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5 de fevereiro de 2020
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20:45

Com o funcionalismo depauperado, qual será a próxima desculpa do governo para a crise econômica?

Por
Sul 21
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Com o funcionalismo depauperado, qual será a próxima desculpa do governo para a crise econômica?
Com o funcionalismo depauperado, qual será a próxima desculpa do governo para a crise econômica?
Sessão Extraordinária de votação da PEC/258 na Assembleia Legislativa. Foto: Luiza Castro/Sul21

Sergio Araujo (*)

Quando vejo sucessivos governos responsabilizando os servidores públicos pela crise financeira do Estado me vem à mente a seguinte situação: Um pai que não consegue mais prover a família com o seu salário e que pede para que a esposa e os filhos comam menos, tomem banho frio e usem sempre as mesmas roupas. Em contrapartida, ao invés de fazer hora extra, pedir aumento ao seu chefe ou arrumar uma nova fonte de renda, deseja egoisticamente manter seus privilégios, como tomar aquela cervejinha com os colegas no final do expediente.

Para este provedor insensível pouco importa se a subnutrição da família irá provocar o surgimento de enfermidades, o que importa é a economia resultante do sacrifício imposto. Qualquer semelhança com o que aconteceu ou acontece com os governos que administraram o Estado após a redemocratização não é mera suposição ou coincidência, mas um fato inquestionável. Senão vejamos:

Inicialmente é preciso registrar que tanto o Estatuto do Servidor Público do RS como o Plano de Carreira do Magistério Gaúcho foram criados, respectivamente, em 1994 (26 anos) e 1974 (46 anos). Desnecessário pois, dizer que nestes períodos o mundo, o Brasil e o Rio Grande do Sul passaram por profundas transformações econômicas, sociais e tecnológicas, daí a compreensão sobre a necessidade de revisão e atualização do papel do Estado enquanto indutor do desenvolvimento e do bem-estar social.

Ocorre que ao invés de promover uma reestruturação generalizada, os poderes legalmente constituídos trataram de preservar seus benefícios; ocultar suas responsabilidades, como as predatórias negociações com a União visando a rolagem das suas dívidas e suas incapacidades de promover o crescimento da receita; e apontar os servidores públicos, especialmente os do Executivo, como responsáveis pelo desequilíbrio financeiro dos erários federal, estadual e até municipal.

Foi com essa concepção e com a defesa de que o liberalismo-econômico seria o remédio para a crise, que a maioria dos governos pós-ditadura passaram a endeusar a terceirização dos serviços públicos como a solução ideal. Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, a mudança promovida pelo governo Eduardo Leite no estatuto do servidor e no plano de carreira dos professores já havia sido tentado infrutiferamente pelos governos Britto, Collares e Yeda.

O mesmo pode ser dito em relação a repetição de medidas que afetam direta e indiretamente o servidor, como a privatização de serviços públicos e a extinção de autarquias e fundações. Em contrapartida, excetuando o aumento de impostos e as alíquotas previdenciárias descontadas dos servidores, quase nada foi feito para produzir o crescimento da receita. vejam que nesse período o número de servidores da ativa teve redução significativa pelo fato de não ter sido feita a devida reposição dos servidores que foram para a inatividade.

Diante da mesmice de sempre, não há como contestar a afirmação do MDB de que estamos diante de um governo de continuidade, que segue no mesmo rumo do seu antecessor, o governador José Ivo Sartori. E de todos os governos neoliberais que passaram pelo Piratini, acrescento.

Chama a atenção, também, o silencio obsequioso e a omissão dos poderes Judiciário e Legislativo que, abrigados pelas suas independências constitucionais, sempre se portaram como ilhas de privilégios, alheios ao sofrimento dos trabalhadores do Executivo que, se não bastasse estarem há cinco anos recebendo seus salários com atraso e parceladamente, agora se tornaram vítimas do maior enxugamento de direitos e conquistas da história do funcionalismo gaúcho.

Mas se nada se ouviu dessas instituições, o mesmo não pode ser dito da classe empresarial e da grande mídia, apoiadores de primeira hora dos governos adeptos do liberalismo econômico. Tão logo foi encerrada a sessão legislativa que aprovou a reforma administrativa, entidades empresariais trataram de cumprimentar e elogiar o governador Eduardo Leite pela vitória alcançada. O mesmo entusiasmo foi reproduzido nos editoriais dos principais veículos de comunicação do estado, alguns classificando a conquista gaúcha como exemplo para a reforma administrativa pretendida pelo governo Bolsonaro e que atinge os servidores do Executivo federal.

Com tamanho poderio de convencimento, pouco poderia ser feito pelas entidades representativas do funcionalismo e pelos parlamentares dos partidos de oposição. Como se diz popularmente, tratava-se de jogo jogado. Ou seja, com resultado previsível. Afinal, aproveitando a excepcionalidade de contar com a maior base parlamentar dos últimos trinta anos, composta por parlamentares com perfil liberal-conservador, ou surfando na onda do bolsonarismo, a derrota do governo no plenário da Assembleia Legislativa era uma possibilidade impraticável.

Diante do empobrecimento do servidor público, até então apontado pelo governo e seus apoiadores como o principal entrave para o desenvolvimento do Rio Grande, será preciso redobrar a atenção para as medidas complementares à economia gerada pela reforma administrativa, dentre elas a assinatura do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União e a retomada dos investimentos em áreas de grande impacto social, como as da educação, segurança, saúde e transportes.

Mas aí é que está o xis da questão. Terá o governo Leite um plano factível de recuperação das finanças? A declaração dada pelo governador de que ainda não dá para garantir a normalização do pagamento dos salários dos servidores do Executivo este ano gera uma incerteza nesse sentido. O mesmo se dá em relação a assinatura do RRF, já que a Secretaria do Tesouro Nacional insiste na venda do Banrisul. Ou seja, o desmonte da máquina pública e dos serviços públicos poderá ter continuidade. Terá o governador o desprendimento de um estadista para fazer valer a importância do Rio Grande no contexto nacional e livrar-se das amarras impostas pelo governo federal?

Pressionado por resultados de curto prazo, Eduardo Leite começa a falar em promover uma outra reforma, desta vez, tributária. E acena como horizonte a diminuição das atuais alíquotas do ICMS. Vejam a diferença: para os servidores, perdas, para os empresários, ganhos. Será este o destino dos recursos economizados com os gastos com o funcionalismo e não investimentos em áreas sociais? Onde estão os projetos para o crescimento da economia; para a superação das carências das áreas da educação, segurança e saúde; para a atuação privada no segmento de infraestrutura; e os incentivos para o setor agropecuário?

Para evitar críticas sobre essa discrepância, de que não existe alternativa senão diminuir o tamanho do Estado, o governador anuncia que irá rever os benefícios fiscais concedidos às grandes empresas. Olha, não é isso que a política neoliberal defende. Pelo contrário, o protecionismo é que tem sido a lógica dominante. Mas é ver para crer. E cobrar.

O certo nisso tudo é que acabou a era dos arautos do apocalipse. Agora é hora de mostrar serviço, realizar e apresentar resultados. Então chega de blá blá blá e mãos à obra.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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