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31 de outubro de 2019
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10:45

Menos fast food e ameaças e mais explicações e atitudes

Por
Sul 21
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Bolsonaro durante transmissão ao vivo nas redes sociais | Foto: Reprodução

Sergio Araujo (*)

“O tempo é a insônia da eternidade”. Mário Quintana

O que a preferência do presidente Jair Bolsonaro por cheeseburguer, macarrão instantâneo e bravatas ameaçadoras tem em comum? Muita coisa. A começar pelo destempero. Literalmente. Desconfiado de tudo e de todos, e adepto da teoria da conspiração, Bolsonaro, em suas viagens internacionais, tem se negado a comer as comidas típicas dos países visitados.

Pois o mesmo ocorre quando as notícias divulgadas pela imprensa que não lhe agradam. Nestes casos, a exemplo do que aconteceu em Riad (Arábia Saudita), quando tomou conhecimento de que o Jornal Nacional (Rede Globo) havia divulgado reportagem citando-o na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, o destempero avança para o terreno da descompostura e adquire feições de descontrole. Emocional e comportamental, ingredientes que jamais deveriam integrar o “menu” de um primeiro mandatário de seu país.

Muito embora os fanáticos defensores do sincericídio do presidente rotulem-no como autêntico e bem-intencionado, não há como negar que seus frequentes descomedimentos se revestem de um grande e inconveniente mau exemplo. Adotar na presidência o mesmo comportamento adotado na vida pessoal é confundir interesse público com interesse privado. Bolsonaro não é presidente de si mesmo, nem da sua família, amigos ou simpatizantes. Ele é o presidente de todos os brasileiros. Os que votaram e os que não votaram nele. É assim que funciona na democracia.

Em outras palavras, cabe ao presidente de uma nação – ainda mais quando ela tem importância continental – servir de paradigma para o respeito às diferenças e, especialmente, ao direito à livre expressão. E, convenhamos, não é isto que estamos observando. Pois agora a habitual descompostura verbal de Jair Bolsonaro está extrapolando seus limites e virando ameaça generalizada. Ao porteiro do condomínio onde mora o presidente, por ter falado demais; aos ministros e correligionários que não rezam pela mesma cartilha; aos integrantes dos partidos de oposição, vistos como inimigos; e até as empresas de comunicação independentes, consideradas mentirosas e conspiradoras.

O resultado dessa mistura de autoritarismo com destempero verbal está instalando no país uma exaltada disputa de meias-verdades, criando um cenário fértil para a mentira e o engodo. Que o diga as fake News postadas nas redes sociais – várias delas partindo de dentro do paço presidencial e incrivelmente estimuladas pelos filhos do próprio presidente – e reproduzidas em profusão pela claque bolsonariana. E como se não bastasse, Bolsonaro incentiva, com sua alucinação persecutória, a criação de um estereótipo de injustiçado, vítima de uma conspiração supostamente interessada na sua destituição.

Se por um lado isso caracteriza uma autodefesa, por outro, representa um avanço para o perigoso terreno do despotismo. Não foi à toa que Eduardo Bolsonaro tenha proferido na tribuna da Câmara dos Deputados, momentos antes da recente fúria paterna, a mensagem de que “se os brasileiros manifestarem aqui no Brasil o que está acontecendo no Chile, a história vai se repetir”. A interpretação é clara: A repetição histórica referida nada mais é do que a volta do regime de exceção, da ditatura. Só faltou gritar o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Pois é esse patriotismo de ocasião, caracterizado por uma onda extemporânea de saudosismo, de um passado que não cabe mais no presente, que se esconde por trás dos gritos presidenciais de “patifes” e “canalhas”. Pois essas ofensas, aos ouvidos dos mais atentos e experientes, se apresenta como uma desesperada tentativa de fazer prevalecer o status quo bolsonariano. Por isso que a repentina subida de tom do presidente pode ser interpretada como um claro sinal de temor. De ver que o discurso ilusionista da extrema-direita, que parecia começar a conquistar o mundo, já apresenta fissuras. E aí estão os exemplos do Chile, da Argentina, da Bolívia e do Equador, para ficar apenas na América do Sul. Ou seja, Bolsonaro piscou. Acusou o golpe.

Mas o presidente que não se iluda com sua estratégia de usar a vitimização para arrefecer os ânimos dos seus rivais, sejam eles quais forem. Não será com gritos e ameaças que ele irá assustar os milhões de desempregados; ou os milhões de trabalhadores que tiveram seus direitos extirpados; ou os milhões de aposentados que sobrevivem as agruras impostas pelo capitalismo insensível; ou os milhões de famintos e desabrigados, que pouco a pouco deixam de contar com os serviços gratuitos prestados pelo Estado. O que esse universo de desassistidos espera dos seus governantes, especialmente do seu presidente, são explicações e atitudes.

Bolsonaro, se conseguisse ter um rasgo de lucidez e de sinceridade, já que a humildade parece ser um sentimento que não lhe agrada, iria perceber que ele é que é o seu maior e mais implacável inimigo. Mas isso para o “Mito”, com toda certeza, não passa de um mito. Por isso, se continuar pelo caminho da arrogância e da imposição pelo amedrontamento, ele vai sim ouvir o barulho das ruas. E quando isto acontecer ele terá todas as justificativas do mundo para tornar suas madrugadas insones. Melhor já ir estocando cheeseburguer e macarrão instantâneo.

(*) Jornalista


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