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10 de maio de 2018
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13:58

A luta de classes na batalha das ideias: movimentos sociais x movimentos populares (por João Pedro Stédile)

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Sul 21
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A luta de classes na batalha das ideias: movimentos sociais x movimentos populares (por João Pedro Stédile)
A luta de classes na batalha das ideias: movimentos sociais x movimentos populares (por João Pedro Stédile)
“Temos identificado uma crescente distorção no uso do termo Movimento Social”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

João Pedro Stedile (*)

A partir da década de 1990, o termo Movimentos Sociais vem sendo propagado nos espaços internacionais da esquerda, adquirindo especial relevância a partir de 2001, nas seguidas edições do Fórum Social Mundial (FSM), nos quais se organizavam Assembleias dos Movimentos Sociais.

Neste período, o uso dessa expressão tinha um claro conteúdo político, pois caracterizava a organização de sujeitos da classe trabalhadora que tinham uma luta social específica e que não estavam necessariamente organizados nos tradicionais sindicatos ou partidos da esquerda.

Nos últimos períodos, sobretudo a partir da crise internacional do capitalismo inaugurada em 2008, temos identificado uma crescente distorção no uso do termo Movimento Social, que vem sendo cada vez mais caracterizado de forma genérica, como toda e qualquer articulação, rede, movimento ou luta que aglutine um determinado grupo humano, e portanto social.

Partindo desta concepção distorcida, temos visto por toda a América Latina a proliferação de pequenos grupos de direita e de extrema direita, organizados principalmente através das redes sociais da internet, serem denominados Movimentos Sociais. Estes têm aglutinado sobretudo os setores de classe média insatisfeitos com os governos progressistas e de esquerda, e tem sido muito úteis à ofensiva neoliberal e golpista que tem avançado na região principalmente na disputa das mobilizações de rua com as organizações da esquerda.

Entendemos que o uso genérico do termo desconsidera totalmente a perspectiva de análise a partir da luta de classes, o que têm um grande impacto sobre a identidade e a linha de ação da esquerda na região, por isso não é tarefa menor enfrentar este debate e assumir uma posição sobre ele.

No âmbito da ALBA Movimientos (Articulação Continental de Movimentos Sociais da ALBA – Aliança Bolivariana das Américas) – que hoje agrega organizações de 24 países em torno de um projeto de integração popular para a região -, iniciamos em Julho de 2015 um debate para passarmos a usar o termo Movimentos Populares, no intuito de não perdermos o caráter de classe trabalhadora com o qual nos identificamos. No entanto, não demos sequência a este debate e não avançamos em concretizar uma deliberação coletiva rumo a um conceito único que caracterize a especificidade e identidade desse sujeito.

Desde então, a confusão segue, e vemos que mesmo nos espaços da esquerda seguimos utilizando ambos os termos para identificar as organizações da classe trabalhadora.

Conforme mencionei acima creio que este não é um debate menor. É de suma importância que retomemos este debate e avancemos, o mais breve possível, em chegar a um acordo coletivo sobre o uso do termo.

Assim sendo, me atrevo a defender que devemos passar a utilizar somente o termo Movimentos Populares, para nos identificar nos espaços nacionais e internacionais que atuamos e em todos os documentos que publicamos. Desta forma, eliminaríamos o uso do termo Movimentos Sociais.

No atual contexto internacional, somente com o uso do termo Movimentos Populares poderemos caracterizar que somos organizações que vêm do povo, sendo que, em nosso entendimento, o povo, especialmente nos países de economia dependente e subordinada, não é outra coisa senão a classe trabalhadora, em seu sentido amplo, como a classe que vive do seu próprio trabalho.

As frações de classe burguesas dominantes em nossos países, somadas à determinadas parcelas da pequena burguesia, não se identificam como povo, por isso em suas articulações não podem considerar-se movimento popular, ainda que possam considerar-se movimentos sociais. Ademais, interessa muito a estes setores a adoção deste último termo, pois ele pode dar a (falsa) impressão de que suas organizações tem uma ampla representação na sociedade, o que lhe daria mais legitimidade na disputa das ideias e das ruas.

Temos clareza que para sermos rigorosos com o conceito, o ideal seria utilizar “movimentos da classe trabalhadora”, no entanto, entendemos que a partir da primeira ofensiva neoliberal dos anos 1990, e da reestruturação produtiva aplicada por esta, houve um grande impacto na classe trabalhadora como um todo, mas em especial no operariado industrial urbano, que perdeu muitos postos de trabalho, e cada vez mais vive do trabalho precarizado e informal, além de estar muito mais concentrado nos setores de serviços em detrimento dos setores produtivos.

Desde então, a classe que vive do seu trabalho já não é somente o tradicional operariado urbano que se organiza em seu sindicato. As trabalhadoras e os trabalhadores têm se organizado de formas diversas, tais como: nos movimentos camponeses; movimentos indígenas e afrodescendentes; movimentos por moradia e por direito à cidade; movimentos de juventude; movimentos culturais, de comunicação; movimentos feministas, LGBTs; entre muitos outros.

Para abarcar esta diversidade, caracterizar mais claramente esses sujeitos organizados e fazermos a luta de classes também com a arma das ideias, é fundamental que passemos a utilizar somente o termo Movimentos Populares em nossas diversas intervenções orais e escritas.

(*) Militante do MST, da Via Campesina, da Frente Brasil Popular e da ALBA Movimientos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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