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26 de dezembro de 2019
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21:22

Bolsonaro, um presidente camaleônico

Por
Sul 21
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Bolsonaro, um presidente camaleônico
Bolsonaro, um presidente camaleônico
Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Sergio Araujo (*)

 Vocês já repararam como Jair Bolsonaro é abençoado pela má sorte? Toda vez que ele enfrenta alguma dificuldade extrema lá vem ela lhe dar uma mãozinha. Foi assim na campanha eleitoral quando uma facada lhe tirou dos palanques e dos estúdios de rádio e televisão, evitando que expusesse publicamente seu despreparo para o exercício da presidência da República. E mais do que isto, deu-lhe a oportunidade de, na condição de vítima, de mártir, consolidar a estratégia de ele era um messias que veio para salvar a pátria. Acabou se elegendo por conta disso.

Agora, em meio a turbulência envolvendo o seu filho Flávio, investigado pelo Ministério Público por suspeita de irregularidades no uso de dinheiro público (rachadinha) na época em que foi deputado estadual no RJ, o “azar” voltou a ajudar o presidente. Na antevéspera do Natal ele escorregou no banheiro do palácio do Planalto, bateu com a cabeça e foi levado às pressas para o hospital. Examinado, nada de mais grave foi constatado e ele pode voltar para casa. Queixou-se, entretanto, de perda parcial da memória. O que não lhe impediu de gravar sua mensagem de fim de ano.

E foi aí que a urucubaca e o oportunismo entraram em cena mais uma vez. Bolsonaro aproveitou o horário gratuito de rádio e televisão para dizer que está terminando 2019 sem qualquer denúncia de corrupção envolvendo o seu governo. Como assim? Seu filho senador está sendo acusado de corrupção e seis dos seus ministros enfrentam acusações e suspeitas na Justiça, dentre elas, uso de caixa dois, improbidade administrativa, desvio de recursos públicos e irregularidades em negócios com fundos de pensão. Por que então esse orgulho despropositado?

Tamanha incoerência demonstra a existência de uma estratégia camaleônica que visa a distorção proposital dos fatos. Nada do que Bolsonaro diz e faz é casual. Certo dia ouvi um bolsonarista justificar as sandices ditas pelo presidente com a seguinte frase: “O homem é meio atrapalhado nas suas declarações, mas é bem-intencionado”. Pois essa é a intenção. Confundir a realidade com os factoides produzidos pois assim, de atrapalhada em atrapalhada, de ofensa em ofensa, de disse não disse, o presidente vai consolidando seu projeto pessoal/familiar/empresarial/religioso de poder. E a confiança de que este é o caminho que dá resultado faz com que Bolsonaro fale abertamente como candidato à reeleição.

E assim, nessa sucessão de engodos, desfaçatezes e artimanhas, Jair Bolsonaro vai vulgarizando seu jeito incomum de governar. Como se todas suas sandices e todos os absurdos praticados fossem normais e perfeitamente toleráveis. Não são! E não é esse colunista que está dizendo isto, são as principais lideranças do país e do exterior, incluindo os grandes veículos de comunicação independentes.

Há quem diga que em meio ao farto volume de disparates praticados já se pode encontrar elementos que justifiquem a abertura de um processo de impeachment. Ocorre que para isso é imprescindível ter o apoio popular. Sem ele o Congresso Nacional, nicho que serviu de incubadora para o surgimento da figura do mito, não fará prosperar nenhuma iniciativa nesse sentido.

E as razões para tanto podem ser encontradas nas entrelinhas da mensagem de fim de ano do presidente. Nela, de maneira ardilosa, mais uma vez, ele encerra sua fala dizendo que “agora o país tem um presidente que valoriza a família, respeita a vontade do seu povo, honra seus militares e acredita em Deus”. O que equivale dizer que está amparado pelas forças armadas, pelos evangélicos, pelos conservadores extremistas e pelos empresários e banqueiros defensores do liberalismo econômico. Com tamanho apoiamento e tamanha omissão dos congressistas fica fácil posar de democrata e agir como déspota.

Ou seja, na versão bolsonariana, a nova realidade não é a que você vê e sente no dia a dia nos semáforos, nas filas dos hospitais, na carestia dos alimentos e remédios, no desemprego massificado, no ensino depauperado, etc., mas a que sai da boca do presidente. Mesmo que depois ele se desdiga. Mas o destino é implacável. Paga, mas cobra. E a fatura de Bolsonaro, por ironia, virá pelo casuísmo, marca de seu governo, segundo profecia manifestada por ele próprio, quando disse a frase bíblica “e conheceis a verdade e a verdade vos libertará”.

Quando a máscara de Jair Bolsonaro cair e a sua verdadeira face for revelada, o que tudo indica não tardará, nenhuma mentira, nenhuma desfaçatez, nenhuma sordidez, nada, vai impedir que o destino cumpra o seu desígnio de repor a verdade, fazer justiça e libertar os brasileiros das garras de um governo autoritário e anacrônico que atua sorrateiramente como se fosse democrata e progressista.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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