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2 de junho de 2019
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21:45

A humildade covarde que não venceu Lumumba

Por
Sul 21
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A humildade covarde que não venceu Lumumba
A humildade covarde que não venceu Lumumba
Patrice Lumumba (Reprodução/Youtube)

Tarso Genro (*)

Não tem nenhum precedente que possa se firmar como referência que mostre que as políticas utra liberais (ou neoliberais) “deram certo”, para diminuir a pobreza, gerar uma sociedade com mais coesão e combater o desemprego. Seus resultados foram sempre mais pobreza, criação de postos de trabalho precários e concentração de renda. Isso se viu inclusive nos governos da suposta “terceira via”, como o de Blair na Inglaterra e o Governo de Hollande na França.

O projeto neoliberal de Macri, na Argentina, está afundando aquele país no desespero da fome dos miseráveis e no endividamento sem saída. No Brasil, o “deponham a Dilma que o PIB dobra!” – que só foi aceito como veraz por ignorantes ou manipuladores da opinião pública – se esvai num Governo
demencial e medieval, que se ampara num filósofo na vanguarda da fixação anal.

As instituições têm uma postura de “humildade” perante as agressões fascistas aos seus integrantes, como se as ofensas pessoais a magistrados, que eventualmente não se adequam aos desejos da extrema direita e dos milicianos das redes, fossem um direito da perversão fascista que nada livremente nas correntezas da exceção.

Na luta que os povos africanos travaram contra o colonialismo, o assassinato das lideranças que defendiam a independência nacional era um padrão clássico de violência, que sacrificava – sem cerimônia – os líderes nacionais em ascenso, para manter o país sob controle a dominação imperial-colonial. O que fizeram aqui no Brasil, seletivamente, utilizando de forma articulada e militante parte do Sistema de Justiça para eleger Bolsonaro, é um tipo de violência institucional “adaptado”.

Neste caso ele corresponde à integração do país na reorganização do sistema do capital, em escala global, para – subordinando o Estado de Direito às necessidades férreas da acumulação financeira privada – relativizar  a soberania popular. A humildade das instituições republicanas perante o fascismo, todavia, não é de agora, pois na época de sua deputação o atual Presidente cometeu claramente crimes, quando em diversas oportunidades fez apologia da tortura e do assassinato de adversários, sem nenhuma reação digna de nota, seja da imprensa tradicional seja da Justiça Penal.

San Bernardo de Cralaval dizia – na concepção da Teologia Cristã – que “a humildade é a virtude pela qual o homem, com verdadeiro reconhecimento de si, se tem a si mesmo por vil”. Nesta hipótese, ele ficaria bloqueado por aquele que, pela fé, lhe exigiria a obediência cega ou silêncio obsequioso. O velho Kant, todavia, identificava a “humildade moral com o sentimento de pequenez do nosso valor em relação à (força da) lei.” Nesta identificação, o homem ficaria livre do medo e da conivência e ergueria, como
humilde perante a lei, a força da Constituição contra a humilhação fascista.

O que falta, portanto, em parte significativa dos homens e mulheres que compõem as nossas instituições é furar o boqueio do medo, que lhes impõe o fascismo, para então superar a “pequenez” das suas convicções pessoais e temores, perante aquele Estado de Direito forjado nas lutas seculares pela democracia.

Em 5 de fevereiro de 2002 o Governo Belga pediu desculpas ao povo congolês por ter assassinado em 11 de janeiro de 1961, numa ação que envolveu oficiais do Exército Belga e agentes dos serviços de inteligência americanos, o flamante líder político, ex-sindicalista e servidor púbico, intelectual e inspirador da juventude do país, Patrice Lumumba. Tentavam sufocar as aspirações nacionais e colocar sob controle das lideranças que surgiam “à direita”, o novo pacto de dominação com as metrópoles coloniais Foi o que fizeram. Patrice Lumumba morreu com a dignidade que viveu.

Steve Bannonn, para estes mesmos fins  – na era do capital financeiro – substituiu, e ao mesmo tempo formulou para  os órgãos de inteligência públicos dos EUA (e corporativo-empresariais) uma estratégia midiática e político-organizativa para derrotar e humilhar as instituições republicanas de 88. E conseguiu.  Na Inglaterra, como resultado do “tatcherismo” – desde 2010 – o número dos “sem abrigo” aumentou 60% e quase  13 das crianças do Reino Unido padecem em situação de pobreza. No Brasil -que já alcançou taxas invejáveis de crescimento e emprego durante os Governos Lula- a economia se afunda na recessão, no desemprego, na violência miliciana e na radicalização política.

É um pesadelo que isso tenha sido conseguido em eleições pervertidas pelos “fake news” e pelo controle
da ditadura perfeita da maioria da mídia na formação da opinião: o povo foi manipulado para pensar que o problema era o PT e que Bolsonaro e Haddad eram a ponta de dois extremos.

Conseguiram, assim, chegar ao pesadelo perfeito, com a demonização da política e a colocação do país no ridículo perante a comunidade internacional. Jogaram também as Forças Armadas para aventura de funcionar como sustentação política de um governo de medievalistas e despreparados, para viabilizar uma agenda carente de um mínimo de coerência e responsabilidade.

“A história tem a realidade atroz de um pesadelo – diz Octávio Paz –  e a grandeza do homem consiste em fazer obras belas e duráveis com a substância real deste pesadelo”, para liberarmo-nos – ainda que por algum momento – “da realidade disforme por meio da criação”. Esta, na poesia, é feita de tal forma que
o sopro mágico modele a palavra como um vidro. Mas a criação, na política, não maneja a realidade disforme e lhe dá um sentido, se o fascismo conseguir colocar o medo em nossos corações. As ruas já estão dizendo que podemos, num breve tempo, formatar o futuro no sentido do humanismo e da razão.

(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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