Cortes Na Educação
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8 de setembro de 2019
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11:12

Cortes no ensino superior afetam formação de professores da educação básica. Cursos EAD ganham espaço

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Sul 21
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Cortes no ensino superior afetam formação de professores da educação básica. Cursos EAD ganham espaço
Cortes no ensino superior afetam formação de professores da educação básica. Cursos EAD ganham espaço
ao cortar recursos das universidades federais, o Governo prejudica a formação dos professores que atenderão crianças e adolescentes. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Felipe Prestes

Ao contingenciar recursos do ensino superior, o Governo Federal alegou que a prioridade era a educação básica. A alegação não se sustenta não apenas porque o MEC congelou R$ 2,4 bilhões que seriam destinados para as escolas públicas, mas também por outro motivo: ao cortar recursos das universidades federais, o Governo prejudica a formação dos professores que atenderão crianças e adolescentes no futuro, ou a formação continuada daqueles que já estão em sala de aula. Enquanto as federais passam por um aperto financeiro, os cursos de ensino a distância crescem vertiginosamente no país, principalmente nas áreas voltadas à docência.

Um levantamento da ONG Todos pela Educação, com dados do Censo da Educação Superior de 2017, mostra que “os ingressos em cursos voltados à docência aumentaram de 443,3 mil para 638,3 mil entre 2010 e 2017”, um crescimento de 44%. Mas este aumento ocorreu principalmente na rede privada modalidade EAD, passando de 128,5 mil ingressantes em 2010 para 336,1 mil em 2017, um acréscimo de 162%.

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Com este crescimento, a modalidade EAD já abocanha mais da metade dos ingressos em cursos voltados à docência. Em 2010, os cursos privados EAD eram 29% dos ingressantes nos cursos que formam professores. Em 2017. este número passou para 53%. Somados com os cursos EAD de universidades públicas, “61% dos ingressos nos cursos voltados à docência foram na modalidade EAD em 2017”. A ONG ressalta que no Chile, país da América Latina de melhor desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), é proibida a formação inicial docente por EAD.

Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foto: Guilherme Santos/Sul21

A professora da Faculdade de Educação da UFRGS Mariângela Bairros também é contra os cursos EAD na formação inicial. “Eu não sou contra EAD, eu dou curso de especialização a distância. Mas na formação inicial eu sou contra”, explica. Bairros avalia o crescimento dos cursos a distância na formação inicial de docentes como fruto de uma política. “Tudo isto é dentro de um projeto político articulado para reduzir as responsabilidades do Estado com a educação superior”.

A falta de recursos nas universidades públicas preocupa professores do ensino básico. “O corte nas universidades é extremamente grave. Tanto para a formação inicial dos professores, quanto para a pós-graduação, pois nosso entendimento é de que a formação do professor é contínua. Uma formação sólida depende de investimentos. E a falta destes investimentos afeta diretamente o trabalho pedagógico nas escolas”, afirma Candida Rossetto, secretária-geral do CPERS.

Para a dirigente sindical a desvalorização do professor da educação básica faz com que a busca por uma formação de qualidade não tenha o retorno adequado, por isto os cursos EAD ganham tanto espaço. “A profissão docente não é valorizada, é pouco atrativa, e paralelamente vai avançando em ritmo galopante da formação por EAD, que, em alguns casos, é quase a venda de certificação, podemos dizer. Como não é atrativo, as pessoas acabam se submetendo. E essa questão dos cortes vai batendo diretamente nessa formação”, lamenta.

Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, aponta a existência de um círculo vicioso que vai precarizando a educação no país. “Desde 2015, mas com maior aprofundamento a partir da emenda 95 e agora com os cortes de Bolsonaro, a queda de investimentos na educação atinge diretamente o financiamento do ensino superior e, no conjunto, das licenciaturas, mas com a falta de perspectiva para a melhoria da qualidade da educação básica pela falta de investimentos, a profissão de professor fica ainda mais desvalorizada e seguimos em um ciclo vicioso de precarização do direito à educação”.

Os professores de educação básica do país são formados pelas universidades. Foto: Luiza Castro/Sul21

Formação continuada de professores da educação básica e sofre com cortes 

Como o Sul21 mostrou em reportagem anterior desta série, o orçamento executado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que já foi de R$ 7 bilhões em 2015, no ano passado foi apenas R$ 3,8 bilhões. A CAPES financia programas de formação de professores, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), que, em 2016, ainda no Governo Dilma, teve quase metade das bolsas cortadas. A entidade também financia programas como o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) e do Programa de Residência Pedagógica.

“Os cortes inviabilizam políticas de formação continuada realizadas em todo país pelas IFES. Cancelamento de bolsas de iniciação da docência, de eventos, de formações, de elaboração de material didático são a tônica hoje”, afirma o doutor em Educação e Pós-Doutor em Sociologia pela UFRGS Gregório Grisa.

O anúncio feito na última semana de corte de 5.613 bolsas de mestrado e doutorado da CAPES é uma preocupação a mais para o ensino básico brasileiro, que já sofre com a carência de recursos. “Os cortes na Capes afetam significativamente a pesquisa, ciência e tecnologia no país, mas afetam também o ensino. Os professores de educação básica do país são formados pelas universidades. Para alguns estudantes de ensino superior e futuros professores, o fim das bolsas pode significar o fim de especializações, formações para a docência e licenciaturas. E a formação de nossos professores da educação básica fica ainda mais comprometida”, lamenta Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

Criado em 2007, o PIBID busca criar um vínculo entre futuros professores e as escolas desde a graduação. O estudante recebia uma bolsa para atuar na escola, com um planejamento orientado por professores, mas em 2016 o governo reformulou o programa. “Houve uma descaracterização, os alunos passaram a dar reforço escolar em matérias como português e matemática. E o programa foi perdendo força, você precisa ampliar bolsas, não reduzir. Você pode acabar um programa em um canetaço ou ir reduzindo, o programa vai se extinguindo”, afirma Mariângela Bairros.

Bairros conta que a universidade atua de diversas maneiras na formação continuada dos professores. Ela destaca, por exemplo, a Escola de Gestores – projeto que integrou o PARFOR. “Durante mais de uma década as universidades ofereceram formação para diretores e vice-diretores de escolas, e também para coordenadores pedagógicos. Este programa foi encerrado pelo Governo Federal no ano passado”, lamenta.

A professora da Faculdade de Educação da UFRGS destaca também o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). A ideia do pacto, criado em 2012, é fazer com que os alunos se alfabetizem entre os seis e os oito anos. As universidades atuam como coordenadoras, recebendo professores de toda a região para formação, e esses profissionais depois atuavam como multiplicadores nas suas escolas. “Eu destacaria este programa como muito importante. Houve um aporte muito grande de recursos e deu muito certo”, afirma Mariângela Bairros.

Hoje, o programa segue em andamento, mas sofre com a redução de recursos, relata a professora. “Pode ter uma política pública sem recursos. Mas, em geral, em políticas de formação continuada, tu tens que trazer o professor, tem esta mobilidade, então ele vai precisar de uma diária. E tudo isso é resultado de um aporte de recursos. Tu vais realizando cortes, isso vai comprometendo todo o trabalho da universidade. É preciso cobrar do Estado brasileiro que volte a investir no ensino superior, que amplie as vagas, que volte a fazer os investimentos que está se desobrigando a fazer”.

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