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4 de abril de 2020
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16:18

Godot-Messias chegou e deve ser mandado embora

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Sul 21
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Godot-Messias chegou e deve ser mandado embora
Godot-Messias chegou e deve ser mandado embora
“Esperando Godot”, de Samuel Beckett, no Avignon Festival, 1978. (Foto: Fernand Michaud/Creative Commons CC0)

Tarso Genro (*)

Godot é um não-personagem de Samuel Beckett, um Messias comprado numa feira de arrabalde, onde as mercadorias baratas são descarregadas pelo contrabando, para suprir as necessidades e os desejos daquele consumo limitado dos mais pobres. Godot nunca chega, na peça de Beckett. Era um fantasma da história, mas no Brasil chegou como tragédia, que já pode ser dispensada inclusive pelos seus próprios criadores. Sob pena de atolar o país num sonho de maldades, num deserto de ideias, de alimentos e de cultura – onde não restará nada sequer para ser disputado – nosso Godot deve ser mandado para casa, para o cárcere ou para o Hospício.

“Mães que não sabem dos seus filhos (…) se derramam em lágrimas nos braços dos repórteres de televisão que se aproximam para lhes perguntar algo” (EfeGlobo online, O1.09.05, Furacão Katrina); na grande inundação do Rio Amarelo em 1931 -“um dos piores desastres naturais de todos os tempos”- morreram 1,4 milhões de pessoas e 88 mil kms quadrados foram totalmente inundados; são 270 os mortos pelo rompimento da Barragem do Brumadinho, maior desastre ambiental da mineração no Brasil. As catástrofes -mais ou menos amplas- com mais ou menos mortos, cobertas ou não pela imprensa ocorrem com ou sem a colaboração do Poder Público e as dores, que delas resultam, atingem  todo tipo de gente e pessoas de todas as classes e idades.

O fato delas sempre atacarem mais duramente os mais pobres não seleciona que os sofrimentos sejam mais, ou menos importantes: cada ser humano atingido, cada mãe que busca um filho, cada pai sacrificado, cada criança, idoso -independentemente do tempo de vida que lhe resta- é um pedaço da humanidade que se esvai num universo de dor e deixa uma constelação de afetos rompidos, perdas inaceitáveis para os que ficam.

Seja pela inépcia do Poder Público, seja pela legalidade natural que o Homem tentou enquadrar e submeter e que, de repente, se rebelou na sua inconsciência impiedosa, cada catástrofe desafia a Humanidade de cada um e testa, em todos, a capacidade de ver o outro como um igual, pelo menos perante o incerto e o incontrolável aviso da finitude.

A catástrofe não suspende a política, mas torna-a mais universal e une os desiguais como gênero em legítima defesa da sobrevivência. Deixemos bem claro, para as contas do futuro, – como base da moralidade política de uma nova democracia fora do controle do capital – que quem pensa que a vida do outro humano é menos importante do que a sua, é um traidor da espécie humana e um mercador dos seus irmãos.

Recentemente, um Manifesto assinado por um grupo de lideranças importantes do país, Flávio Dino, Ciro Gomes, Roberto Requião, Juliano Medeiros, Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Gleisi Hoffmann, Carlos Siqueira, Manuela D’Ávila e Carlos Lupi, pediram que Bolsonaro renunciasse. O documento, cujo conteúdo teve o apoio do Presidente Lula, conseguiu adesão importante do PV e da Rede, através da Senadora Marina Silva e do Senador Randolphe Rodrigues.  As grandes tensões políticas que o nosso país atravessa foram radicalizadas pela Pandemia e pelas atitudes de um Governo, que antes de ser conservador ou fascista, é inepto, demencial e desprezado na cena política internacional.

É um Governo que parece ter relações evidentes com o crime organizado, que despreza a ciência e a educação e que tem no seu Ministério figuras absolutamente estranhas e desreguladas, mentalmente, que até desconfiam que a terra é plana, que vacina adoece e que Jesus Cristo não nasceu para simbolicamente nos salvar, mas para abrir “templos” onde a boa fé popular paga por unguentos ungidos e para ouvir prédicas de ódio fundamentalista.

O menor custo de saída para crise é renúncia de Bolsonaro, que já não governa, para que a sociedade possa se unir em torno de um objetivo comum, de transição para um outro patamar histórico, ainda não construído: proteger a todos, ter políticas especiais de proteção dos mais pobres, restabelecer o diálogo
político racional e respeitoso, para amenizar o sofrimento de todos e preparar um futuro em que estas
figuras doentias, que ora estão nos governando, se tornem apenas uma má lembrança nos canais secundários da História.

(*) Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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