Débora Fogliatto
Os moradores da Ocupação Saraí e o governo do Rio Grande do Sul tentaram, nesta terça-feira (29) dialogar com o proprietário do prédio – localizado no Centro de Porto Alegre e ocioso há dez anos – para entrar em um acordo sobre sua utilização. Em uma audiência solicitada pelo secretário estadual de Habitação Marcel Frison e mediada pela juíza Cláudia Maria Hardt, o proprietário do imóvel, Ricardo Deconto, da Risa Administração e Participações LTDA, não aceitou a proposta de venda do prédio e pediu novo processo de reintegração de posse, com prazo de 60 dias.
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Durante a audiência, enquanto o secretário tentou apresentar propostas, o proprietário e seus advogados se contradisseram, primeiramente afirmando que queriam colocar o imóvel à venda e em seguida dizendo que o utilizariam como sede da empresa. Diante da impossibilidade de negociação, o governo do estado deverá assinar um decreto de desapropriação do imóvel para moradia social.
“Se isso acontecer, o estado decreta o prédio como de utilidade pública, abre o processo de desapropriação e isso vai para a Justiça, se não for acordado um valor”, explicou Frison. Nesse caso, a reintegração de posse não seria mais válida, pois o imóvel deixa de pertencer aos proprietários, mas para isso é preciso que o processo seja aberto durante os 60 dias.
A audiência
Iniciada às 15h em ponto, a audiência contou com a presença de alguns moradores da Saraí. A ocupação foi chamada pela juíza inicialmente de “salas comerciais”. A magistrada só passou a se referir ao imóvel como “prédio” após a militante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Ceriniane Vargas da Silva – conhecida como Ni -, ter dito que não se tratavam de salas, mas de andares inteiros.
“Após três invasões, a intenção da empresa é mesmo a venda, certo?”, questionou a juíza. A princípio, os advogados dos proprietários confirmaram a informação. O secretário Frison, então, ressaltou que o estado quer procurar uma solução que contemple tanto o direito à moradia como o direito à propriedade. Ele apresentou o estudo técnico preliminar realizado, que verificou um valor de R$ 2 milhões para a compra do prédio. A militante do MNLM, Ni, lembrou que o prédio foi adquirido dez anos atrás, em estado bem melhor, por R$ 700 mil.
O advogado do proprietário, Paulo D’Ávila, afirmou que o imóvel está à venda por R$ 4,5 milhões. “O senhor tem noção do custo de adaptar para moradia?”, questionou, ressaltando que o prédio tem alto valor comercial. Ele perguntou ao secretário se não seria mais adequado “gastar dinheiro em algo que possa beneficiar mais famílias”. Os advogados ainda disseram que havia uma oferta de R$ 3,5 milhões pelo imóvel, e um corretor imobiliário estava presente na audiência para garantir essa informação.
“Nós temos vários exemplos de prédios em situações piores em todo o Brasil que foram adaptados. Temos interesse em viabilizar para moradia”, assegurou Frison, apontando ainda que não tinha intenção de “discutir visão de mundo” durante a audiência, mas sim buscar um acordo prático. Ele também frisou que a adaptação para moradia popular no prédio poderia ser construída a partir do programa federal Minha Casa, Minha Vida.
Para o secretário, o interesse súbito dos proprietários em utilizar o prédio se trata apenas de especulação imobiliária. “Essas ocupações só demonstram que o prédio não foi utilizado, se estivesse sendo usado como sede não seria ocupado”, ponderou. Questionado pelo advogado da Risa, Paulo D’Ávila – que estava um pouco exaltado -, se havia então a intenção de desapropriar todos os prédios desocupados do estado para moradia, Frison lembrou que essa medida já foi tomada em relação a três grandes imóveis e pretende continuar adotando essa política pública, “a começar por esse”, concluiu.
Houve um pequeno tumulto entre o advogado e o secretário quando D’Ávila se exaltou e, gritando, questionava os motivos do governo e o valor investido na compra do prédio. Frison pediu respeito e a juíza afirmou que a gritaria não era necessária.
O proprietário do prédio, Ricardo Deconto, se manifestou pela primeira vez para afirmar então que havia decidido colocar a sede de sua empresa, com 300 funcionários, no imóvel. “Nós vamos colocar a sede da empresa lá, está decidido. Não temos interesse em vender”, reiterou, dizendo saber que isso pode “demorar um pouco”. Questionado sobre por que não pôs a empresa no prédio antes, Deconto disse que “o momento no Brasil não era favorável ao comércio”.
Deconto pediu para a juíza expedir a nova ordem de reintegração de posse. Ela acatou o pedido, levando em conta que a reintegração pedida em setembro havia sido interrompida por solicitação do governo do estado para que pudesse haver negociações. A juíza Hardt lamentou que a Brigada Militar possivelmente tenha que interferir se houver uma ação de reintegração de posse, pois há famílias e crianças lá.
“Nós já vivemos uma reintegração em 2007, sabemos como é. E o prédio continuou abandonado”, destacou Ni. Diante da impossibilidade de negociar, Frison disse que irá informar o governador Tarso Genro (PT) da situação para que ele decida se deve entrar com reintegração de posse. Apesar de ainda não ter a confirmação do chefe do Executivo, o secretário acredita que Tarso tomará a decisão pela desapropriação.
Manifestação
Durante a audiência, um grupo de moradores e apoiadores da Saraí fez uma manifestação em frente ao Palácio Piratini, para pressionar o governo a buscar uma solução. Os representantes que participaram da reunião depois foram até o local e informaram que a proposta de construir uma alternativa havia sido negada. “A postura do proprietário foi completamente negativa, mas isso não é diferente do que imaginávamos. Não temos mais muito como ir para o Judiciário, tentamos de todas as formas”, lamentou Ni.
A ideia dos moradores, agora, é tentar se reunir com o governador, para pedir que ele assine o decreto de desapropriação do imóvel. Há também um objetivo de construir uma proposta junto a arquitetos e engenheiros para pensar nos modelos de habitação para o prédio.
As 30 famílias que vivem no imóvel localizado na esquina da rua Caldas Júnior com a Avenida Mauá, no Centro de Porto Alegre, ocupam o prédio há oito meses. É a ocupação mais longa desde que foi utilizado como moradia popular pela primeira vez, em 2005. O imóvel, que funcionou como escritórios da Caixa Econômica Federal, foi adquirido pela família Deconto, que comanda a Risa Administração LTDA, nos anos 2000, e ficou abandonado desde então. O prédio já foi ocupado outras três vezes, sendo a mais longa delas até agora por quatro meses, entre 2006 e 2007. O grupo foi despejado em uma ação truculenta da Brigada Militar, que utilizou helicópteros e caminhões na operação, em 2007.
Confira aqui as fotos do ato dos moradores da Saraí em frente ao Palácio Piratini