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30 de junho de 2019
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13:01

“A verdade é grande, mas maior é o silêncio”. Huxley e a barbárie

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Sul 21
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“A verdade é grande, mas maior é o silêncio”. Huxley e a barbárie
“A verdade é grande, mas maior é o silêncio”. Huxley e a barbárie
Foto: José Cruz/Abr

Tarso Genro (*)

“Um estado totalitário realmente eficaz seria aquele em que um executivo todo poderoso constituído de chefes políticos e de um exército de administradores controlasse uma população de escravos que não precisassem ser forçados, porque teriam amor à servidão. Fazê-los amá-la é a tarefa atribuída, nos atuais estados totalitários, aos ministérios da propaganda, editores de jornais e professores”. É Huxley – no seu Prefácio tardio ao “Admirável Mundo novo”- vinte anos depois da primeira edição da sua obra prima de 1932.

No mesmo texto, mais adiante, Huxley diz que “a verdade é grande, mas maior ainda – do ponto de vista prático – é o silêncio sobre a verdade”. E segue após alguns parágrafos: “sem segurança econômica não é provável que venha existir o amor à servidão”. O texto do grande escritor sobre o silêncio quanto à verdade e a (aparente) segurança econômica, que pressupõe o amor à servidão, são dois traços históricos
de um momento em que morrem – agora claramente – os traços de civilidade democrática da burguesia mundial, que foram recuperados no pós-guerra. Ora em diante sua dominação só pode ser realizada como patologia social: Trump e Bolsonaro aí estão.

As frases de Huxley nos ajudam a refletir sobre as posições servis ao fascismo, que a grande maioria das editorias políticas da mídia tradicional adotam, não só na já escarrada manipulação para prisão de Lula, mas igualmente para verdade (silenciada), que o pleito que elegeu Bolsonaro foi “roubado”, com a criação – como diz o próprio Dallagnol – de fatos “simbólicos” em plena campanha, pela violação (de “exceção”) das regras do devido processo legal. Os poderosos fazem assim – meticulosamente – o “silêncio sobre a verdade” e perseguem a proliferação do “amor à servidão”, através do convencimento
midiático manipulado: substituem a “segurança econômica” real pela unidade subjetiva em torno do mantra fundamentalista do ódio ao diferente e ao “globalismo”.

Ao promoverem o liberal-rentismo rompem com as mínimas defesas que o Estado Social destinara aos pobres; ao promoverem as reformas, exigem vender o patrimônio nacional a preço vil; ao odiarem a universidade pública, acionam a Polícia para liquidar o senso crítico da Academia; ao depreciar da educação pública nomeiam um Ministro de Educação que não passaria num teste psicotécnico medianamente exigente.

O silêncio da mídia dominante com tudo isso, sua indiferença programada às grosserias do Presidente e
com o seu despreparo para tratar quaisquer assuntos de Estado, só tem paralelo  com os planos da burguesia alemã – durante a ascensão política de Hitler – que pensava “controlá-lo” depois que ele chegasse ao poder. O resultado foi a hecatombe da 2a. Grande Guerra, o Holocausto, a miséria moral, material e política da Alemanha ocupada.

Hoje no Brasil  a luta de classes tradicional foi substituída pela disputa entre o que sobrevive de civilização e a implementação da barbárie. Na barbárie em preparo os “chefes políticos” de que nos fala Huxley (com seu “exército de administradores” da exceção)  foram substituídos por gerentes dementes do rentismo que, nos seus cálculos assépticos, não lidam com números que referem a seres humanos. Pensam em cifras e “métodos”, onde os cadáveres da fome e da miséria são limpos percentuais de sacrifício para combater a inflação.

O apelo ao fascismo, portanto, não é só um resultado político da crise econômica do capital, mas o é -sobretudo – a sua doença mental não terminal, onde ele se recicla pelo ódio, substituindo os argumentos pela violência e a  resposta da política sofisticada pela mobilização miliciana.  A libertação de Lula
neste contexto seria uma reposta das instituições do Sistema de Justiça do Estado à barbárie que já saturou a sociedade brasileira e adoeceu uma boa parte dela. Não existe prova mais contundente disso do que o próprio Presidente da República replicando os símbolos da morte e do ódio numa “Marcha de Jesus”, sob o silêncio acrítico da mídia dominante.

As cuidadosas e sérias divulgações dos materiais clandestinos da Lava Jato pelo Intercept, que agora mostram as manifestações explícitas de Dallagnol manejando clandestinamente a exceção – para interferir no resultado eleitoral – combinadas com as revelações de denúncias negociadas contra Lula,
deixam claro que chegamos ao fundo do poço. É hora, portanto, das próprias instituições do Estado brasileiro – que são mais legítimas do qualquer Governo já que vem do pacto constituinte – começarem a limpar o Estado dos que se desviaram das suas funções republicanas e se entregaram aos delírios da exceção e do fascismo. Sem  isso vencerá a barbárie.

(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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