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25 de outubro de 2019
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16:10

O grito dos Andes que ecoa no Brasil

Por
Sul 21
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Reprodução/Youtube

Sergio Araujo (*)

Para os defensores da privatização como solução para todas as mazelas do Estado, os violentos protestos de rua do povo chileno servem de alerta para os governantes que colocam o interesse econômico (Mercado) acima do interesse social (Povo). Exauridos economicamente por terem que pagar por serviços que antes eram gratuitos, da educação a saúde, e até mesmo pelo fornecimento de água, os chilenos resolveram dar um basta ao sistema que colocou o país dentre os mais ricos da América Latina, mas que em contrapartida gerou um empobrecimento generalizado da sua população.

Para aqueles que desconhecem a realidade chilena, desde que o país foi redemocratizado, todos os serviços públicos foram privatizados. E a lógica econômica esteve e está embasada no chamada Escola de Chicago. A mesma que influencia Paulo Guedes e seus assessores. No país andino, por exemplo, o ensino universitário é pago. Quem não tem dinheiro pega emprestado do governo e precisa reembolsar depois de concluído o curso. Ocorre que com um salário mínimo equivalente a R$ 1.200,00 e um custo de vida elevadíssimo, a inadimplência é uma consequência natural no cotidiano da população.

Na capital chilena, Santiago, por exemplo, é preciso pagar pedágio para circular de automóvel pelas ruas centrais. Mas até para sobreviver custa caro no Chile. Como a saúde é privatizada, somente terão atendimento médico-hospitalar gratuito aquela fatia da população comprovadamente miserável, e desde que comprove o caráter emergencial do acolhimento É por isso que um pequeno aumento do preço da tarifa do metrô se transformou na gota d’água da insatisfação popular. Não há mais espaço para exploração econômica. Prosperidade no Chile só se for empresário de grande porte, banqueiro ou corrupto.

Mas é na previdência que encontramos a maior de todas as aberrações do liberalismo predador chileno. Visto inicialmente como a pedra angular do sistema previdenciário, o regime de capitalização, ou seja, a previdência privada, tem hoje a repulsa unânime dos aposentados que, após passarem décadas investindo nos seus futuros, chegaram na fase derradeira de suas vidas em condições de miserabilidade. Sorte do Brasil que a iniciativa não tenha sido contemplada pela reforma previdenciária, apesar do empenho do ministro da Fazenda, Paulo Guedes. Mas não nos iludamos, a ameaça continua pairando sobre a cabeça dos trabalhadores.

Sabedor de que o modelo capitalista chileno se assemelha em muito com o que é preconizado para o Brasil, e antevendo a possibilidade da eclosão de manifestações populares similares, Jair Bolsonaro trata de propagar alertas assegurando a manutenção da lei e da ordem sugerindo, inclusive, que o Exército esteja preparado para o caso de uma convulsão social. Mais do que uma ameaça, a precaução do presidente revela sua obstinação pelo cumprimento dos propósitos que o conduziram ao Palácio do Planalto.

Trata-se, na verdade, de uma mensagem para o segmento econômico. Algo do tipo, nada nos afasta, tudo nos une. Uma espécie de garantia de que a privatização está e estará acima de tudo e de todos. Nem que para isto seja necessário o uso da força. É por isso que Bolsonaro, em menos de um ano de governo, já fala em reeleição. Ele precisa alimentar o Mercado com a esperança de que precisa de mais tempo para completar o serviço iniciado com as reformas trabalhista e previdenciária. E como garantia, trata de colocar as reformas tributária e administrativa como os próximos alvos da sua saga revolucionária.

Entronado em sua soberba, o presidente brasileiro fecha os olhos para o princípio basilar da democracia. O de que o poder sempre esteve e sempre estará nas mãos do povo, pois quem faz o mundo evoluir não é o dinheiro, são as pessoas. E são elas que colocam e removem políticos e governantes. Quem teima divergir dessa lógica descobre a realidade de uma maneira inquestionável e avassaladora, pois o sangue que o autoritarismo faz verter na ponta da baioneta, corre livre, leve e solto, no corpo e na consciência dos obstinados pela liberdade e pela justiça social. E esse é o maior temor dos incautos.

Que os ditadores e opressores aproveitem seus momentos de glória pois eles serão efêmeros. Quando a soberana voz do povo ecoar por todos os cantos de nossa grande e próspera nação, o que irão dizer os editorialistas que defenderam o indefensável? O que farão os profetas da nova política, adoradores do vil metal? E os políticos adesistas? E os empresários oportunistas, o que farão? Como irão se portar os adoradores de mitos, como Silvio Santos, Luciano Hang, Edir Macedo e outros mais? E os militares? Retornarão às suas missões de caserna ou buscarão no uso da força, a exemplo que está fazendo o governo chileno, a manutenção de um sistema político-administrativo fracassado?

Ao contrário do que as forças reacionárias querem fazer crer, os protestos chilenos não representam o caos ou a anarquia, mas um grito de revolta contra o servilismo e a escravidão econômica. E são esses focos de resistência, de lucidez e de humanismo que mantém acessa a chama da esperança de que um dia os países democráticos e particularmente o Brasil, farão valer a máxima de que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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