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11 de março de 2019
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01:31

Os alemães temiam Trotsky, o mercado a comunicação

Por
Sul 21
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Os alemães temiam Trotsky, o mercado a comunicação
Os alemães temiam Trotsky, o mercado a comunicação
Leon Trotsky (Reprodução)

Tarso Genro (*)

As jornadas de junho de 2013, independentemente das intenções individuais de cada participante ou protagonista, e mesmo do juízo sobre as insatisfações que grassavam em relação ao Governo Dilma – aquelas jornadas – constituíram a base política e agruparam um largo espectro social de insatisfeitos –dentro e fora dos partidos – que nos trouxeram até a tragédia institucional que estamos vivendo hoje, no Brasil. O “impechament” é filho daquelas jornadas e Bolsonaro é o seu produto mais especial.

Um presidente cheio de ódios e ressentimentos que parece não saber onde está, um processo de destruição do mínimo de Estado Social – regras protetivasregulação das relações de trabalho em processo de dissolução -, uma distorção profunda nas funções do Sistema de Justiça. E mais: um Ministério -nas áreas principais de Governo- com quadros despreparados, fundamentalistas religiosos ou integrado por pessoas com visíveis perturbações psíquicas. Eis uma síntese generosa do que é o Governo atual, cuja Engenharia começou lá naqueles movimentos aparentemente espontâneos.

Qual o mistério que envolve, todavia, a “governabilidade” de um Presidente que não governa e que se ocupa, predominantemente, de quaisquer funções, menos das responsabilidades presidenciais? Que não orienta a conduta política dos seus Ministros, que é corrigido – reiteradamente – pelo seu Vice e seu porta-voz, e cujas lideranças nas casas parlamentares não estão sequer unificadas para justificar os seu “surtos” de violência verbal?

Como se explica que há Governo, mesmo assim, e que ele poderá emplacar – em grande parte – a reforma da previdência? Tenho para mim que as formas de operação da Governabilidade – consenso social mínimo, formas legítimas de chegada ao poder, capacidade cultural para exercer a hegemonia – não servem mais de filtro para compreender as reais condições de acesso e manutenção do poder, que se constituíram nos últimos 40 anos.

Em junho de 2013, numa situação política e econômica muito mais favorável do que a presente, o Governo da Presidente Dilma  foi levado à inércia, depois à ingovernabilidade e, finalmente, ao “impeachment”, tudo sem qualquer ação “subversiva” de grupos armados e sem ameaça real de golpe militar. Em 2019, o Presidente eleito, que disse que era necessário matar 30 mil, que desafiou o mundo civilizado apoiando expressamente a tortura, que defendeu as milícias e debocha dos direitos humanos – que posta vídeos pornográficos e ataca o Carnaval – mantém-se tranquilo, sem ameaça de impeachment”.

A situação se explica porque a crítica radical do seu “fenômeno” mítico  – com a sua concreta incapacidade de governar – não pode ser feita sem que a ela provoque um choque brutal com o “mercado”. Ele, o mercado, é o fiador da permanência de Bolsonaro no Governo e cotidianamente incide na subjetividade social, através da mídia tradicional. Assim convence que a reforma da previdência salva o Brasil e que Bolsonaro é o instrumento atualmente único para realizá-la. O resto não interessa.

Tomemos um exemplo de “esquerda”, de condições de ruptura revolucionária, diferente da ruptura institucional que ocorreu com a derrubada de Dilma que manteve – depois do “impeachment”-  a democracia política funcionando, mesmo que corroída nas suas entranhas. Trata-se da situação revolucionária criada na Alemanha em 1923, na qual pela passividade do Partido Comunista Alemão (KPD) – segundo Trotsky – os comunistas perderam de aproveitar as condições objetivas e subjetivas (políticas, de “consciência” majoritária”) para uma mudança radical que estaria madura na sociedade alemã.  O mesmo Trotsky disse, na oportunidade, que perder aquele momento era “perder uma situação revolucionária de excepcional importância histórica e  mundial”. Tratava-se ali de uma disputa de partidos, com sujeitos políticos visíveis, Partido Comunista, Social-Democrata e partidos de direita e  centro direita, com  as suas ligações de classe delineadas programaticamente.

Na derrubada de Dilma os partidos – ao contrário do que ocorria nos conflitos da já vigorosa sociedade industrial alemã – não foram sujeitos determinantes, nem no Governo, nem na oposição. Nem na formação dos argumentos no debate público sobre a crise. Os partidos foram irrelevantes, tanto para planejar o golpe como para defender a Presidenta, pois no máximo acompanharam os fluxos
aparentemente espontâneos dos movimentos de massas  -“contra” ou “a favor-, cujas consignas vinham produzidas pelas mídia tradicional, sob comando do mercado”, já cansado das “vacilações” da Presidenta sobre as reformas.

Como o mercado não lida com valores morais nem com afetos, não lida com princípios que não sejam “objetivos”, nem com a vida ou a morte das pessoas, ele transfere as suas orientações e manipulações, de uma parte, diretamente à burocracia estatal e, de outra, aos grupos sociais – através da grande mídia – já que hoje estes estão dispersos no desemprego, na precariedade, na intermitência e nas dificuldades de pagar as dívidas do armazém..

O título do artigo da competente Marta Sfredo, no dia 7 de março, em Zero Hora, sintetiza de forma transparente o que os apoiadores de Bolsonaro, no mercado, temem do seu Presidente: “Mercado teme problemas de comunicação!”  Ou seja, não temem as milícias, não temem a misoginia, não temem a liberação das armas, não temem o culto da morte dos adversários, não temem pornografia presidencial, o mercado teme as falhas da “comunicação”, porque isso pode atrapalhar o que mais interessa para salvar o país: a reforma da previdência! Só que isso é mentira do mercado.

(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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