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3 de setembro de 2020
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17:17

Uma reforma administrativa com jeito de lobo-guará

Por
Sul 21
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Divulgação

Sergio Araujo (*)

Nem vou entrar no mérito do projeto para a reforma administrativa do serviço público federal. Me nego a fazer isto vindo de onde vem. A questão é: Como um presidente que sequer conseguiu montar um ministério qualificado e confiável pode achar que sabe como aprimorar o serviço público modificando as relações entre Estado e servidor?

Mais, como ter expectativa de que deputados e senadores poderão apresentar sugestões que possam aprimorar o projeto e evitar injustiças, se grande parte deles está sob suspeita da prática de corrupção? Bastam os monstrengos produzidos pelas reformas trabalhista e previdenciária para constatar que de onde menos se espera, daí mesmo que não sai nada de positivo. Pelo menos para os trabalhadores e para a população mais necessitada dos serviços públicos.

E o mais incrível, a proposta de desmonte da máquina pública acontece em plena pandemia, quando os servidores e a maioria da população estão isolados em suas casas, se protegendo do covid-19. Ou seja, não podem se mobilizar adequadamente para defender seus direitos e suas conquistas. Nitidamente, se havia algum momento inoportuno para propor medidas que afetam substancialmente a vida de milhares de trabalhadores, era esse.

Mas tal qual uma ave de rapina que se alimenta da carcaça de um animal abatido, o que pode ser ruim para muitos, é vista como uma oportunidade única para poucos. E nesse aspecto o liberalismo econômico e seus parasitas são insensíveis e implacáveis. Você não lê, escuta ou vê – e quando isto acontece é de maneira muito sutil e superficial -, alguma manifestação contra os privilégios dados à magistrados, parlamentares (por que não fazem a reforma política?), rentistas, grandes empresários e outros mais. Aí o bem estar da população e o zelo pela aplicação dos recursos do consumidor ficam em segundo plano.

Mas quando se trata de atacar, criticar, acusar e enfraquecer o servidor e o serviço público não falta agressor. A começar pelas grandes empresas de comunicação, que usam seus veículos para induzir os leigos de que os servidores públicos são uma casta de privilegiados e que a continuidade do serviço público nas mãos do Estado é a garantia de fracasso. E faz isto mesmo quando tem pela frente um presidente que, diariamente, trata a mídia com descaso e desprezo num antes visto. É que quando se trata de atender o “deus Mercado”, até mesmo as bravatas e ofensas do “mito” se tornam toleráveis.

E assim segue a triste sina do servidor público, presa indefesa de um sistema opressor e implacável, que coloca o vil metal acima da vida das pessoas e até mesmo da natureza. Que tem no seu representante político um Judas ganancioso, que só pensa e age ao seu bel prazer ou para aqueles pelo qual deve obrigação e não raro, dependência econômica.

Depois da reforma administrativa, quando nada mais sobrar do orgulho e do entusiasmo do servidor público, o que restará dessa categoria que tanto bem fez ao país? O que restará ao cidadão que não possui dinheiro para pagar por serviços hoje gratuitos ou fornecidos à baixo custo, que passarão para as mãos da iniciativa privada? Para quem irá reclamar pelo abuso econômico ou pela má prestação do serviço? Para um robô virtual, desumano em sua essência?

Mas esperar o que de um presidente que em meio a uma pandemia, diante de um quadro de desemprego que atinge mais de uma dezena de milhões de brasileiros, e de uma quebradeira generalizada de pequenos e médios empreendedores, anuncia que o valor do salário mínimo para 2021 não terá aumento real e, ao mesmo tempo, coloca em circulação uma cédula de 200 reais? Bem, pelo menos a estampa do lobo-guará é fiel a dominação a que estamos submetidos.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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