Colunas>Sérgio Araújo
|
26 de novembro de 2019
|
21:32

Diálogo ou monólogo?

Por
Sul 21
[email protected]
Diálogo ou monólogo?
Diálogo ou monólogo?
Governador Eduardo Leite. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sergio Araujo (*)

O governador Eduardo Leite peca ao acreditar na lógica de que não havendo dinheiro para equilibrar as contas públicas, tudo pode, pois o importante não é salvar o serviço público, mas o Rio Grande como um todo. Essa lógica, já adotada pelos governos Britto, Rigotto, Yeda e Sartori, pode até encontrar amparo no discurso teórico, mas na prática a situação é bem mais difícil e complexa, por isso nunca trouxe os resultados prometidos.

Nesses governos de face neoliberal, empresas públicas foram extintas ou privatizadas, milhares de demissões foram realizadas e dezenas de conquistas históricas foram suprimidas e nada mudou. Pelo contrário, o desequilíbrio financeiro aumentou. Talvez por isso o governador, em apenas onze meses de gestão, tenha se dado conta da dificuldade que será aprovar integralmente a pretendida reforma administrativa do Estado. Porque sabe que seu projeto continua sendo mais do mesmo que não deu certo.

Discursos desgastados, baseados na tese apocalíptica das finanças públicas, onde o maior culpado é sempre o servidor público, não sensibilizam mais a opinião pública e, consequentemente os seus representantes na Casa do Povo. Dai a insegurança do governador com o destino dos projetos que compõem a tal reforma.

Por constatar o barulho das ruas e a dúvida que paira sobre o plenário 20 de setembro, o Palácio Piratini decidiu reformular a estratégia de comunicação com os 55 deputados e com a sociedade. A mudança, porém, terá pouca eficácia se o foco do discurso continuar sendo a ameaça de falência do Estado. Sartori tentou isso e foi ao limite quando vaticinou que “se o RS não conhecia o caos, iria conhecer”. Não conseguiu sensibilizar os deputados e teve vários projetos derrotados em plenário.

A diferença entre o “Gringo” e Leite está no fato de que o primeiro nada havia prometido na campanha eleitoral, ao contrário do segundo, que fez várias promessas. Uma delas foi a de restabelecimento da integralidade do pagamento dos salários dos servidores do Executivo até o final do seu primeiro ano de governo. Estamos chegando em dezembro e o próprio governador já admitiu que não será possível cumprir o compromisso.

Com a construção de uma imagem de gestor baseada no diálogo, Eduardo Leite aposta no seu poder de persuasão para dissipar as dúvidas dos parlamentares e, assim, conquistar os votos necessários. Ocorre que diálogo pressupõe convencimento e este, por sua vez, é dependente daquela que é a viga-mestra de qualquer negociação, a credibilidade. E isso não se conquista com a decretação de regime de urgência ou discursos apocalípticos, mas com a temperança da coerência.

E credibilidade e coerência, para quem exerce mandato parlamentar e depende do voto popular para se reeleger, tem viés de assombração. Por isso, assim como ocorre comercialmente, o que fará com que os deputados aprovem ou não os projetos de interesse do governo é saber se o “negócio” será bom para todos. Para o governo e para o Rio Grande, como diz o Palácio, mas também para os servidores e, claro, para eles próprios (deputados). Afinal, tem eleição no ano que vem e outra daqui a três anos.

Por mais que o governador diga que não irá buscar a reeleição, ele precisa saber que já possui um currículo à ser avaliado e considerado. Nele, como já foi referido, a promessa do salário em dia não foi cumprida, o acordo do Regime de Recuperação Fiscal não foi assinado e as parcerias público-privadas ainda não saíram do papel. Por outro lado, os tais remédios amargos prometidos na campanha estão sendo ministrados celeremente aos servidores estaduais. E só para eles.

A falta de consideração para com o funcionalismo chegou a tal ponto que o governador decidiu descontar dos miseráveis salários dos professores os dias paralisados por conta da greve ora em andamento. Como classificar de diálogo produtivo uma decisão arbitrária como esta? Por que tratar de uma reestruturação administrativa desse porte em regime de urgência? E por que tantas mudanças de uma só vez? Salários parcelados, mas supressão de vantagens em ritmo acelerado. Não pode haver justiça social quando um estado, para progredir, precisa fazer com que os responsáveis pelo serviço público tenham que regredir salarial e funcionalmente.

Sim, a crise financeira do Estado é crítica. Sim, sem a ajuda do Governo Federal dificilmente o Rio Grande conseguirá retomar, num curto espaço de tempo, o caminho do desenvolvimento. Sim, a iniciativa privada pode e deve ajudar na recuperação econômica do estado. Sim, somente com a união de todos os gaúchos, cada um dando a sua cota de sacrifício, conseguiremos construir o Rio Grande que sonhamos. Mas não, definitivamente não, nada disso será possível sem a participação dos servidores públicos. E não será responsabilizando-os pelo que não tem culpa, empobrecendo-os, desmotivando-os e, por que não, humilhando-os, que o diálogo e o entendimento irão prosperar.

Governador, prove que o senhor é realmente um democrata, um aficionado pelo diálogo e pelo entendimento. Retire a urgência para a votação da reforma. Se os servidores conseguiram sobreviver nos últimos cinco anos com o congelamento e o parcelamento dos seus salários, não serão alguns meses que irão fazer falta na busca de soluções que amenizem uma crise que se arrasta por décadas.

E por fim, receba os representantes do funcionalismo, é o mínimo que o senhor pode fazer para dar um pouco de dignidade a uma categoria que já fez tanto pelo Rio Grande do Sul e que hoje está não consegue sequer ingressar no Palácio Piratini.

(*) Jornalista

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora