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27 de fevereiro de 2020
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18:31

A democracia aquartelada

Por
Sul 21
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A democracia aquartelada
A democracia aquartelada
Foto: Marcos Corrêa/PR

Sergio Araujo (*)

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.
Martin Luther King

Jair Bolsonaro acha que sendo presidente da República é o dono do Brasil e que por isso pode tudo. E vem agindo como se isso fosse verdade. Credite-se a essa distorção absurda da realidade o fato dele, comprovadamente, não ter a mínima ideia do que significa ser presidente de um país da magnitude do Brasil. Cego pelo poder inesperado e conhecedor das suas limitações variadas, Bolsonaro sentou-se na cadeira de presidente como se um trono fosse, cercou-se de aliados convenientes e serviçais, e passou a adotar um dos preceitos do imperador romano Júlio Cesar, “dividir para conquistar”.

Ao adotar esse estilo belicoso de governar, Bolsonaro não divide apenas o país e os brasileiros, desagrega também instituições como o Congresso Nacional, o Judiciário e as Forças Armadas. Prova disso foram as posições divergentes no episódio da convocação feita pelo presidente, através do compartilhamento de convites antidemocráticos, para a participação no ato contra o Congresso e contra o STF marcado para o dia 15 de março.

Desde ex-presidentes da República, passando por lideranças políticas de siglas de todas as vertentes ideológicas, empresários, imprensa e até mesmo oficiais superiores das Forças Armadas, criticaram o envolvimento inoportuno do presidente na organização dos protestos idealizados por representantes da extrema-direita brasileira.

Dentre as vozes divergentes destaca-se a do ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que chamou de irresponsável o uso de imagens de militares em postagens que convocam para a manifestação pró-governo. Segundo ele, o Exército é uma “instituição de Estado” e confundi-lo com assuntos temporários de governo é “usar de má fé, mentir e enganar a população”.

A manifestação de Santos Cruz permite observar a distorção que se processa na relação Governo – Forças Armadas, onde a lealdade ao presidente vale mais do que a lealdade aos princípios que regem a instituição militar. Na hierarquia bolsonariana só participa do poder quem cai nas graças do ex-capitão, independente de se tratar de um general quatro estrelas, um almirante ou um brigadeiro. Se não adere totalmente ao jeito bolsonariano de governar ou não participa da sua administração ou é sumariamente expurgado dela.

Tamanho despropósito acaba fazendo com que ministros militares confundam lealdade com subserviência, deixando em segundo plano as obrigações constitucionais de todo e qualquer gestor público, que é o bem estar e a melhoria da qualidade de vida da população. Está sim é a verdadeira missão dos ministros militares e não a sustentação de um presidente desagregador que ameaça cotidianamente, com gestos, palavras e atitudes a estabilidade da democracia e da ordem constitucional.

Inadmissível pois, que as forças armadas que possuem um histórico de bem servir aos brasileiros, como nos momentos de violência desenfreada, como ocorre no Ceará; como no combate ao tráfico de drogas e ao contrabando nas fronteiras com outros país limítrofes; como o apoio operacional e logístico para campanhas de vacinação em regiões de difícil acesso; como a proteção à floresta amazônica e as reservas indígenas; como a participação na construção de obras de infraestrutura, etc., sejam utilizadas pelo seu comandante supremo como guardiã de seus interesses pessoais.

Não será servindo de massa de manobra de políticos de ocasião e de grupos de radicais da extrema direita que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do STF e a volta da ditadura militar que as Forças Armadas estarão cumprindo a destinação constitucional de defender a pátria, garantir os poderes e, por iniciativa de qualquer um destes, da lei e da ordem. As Forças Armadas não existem para serem temidas ou usadas como instrumento de pressão, mas para serem respeitadas e admiradas pelos brasileiros.

Mas a distorção da real importância das instituições não se prende apenas as forças armadas. Também o poder judiciário está tendo a sua importância desvirtuada propositadamente. A indicação de um magistrado para o cargo de ministro da Suprema Corte, por exemplo, não pode ter como pré-requisito a sua preferência de credo, como faz crer o presidente ao dizer que irá indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF.

