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1 de abril de 2014
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20:37

Entidades aguardam resposta da OEA sobre violações de direitos humanos durante protestos Brasil

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Sul 21
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Manifestante é preso em SP no ano passado: entidades avaliam que Estado está endurecendo repressão / Foto: Mídia Ninja
Manifestante é preso em SP no ano passado: entidades avaliam que Estado está endurecendo repressão / Foto: Mídia Ninja

Débora Fogliatto

Um grupo de nove entidades ligadas a direitos humanos no Brasil denunciou casos de violência policial à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos na última sexta-feira (28). Eles apresentaram um documento com cerca de 200 casos de abuso durante as manifestações que aconteceram no ano de 2013. Após ouvir as denúncias e os representantes do Estado brasileiro, a comissão deve decidir se irá pedir soluções para os problemas por parte do governo do país.

Na audiência, quatro representantes dos peticionários relataram os casos de abusos policiais e enumeraram 12 recomendações para que a OEA peça ao Estado. Uma das recomendações foi feita diretamente à organização, solicitando que enviasse representantes ao Brasil buscando dialogar com a sociedade brasileira e estudar a possibilidade de aprofundar o debate através de um informe temático. Nas próximas semanas, a CIDH deve se posicionar publicamente a respeito das denúncias.

Para a advogada Mariana Chies Santos, do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS (SAJU), e para a vereadora de Porto Alegre Fernanda Melchionna (PSOL) – duas das quatro pessoas que falaram durante a audiência – o Estado brasileiro não respondeu ao que os movimentos cobraram. “O Brasil de certa forma admitiu que houve violência, porque não respondeu nada sobre isso. Falaram que existem mecanismos, mas nada na prática”, criticou Mariana.

Os representantes da OEA presentes questionaram a respeito da punição e identificação de policiais responsáveis por casos de violência, mas não obtiveram uma resposta direta a respeito. “Eles não responderam nada, porque sabemos que nenhum foi punido. No caso de Porto Alegre, nós não só não tivemos punição, como não seguiram o compromisso da identificação dos policiais, e ainda vimos a invasão das casas de jovens manifestantes”, ponderou Fernanda.

O relatório levado por Porto Alegre foi realizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara e pelo SAJU, e nele constam 17 relatos de agressão e violência policial durante as manifestações do ano passado. Durante a audiência, os presentes citaram mais de 200 casos de abusos e as 23 mortes relacionadas à atuação policial nos protestos.

A audiência 

Foto: Reprodução/ Youtube CIDH
Mariana Chies enumerou as doze recomendações feitas pelo grupo  | Foto: Reprodução/ Youtube CIDH

A reunião aconteceu às 11h30 de sexta-feira, em Washington, Estados Unidos. O primeiro a se manifestar para relatar as denúncias foi Rafael Custódio, da organização Conectas Direitos Humanos. Ele destacou que a polícia atua em manifestações “sem identificação, portando armas letais, atuando com extrema brutalidade e forjando flagrantes”. Além disso, segundo ele, há iniciativas nos âmbitos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que visam criminalizar os movimentos sociais.

As entidades então apresentaram um vídeo de pouco mais de três minutos em que cidadãos falam sobre prisões arbitrárias e violências sofridas durante os protestos. “Nenhum policial foi responsabilizado pelos abusos e violações”, destacou Natália Damazzio, da Justiça Global.

A advogada do SAJU Mariana Chies enumerou as 12 recomendações feitas pelos grupos. Dentre as solicitações, está a de que os manifestantes não sejam impedidos de captar materiais de som e imagem, e que os captados pela polícia sejam disponibilizados na íntegra para consulta da sociedade civil. Também foi recomendado que seja proibido porte e uso de armas de fogo por policiais acompanhando manifestações, e que “o uso de armamento menos letal só poderá ser determinado pelo comandante da operação e em último caso, começando sempre pelo diálogo”, assim como que todos os policiais estejam devidamente identificados durante os protestos.

