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13 de julho de 2019
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18:12

Henry Miller e Beatriz Sarlo, por Lula e contra o fascismo (velha e nova política)

Por
Sul 21
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Henry Miller e Beatriz Sarlo, por Lula e contra o fascismo (velha e nova política)
Henry Miller e Beatriz Sarlo, por Lula e contra o fascismo (velha e nova política)
Lula (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Tarso Genro (*)

O grande escritor Henry Miller, numa das memoráveis entrevistas publicadas pela revista “Paris Review”, respondendo sobre seu interesse pela política, disse que encarava a política “como uma coisa inteiramente suja, um mundo podre. Não se chega a parte alguma através da política. Ela avilta tudo”. E mais adiante: “tem-se de ser despretensioso, possuir algo de assassino, para ser político, pronto e disposto a ver o povo sacrificado, massacrado, a bem de uma ideia, seja esta boa ou má. Quero dizer: esses são os políticos que tem êxito.”

O juízo absoluto sobre a política, feito de forma a suprimi-la dos contextos históricos em que ela se realiza, é um juízo “apaixonado”. É um juízo que – no caso de Miller – está baseado em duas premissas falsas. Primeira falsidade: ao contrário do que ele diz, que “não se chega  a lugar nenhum pela política”, sempre – por ela – se “chega” a “algum lugar”. Inclusive à sua negação e a assassinatos de quem não concorda com este juízo. Segunda falsidade: a “ideia boa ou má”, que busca dar sentido à política, não esta suspensa no limbo da História. A ideia política transformada em ação está vinculada aos “meios” escolhidos para a realização dos “fins” que os partidos (ou os políticos-líderes) querem obter com as suas ações.

Os “políticos”, portanto, sempre “escolhem entre alternativas” e nesta escolha não são todos iguais. E não possuem – sejam de esquerda ou direita- necessariamente ímpetos assassinos nem intenções completamente boas ou completamente más. Na verdade, o que é verificável empiricamente é que, quem rejeita a política, faz desta rejeição um processo totalitário de realização da sua própria política. Por quê? Porque ele “deseja” que a política seja seu monopólio integral, quando expulsa o outro da esfera da discussão e esta esfera passa a ser um espaço só para a imposição das suas ideias.

Aliás, possuem ímpetos assassinos de natureza pessoal, principalmente os que entendem que a “política” – com as suas deformações e grandezas – é desnecessária para solucionar os conflitos de ideias. Aqueles que propagam os assassinatos como “política” para alcançar fins dito como nobres, são os especialmente
mais perigosos, pois não precisam de argumentos, mas  só de gestos e indiferença cúmplice de quem forma a opinião pelos meios de comunicação, para chegarem ao poder total.

De outra parte, também possuem ímpetos assassinos na democracia, os que tem por método – para eliminar da “política” os adversários – utilizar a “exceção” como regra. E assim banalizar o mal, arregimentando os espíritos mais sórdidos que o individualismo burguês criou, para maquiá-los em função dos seus interesses de classe.

Entendo que são exemplos irrefutáveis dos desejos políticos, transformados em paixões irracionais, a trajetória de Hitler, Mussolini e Pol Pot; e são exemplos de grandeza da política – como Humanidade e Justiça – os desempenhos de Roosevelt, na “Grande Depressão Americana”, Churchil na 2a. Guerra, de Che e Mandela, na luta contra as iniquidades do imperialismo e do racismo.

Vejamos o que o contexto nacional nos diz sobre o assunto, tratando da questão da “nova” e da “velha política”, como está sendo observada pela maioria dos meios de comunicação tradicionais. Estes são aderentes, cúmplices e protagonistas da reforma trabalhista e da reforma da previdência, que vai alastrar a pobreza e humilhar o cidadão-trabalhador pela miséria, já que foram reformas negativas, não substituindo um sistema de direitos por outro compatível com os tempos “tecnológicos” e “digitais” que hoje vivemos.

Com a finalidade de aprovar estas reformas as “mídias” dominantes foram obrigadas a reforçar, às vezes, a representação de Bolsonaro como originária da “nova” política. Fizeram-no como se a estupidez, a
ignorância e a grossura, fossem elementos do “novo”, no cenário nacional. Outras vezes – quando
necessitavam votos no Congresso para aprovarem a chacina de direitos – estimularam as
relações tradicionais da “velha política” – “troca de votos por dinheiro”- no Parlamento. Nesta  segunda hipótese chamaram atenção que o Presidente deveria ser “realista” e “negociar”, falsificando o argumento de que aí estavam em jogo “os fins nobres” – a possibilidade de crescimento e do emprego- que as reformas produziriam.

A indicação do filho do Presidente para Embaixador nos Estados Unidos é um elemento da nova ou da velha política? O desaparecimento de Queiroz, a falta de informação sobre o arsenal de guerra encontrado no Condomínio do Presidente, a aprovação na Comissão Mista, da MP da “liberdade econômica”, que faz mais um brutal ataque ao rebaixado nível de vida dos trabalhadores, é parte da nova
ou da velha política?

A complacência da Polícia com uma Brigada fascista que atacou o Festival de Parati, cujas armas são livros e poesia, a indiferença para com os intermitentes, precários, terceirizados, meio-jornadistas,
doentes e famintos – crianças e velhos – que voltaram às sinaleiras, são parte da nova ou da velha política? A ausência de qualquer informação sobre a tentativa de homicídio do Presidente Lula, num Estado em que o seu Governador foi golpista e está (ou foi) preso por corrupção – tudo isso – é da “nova ou da velha política?

Beatriz Sarlo, num clássico que não me canso de reler para aprender -“A Paixão e a Exceção”- diz que “amparado no desejo” (exemplo, o “desejo” de fazer o bem pela política) não pode se estabelecer uma “paixão”. Porque o desejo é volátil e se desloca sem fixar-se, logo, o desejo – tanto amoroso como político – pode ceder ao convencimento e mudar de sentido. Ele é “lábil e flui”, diz Beatriz.

Já a paixão vem de um saber imaginário ou real, que se torna maníaco e desprende-se das suas causas, porque se abriga na paranoia ou na ideologia. Ou em ambas. O desejo faz a política, a paixão em política
suprime a razão e pode se tornar fascismo.

Nestes momentos é que a classes dominantes, que controlam o dinheiro, a informação, a taxa de juros e os cordéis de um parlamento majoritariamente idiotizado, fazem as suas opções. Temo que já as tenham feito e que todos os que prezam a democracia, o Estado como  promotor da igualdade e sustentáculo da liberdade, tenham que se preparar para o pior.

Soltem Lula, que ele coordenará uma concertação republicana e democrática para isolar o fascismo e reerguer o Estado Social para debelar a crise! E assim devolver ao Brasil o prestígio que o nosso país tinha no mundo, quando Lula governava. Sem ódio. Sem paranoias!

(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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