Outra deturpação inconcebível em andamento refere-se ao proposital enfraquecimento da importância do papel da imprensa, estimulado diariamente pelo presidente com palavras, gestos e atitudes contra jornalistas e veículos de imprensa e, até mesmo, usando o corte de verbas publicitárias como sufocamento financeiro, na tentativa de desencorajar as críticas ao governo e ao presidente.

Nem mesmo a igreja católica está sendo poupada da fúria divisionista do presidente. Após ter chamado na campanha eleitoral a CNBB de “banda pobre da igreja”, Bolsonaro indicou a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, uma pastora episcopal, para ser a interlocutora da presidência junto a corporação religiosa. Até o Papa Francisco, que ousou manifestar sua preocupação com o desmatamento da floresta amazônica, não foi poupado das críticas do ex-capitão.

Mas em se tratando de desunir Jair Bolsonaro não se restringe ao território nacional. Sua vocação pelo radicalismo e sua preferência por personalidades com perfis políticos e ideológicos semelhantes ao seu já lhe renderam críticas mundo à fora, como aconteceu com presidentes de nações com passado de boas relações com o Brasil, como a França, Alemanha, Chile e Argentina.

Diante desse modo agressivo de governar Bolsonaro ainda tem o desplante de usar as redes sociais para se dizer perseguido e injustiçado. Como assim?: Ele defende publicamente o fim da imprensa, não se opõe aqueles que pregam o fechamento do Congresso Nacional e do STF, cerca-se de ministros militares, é favorável a flexibilização dos direitos humanos, cala-se quando sugerem a volta do AI-5, como pode então achar ruim quando lhe chamam de autoritário e radical?

Ou seja, tem boca de jacaré, olhos de jacaré, rabo de jacaré, pernas de jacaré, pele de jacaré, é quer que acreditemos que ele não é um jacaré? É claro que seu perfil é de sim de um ditador em potencial. Aliás, sempre deixou isso bem claro nas suas atitudes e manifestações enquanto deputado, seja negando o golpe militar, seja adulando a figura do coronel torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, seja destratando mulheres, negros, nordestinos e homossexuais.

Sendo assim, as manifestações previstas para 15 de março, com toda a bagagem de ódio, rancor, revanchismo e intolerância nela embutidos, caracterizam sim uma escalada perigosa do autoritarismo, gestada pelo próprio governo e incentivada pelo presidente da República, sem que aja nenhuma motivação que a justifique.

O governo não está sob ameaça e a ordem institucional está plenamente preservada, o que nos permite concluir que a realização deste inoportuno e desnecessário protesto da extrema direita, tolerada e até mesmo incentivada pelo presidente e seus asseclas, nada mais é do um teste para saber até onde vai o limite daqueles que se opõe ao processo revolucionário almejado. E avançar, avançar, até o domínio total de tudo e de todos.

Tivessem os organizadores do protesto realmente a intenção de promover melhoria na composição do Congresso nacional bastaria investir na qualificação das futuras nominatas de candidatos a cargos eletivos e não no fechamento do Casa do Povo por forças militares. O que equivale dizer que a solução está nas urnas e não nos tanques de guerra. Da mesma forma, se estão descontentes com os ministros da Suprema Corte, que cobrem mudanças nas regras para as indicações dos seus integrantes e não a extinção da Suprema Corte, guardiã da Constituição.

Mas toda essa movimentação tem algo de aproveitável. Serve de alerta para aqueles que ainda não perceberam os sinais de perigo. Se considerarmos a máxima newtoniana de que toda ação resulta numa reação oposta e de igual intensidade, quem sabe a despropositada manifestação do dia 15 de março sirva para gerar uma mobilização daqueles que acham que chegou a hora de dar um basta, em quanto há tempo, a este surto de autoritarismo exacerbado, inoportuno e ameaçador.

A boa nova é que já se ouve vozes experientes e lúcidas alertando para o perigo eminente. Líderes de fato e de direito, democratas natos e é isso que o país está precisando. E é isto que importa. Sigamos pois os bons exemplos, sejamos inflexíveis com os neoditadores e incansáveis na defesa da democracia. Lembram? “Vem vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…”

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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