As organizações ainda pediram que o Estado brasileiro posicione-se em relação ao debate sobre desmilitarização da polícia e amplie as esferas de diálogo com os movimentos sociais; a responsabilização de agentes estatais por abusos cometidos a partir da criação de órgãos independentes e autônomos para monitoramento da segurança pública; que seja fornecida capacitação técnica a todos os PMs que atuam em manifestações de acordo com a normativa internacional vigente; que manifestantes detidos sejam levados a delegacia mais próxima com a presença de advogados e defensores públicos e, em caso de detenção de adolescentes ou crianças, que sejam levadas para delegacias especializadas.

Natália Damazzio, da organização Justiça Global, lembrou que os auto de resistência nos casos concretos não foram abolidos, com afirmou o governo, mas sim houve a criação de uma portaria pedindo sua extinção. Após a exposição, os comissionados fizeram perguntas, situação em que a vereadora Fernanda Melchionna destacou que, em Porto Alegre, o dossiê sobre violência policial foi entregue a vários órgãos, mas não houve nenhuma medida efetiva. “O que vimos foi um aumento da criminalização dos movimentos após esse dossiê”, lamentou.

Foto: Reprodução/ Youtube CIDH
Carlos Paranhos afirmou que o direito à livre manifestação é assegurado na Constituição | Foto: Reprodução/ Youtube CIDH

Estado

Os representantes do Estado tiveram o mesmo tempo fornecido aos peticionários para fazer sua exposição. O embaixador Carlos Antônio da Rocha Paranhos, subsecretário geral político do Ministério das Relações Exteriores afirmou que “os direitos à liberdade de expressão e reunião em locais públicos estão entre os pilares do ordenamento jurídico brasileiro”, citando que isso está assegurado pela Constituição do país. Segundo ele, a afirmação de que estaria em curso uma “política federal de repressão e desmobilização de manifestações, configurando um estado de exceção, não encontra reflexo na realidade”.

Paranhos também lembrou que a presidenta Dilma Rousseff recebeu pessoalmente representantes de movimentos sociais e afirmou que as forças armadas “possuem competência para garantir a lei e a ordem”. Os representantes do Estado ainda mencionaram que foi abolida a denominação de “resistência seguida de morte”, que foi substituída por “homicídio” nos casos de mortes cometidas por policiais.

O representante do Brasil na OEA, Breno Dias da Costa, afirmou que “o Estado buscou ouvir e compreender a voz das ruas, que solicitou um futuro de mais direitos, mais participação e mais conquistas sociais”. Segundo ele, foram tomadas iniciativas com vistas ao aumento da segurança dos manifestantes e representantes da imprensa, como a formação de protocolos padrão de segurança pública para atuação dos agentes do estado e a criação de grupos de trabalho para avaliar medidas na prevenção de violência.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Em Porto Alegre, houve 17 relatos de agressões no dossiê elaborado | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A iniciativa

A audiência foi um pedido das nove organizações que elaboraram o documento enviado à OEA: Justiça Global; Conectas Direitos Humanos; Articulação Nacional do Comitê Populares (ANCOP); Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH); Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU/UFRS); Artigo 19; Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro; United Rede Internacional de Direitos Humanos (URIDH); Quilombo Xis – Ação Comunitária Cultural.

“Consideramos inaceitável a criminalização de movimentos sociais enquanto país democrático; consideramos absurdo que tenhamos leis de exceção tramitando no Senado brasileiro e ilegal a maneira como a polícia de diversos estados vem tratando as pessoas que se manifestam na rua. Por isso, buscamos essa audiência para explicitar o que para nós é evidente: o Estado violou direitos humanos básicos de maneira sistemática durante as manifestações”, explicou a advogada do SAJU/RS, Mariana Chies Santos.

O documento elaborado pelos grupos afirma que, desde junho de 2013, foram contabilizadas mais de 1.700 detenções no contexto das manifestações. O vídeo levado à audiência mostra o caso de um repórter fotográfico que ficou cego, uma jovem que foi presa e chutada arbitrariamente por estar portando uma câmera, assim como situações em que jornalistas e advogados foram agredidos.

Confira aqui o vídeo de três minutos que foi transmitido na audiência e a audiência na íntegra:


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