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20 de novembro de 2019
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20:44

Com Lula livre, Bolsonaro não fala mais sozinho

Por
Sul 21
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Lula fala durante ato em São Bernardo do Campo, um dia após a sua libertação. Reprodução/TVT

Sergio Araujo (*)

As manifestações proferidas por Lula após a sua soltura da prisão, além de atestarem a sua determinação de retomar a condição de maior líder da esquerda brasileira em atividade mostraram, em toda a sua eloquência, que o monólogo de Jair Bolsonaro chegou ao fim e que agora ele terá um adversário real para respeitar e temer. Ou seja, o ex-capitão não irá mais dar as cartas e jogar de mão na mesa política do país, o que equivale dizer que suas mentiras, bravatas e ofensas terão a partir de agora um contraponto qualificado e contundente.

Aos 74 anos e uma disposição de 20, como ele mesmo afirmou, Lula fez sua rentrée no cenário político tal qual um combatente que se apresenta para a guerra com a “faca nos dentes”. E deixou isso bem claro ao mirar os seus alvos: Moro, Dallagnol e Cia, e as instituições que fizeram da Lava Jato um instrumento para o golpe que conduziu a direita e os liberais ao Palácio do Planalto. Mas se é por Justiça que Lula clama, seus discursos mostram que ele não esqueceu das suas origens e das suas bandeiras de luta.

Fazendo jus a máxima de que é preciso endurecer sem jamais perder a ternura, Luís Inácio vem mostrando que por debaixo do seu uniforme de justiceiro ainda bate um coração valente e generoso. E é para os milhões de brasileiros desamparados pela política palaciana que ele fala e procura motivar. Ao que tudo indica, a mensagem, desta vez mais oportuna do que antes, será a de que a esperança pode e deve vencer o medo.

Ainda que a fase inicial do seu retorno a cena política possa ser classificada como de introspecção, de avaliação e de montagem de estratégias, é visível o impacto resultante da libertação do líder petista. O principal, sem dúvida, é o repentino comedimento de Jair Bolsonaro e dos seus filhos nas redes sociais, até então usadas como principal arsenal bélico contra a “esquerda-comunista” ou tudo aquilo que possa ser classificado como tal.

Considerando o currículo dos Bolsonaros e suas preferências pelo conflito, o silêncio do clã é um indicativo de que se trata de uma observação do campo de batalha. Uma espécie de estudo do inimigo. Para saber do seu tamanho, sua força e seus movimentos. O que equivale dizer arregimentamento para atacar e para defender, pois certamente consideram a “guerra” como algo inevitável. E aí é que se encontra o xis da questão.

Que tipo de “confronto” será este? Com regras pré-estabelecidas, como a obediência aos princípios constitucionais, ou um vale-tudo? Que “armamento” será usado na disputa? A palavra, o diálogo e as ideias, ou a imposição pelo uso da força? Que objetivo alcançar? O fortalecimento da democracia e a busca da paz social e a melhoria das condições de vida de todos os brasileiros, especialmente os mais necessitados, ou a imposição do sistema ditatorial, com a manutenção dos privilégios aos grupos que se enquadram no perfil conservador-liberal defendido por aqueles que veem o autoritarismo como o sistema ideal de governo?

Independente das respostas para essas indagações, algumas delas óbvias, como indica a lembrança feita por Eduardo Bolsonaro de que em caso de convulsão social no Brasil o AI-5 poderia ser reeditado, é de todo previsível a inevitabilidade do embate entre os dois maiores expoentes políticos da atualidade. O que também torna presumível a disputa política polarizada entre a direita e a esquerda, não apenas nas próximas eleições, mas no cotidiano dos brasileiros, especialmente pelo acirramento entre as “torcidas” que se digladiam nas redes sociais e que são abastecidas e incentivadas pela grande mídia, hoje dividida em seus apoios editoriais.

Pois se é “guerra” que os governistas esperam e pretendem, é recomendável que seus adversários não usem as mesmas armas e adotem os mesmos métodos de preferência dos seus rivais. Ainda mais quando eles já mostraram ser especialistas em vale-tudo. Se para Bolsonaro, a palavra dita é uma bala perdida, capaz de ferir inimigos e até mesmo aliados, para Lula ela terá que ser instrumento de desarmamento, pois foi através do diálogo e do respeito as diferenças que tornaram-no um líder diferenciado, admirado e respeitado nacional e internacionalmente.

Por isto o revanchismo deve ser uma imagem afastada de pronto. Por isso o ataque as raízes das mazelas do Estado, que ao mesmo tempo que empobrece impiedosamente o cidadão brasileiro, enriquece cada vez mais os poderosos, deve ser o foco do discurso oposicionista. Porque essa é a diferença fundamental e é esse o alento ansiosamente aguardado pelos milhões de desamparados que estavam sem voz e vez. E até mesmo para que os arrependidos, que se deixaram levar pela conversa inebriante e ilusória do falso mito, se sintam acolhidos e representados.

E esse é o tom, a modulação, que Lula precisa utilizar para desempenhar o papel que a história lhe reservou. Uma mistura de sindicalista de porta de fábrica que ele foi, com o estadista que ele se tornou. Um Luiz Inácio que seja conselheiro do Lula e um Lula que seja incentivador do Luiz Inácio. Que se faça identificar com as Marias, Joãos, Josés, Raimundos e tantos outros brasileiros espalhados por esse Brasil à fora.

Que se mostre como um diferencial. Um porto seguro. Uma ousadia. Uma rebeldia. Um aconchego. Um amigo. Um parceiro. Um Norte. E um Sul, Leste e Oeste. Um aglutinador. E um adversário forte, irredutível, justo e temido. Para que lidere a boa luta que está por vir.

A boa nova é que pelo que se está observando esta será a postura que Lula decidiu adotar e este será o caminho que ele escolheu trilhar. Acabou o sossego de Bolsonaro.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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