fim da noite, durante o ato político, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, leu uma carta enviada por Dilma em que ela pediu desculpas pela ausência e relatou os avanços de seu governo em relação à agroecologia. A presidenta também ressaltou a importância estratégica das Jornadas de Agroecologia que, em suas palavras, ”demonstram a capacidade de alcançar o desenvolvimento participativo com responsabilidade social”. O ministro enfatizou em sua intervenção o compromisso de que, até o fim da atual gestão, ”não exista um camponês sequer no Brasil vivendo debaixo da lona”.

A presença de Patrus e de outras autoridades do estado do Paraná serviu também para a assinatura de adesão dos produtores rurais aos programas de Aquisição de Alimentos e ao Programa Terra Forte, ambos do governo federal, que proporcionam assistência técnica e recursos para pequenos produtores rurais de todo o país.

Pedro Biava/RBA
O teólogo, Frei Betto, direcionou a presidenta: “que o Brasil tenha que fazer ajuste fiscal, todo mundo está de acordo, mas que só o trabalhador tenha que carregar o piano, não dá” | Foto: Pedro Biava/RBA

Conselhos de Frei Betto

A última conferência do evento foi realizada pelo escritor Frei Betto, anunciado no palco como um dos mais importantes parceiros do movimento de luta pela terra no Brasil. O teólogo elencou conselhos para a militância, defendeu a construção do socialismo e chegou a comparar erros históricos da Igreja Católica com o fracasso do socialismo soviético.”Não é porque houve a inquisição que a Igreja fracassou”. E aconselhou: ”Mantenham viva a indignação de vocês”, disse.

E lamentou a ausência de Dilma. ”Eu ia parabenizar a presidenta porque finalmente resolveu sair do Planalto e se encontrar com os movimentos sociais. Uma pena que ela não veio (…) Dilma, presidente, vem para o campo, vem para a rua, se faça presente”, entoou. E mandou seu recado: “Dilma, que o Brasil tenha que fazer ajuste fiscal, todo mundo está de acordo, mas que só o trabalhador tenha que carregar o piano, não dá”.

A 14ª Jornada de Agroecologia terminou no sábado, 25, com uma solenidade mística construída com o objetivo de promover o intercâmbio de mudas e sementes entre os agricultores.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora