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25 de junho de 2015
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16:39

Demonstrações de intolerância passam do mundo virtual para o real

Por
Sul 21
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Calçada em frente onde ao prédio onde mora o paresentador Jô Soares foi pichada com ameaça após entrevista com Dilma|Foto: Brasil 247
Calçada em frente ao prédio onde mora o apresentador Jô Soares foi pichada com ameaça, após ir ao ar entrevista com a presidente Dilma|Foto: Brasil 247

Jaqueline Silveira

As manifestações de ódio disseminadas em redes sociais ao longo da campanha eleitoral à presidência da República, em 2014, acentuaram-se de lá pra cá e ganharam atualmente um tom mais intimidador. Recentemente, o humorista e apresentador Jô Soares e a deputada federal Maria do Rosário (PT) foram vítimas de ameaças fora do mundo virtual. Já o escritor Fernando Morais foi alvo de mais uma demonstração de intolerância na última terça-feira (23), no Facebook.

Uma semana depois de ir ao ar uma entrevista com a presidente Dilma Rousseff em seu programa na Rede Globo, Jô foi ameaçado em uma pichação na calçada do prédio onde mora, em São Paulo, com a frase “Jô Soares Morra”. “Eu comecei a ter uma reputação de petista fanático porque saí em sua defesa quando começou aquela onda absurda, louca, de ‘fora Dilma’. A pessoa não acredita muito que na democracia, quando a pessoa é eleita, tem que se respeitar o voto”, disse o apresentador, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, sobre a pichação.

Logo depois de receber ameaça de morte em shopping, Maria do Rosário se manifestou no twitter|Foto: Reprodução Twitter
Logo depois de receber ameaça de morte em shopping, Maria do Rosário se manifestou no twitter|Foto: Reprodução Twitter

O caso envolvendo Maria do Rosário ocorreu na noite da última sexta-feira (19), enquanto ela circulava por um shopping da Capital junto com sua mãe, de 80 anos. Na ocasião, ela foi ameaçada de morte por um homem que estava acompanhado de uma criança. “O sujeito movido pelo ódio é um patético, arrogante. Mas não posso negar, esse ódio começa a comprometer a esperança de que possamos retomar o rumo do fortalecimento da democracia”, desabafou a deputada no Twitter, logo depois do episódio.

Já a ameaça de morte ao escritor Fernando Morais ficou limitada às redes sociais. Ele foi alvo de manifestações de ódio por ter criticado a viagem de senadores da oposição a Caracas, Venezuela, que pretendiam visitar opositores ao presidente Nicolás Maduro que estão presos no país caribenho. Morais questionou quanto teria custado a viagem dos “patetas”.  “Por favor, alguém mate esse lixo humano”, escreveu um internauta no Facebook. Em sua página na rede social, o escritor comentou a ameaça: “Abro a internet e descubro que sou um lixo humano que deve ser morto”.

Manifestações são reflexo da sociedade

Para a professora do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rochele Fellini Fachinetto, “esse fenômeno” não pode ser dissociado do que é o tecido social brasileiro e, portanto, não é algo novo. “Nossas relações foram mediadas por muita violência”, explica ela, sobre o comportamento da sociedade desde a época colonial. No contexto atual das redes sociais, Rochele, que também é professora do Departamento de Sociologia da UFRGS, avalia que essas plataformas digitais têm potencializado o discurso de ódio. “Isso reflete um pouco como as pessoas não conseguem dialogar com os divergentes. Isso mostra que nós não sabemos lidar com o conflito na sociedade. E, por não saberem solucionar seus conflitos e divergências de forma civilizada, as pessoas muitas vezes recorrem a uma mediação violenta”, constata ela.

Rochele defende que “a divergência precisa existir”. Atualmente, analisa a professora, as manifestações têm tomado proporções maiores, como, por exemplo, com a prática de discursos racistas, que é crime, sob o argumento da liberdade de expressão. “A liberdade de expressão não pode destituir o direito do outro”, frisa Rochele.  Na opinião da professora do Departamento de Sociologia, o discurso simbólico nas redes sociais ganha “peso material” à medida que as ameaças passam a ser concretas, atingindo a dignidade humana. “As redes socais, de alguma forma, autorizam os sujeitos a colocarem um discurso de ódio”, acrescenta ela.

Implicações mais concretas

As redes sociais, de acordo com a pesquisadora do grupo Violência e Cidadania, reforçam pensamentos semelhantes e desencadeiam “implicações mais concretas”. “Isso é extremamente preocupante”, alerta Rochele, relembrando que já ocorreram linchamentos a partir de boatos disseminados na internet. Por esse motivo, ela ressalta que é preciso ter cuidado, já que nem sempre essas pessoas que ameaçam buscam só chamar a atenção. “Isso é assustador não ficar em uma dimensão virtual”, comenta ela.

O aumento de demonstrações de intolerância atualmente, avalia a professora do Departamento de Sociologia, é resultado de uma visibilidade, que é consequência de “uma série de modificações, como a instituição de cotas e a diminuição da pobreza. Ela acrescenta à lista dessas mudanças a inclusão e a visibilidade de pautas das minorias. Essas questões, conforme Rochele, têm produzido uma reação de grupos que não aceitam esses avanços, acentuando o confronto.  “Essa questão poderia avançar com mais democracia e não com retrocessos de direitos. Os ganhos de um grupo não significam a perda de outro”, defende a professora, acrescentando que é preciso haver “um amadurecimento” da sociedade para “lidar” com posições divergentes.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
A deputada Maria do Rosário | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Intolerância estimulada pelo conservadorismo religioso e incentivos da mídia

Professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFRGS, Paulo Peres comenta que anteriormente existiam alguns episódios envolvendo atores de novela que faziam papéis de vilões e chegaram a ser agredidos. Já em relação a políticos, conforme ele, atentados ocorriam na Região Nordeste. Entretanto, desde a última eleição presidencial, as manifestações de ódio com caráter político e ideológico se acentuaram virtualmente.

No caso de Maria do Rosário, ex-ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, observa o cientista política, já há alguns casos de agressões verbais, relembrando o episódio com o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). No ano passado, o parlamentar fluminense afirmou que “só não estupraria a petista, porque ela não merece”. Também pesa para as agressões contra ela, segundo o professor, o fato de ela ser uma defensora das minorias.

Em um contexto geral, as manifestações de intolerância, avalia Peres, têm sido reforçadas por “um conjunto de incentivos que vêm dos veículos tradicionais”, pela rejeição ao PT e pelo conservadorismo das igrejas pentecostais e evangélicas diante do avanço de pautas em defesa dos direitos humanos. “Esse clima combina várias coisas. Existe um substrato latente junto com essas coisas circunstanciais”, destaca o cientista político, referindo-se, por exemplo, ao fato de o PT estar há mais de 12 anos no poder, às denúncias de corrupção e à polarização que está maior e gera embates políticos acirrados.

Ainda sobre o episódio envolvendo a deputada, Peres analisa que há vários níveis de ameaça, mas que contra a petista, ela foi mais explícita. “O que ela sofre é bullying”, acrescenta o professor. Ele afirma que é difícil de prever o que poderá desencadear uma ameaça desse tipo, contudo recomendou à Maria do Rosário ter cautela. “Eu acho que é o caso de ficar atento”, afirmou o cientista político.


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