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27 de setembro de 2019
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17:52

A relação “filial” entre Bolsonaro e Trump

Por
Sul 21
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A relação “filial” entre Bolsonaro e Trump
A relação “filial” entre Bolsonaro e Trump
Donald Trump e Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR)

Sergio Araujo (*)

É preciso saber interpretar o apego exacerbado de Jair Bolsonaro para com a instituição Família, especialmente quanto aos seus filhos. Para quem desconhece a vida pregressa do presidente pode parecer que a aprovação inconteste do comportamento dos “garotos” Eduardo, Carlos e Flávio, signifique uma identificação do tipo “saíram igualzito ao pai”. Mas a vida e o destino (ah! o destino, sempre ele), servem para mostrar que a realidade é impiedosa e complexa e não um simples Control C, Control V (copiar e colar).

E isto fica claro quando descobrimos, por exemplo, que o Jair, filho, não reproduziu na vida pública a trajetória do seu pai, Percy Geraldo Bolsonaro, falecido em 1995, que segundo documentos oficiais do Dops, do SNI e do comando da Aeronáutica, foi fichado pela ditadura militar, preso e sentenciado à prisão, o que acabou não acontecendo pelo fato da mesma (a prisão), vejam a ironia do destino, ter sido considerada perseguição política.

Ao contrário do que se poderia imaginar, Jair Bolsonaro não se revoltou com o arbítrio dos militares, preferindo associar-se a eles, dedicando-lhes fidelidade e devoção. Tornou-se oficial do Exército. Mas como nas ligações consanguíneas o DNA da família acaba se manifestando, o gene da rebeldia do seu Percy fez com que Bolsonaro se envolvesse em acontecimentos considerados impróprios para a vida na caserna.

O mais grave deles serve para entender a aversão do ex-capitão, hoje presidente, para com a imprensa. Trata-se de uma entrevistada dada à revista Veja (ops!) em 1986, onde ele fez duras críticas à política de remuneração do pessoal civil e militar da União. Nela, usando sua habitual verborragia e disposto a pressionar o comando do Exército por melhores soldos, disse que nele e outros militares planejavam explodir bombas em quartéis do Exército no Rio de Janeiro, dentre eles a Vila Militar e a Academia de Agulhas Negras, ambas no RJ, e também em outras localidades, como a adutora de água Guandu, principal abastecedora da cidade carioca.

Alegando inocência, dizendo ter sido alvo de uma matéria mentirosa – fake news nos dias de hoje –, Bolsonaro foi julgado pelo Tribunal Superior Militar e condenado a 15 dias de prisão, sentença essa que posteriormente foi revogada, tendo sido substituída pelo seu afastamento (reserva não remunerada) do exercício das suas atividades militares. A estrondosa exposição midiática dos acontecimentos, porém, serviu para alavancar a carreira política do ex-capitão. Ele próprio admitiu isso. Ou seja, a imprensa que foi útil antes, agora é vista como um estorvo. É o tempo, o senhor da razão, fazendo verter as verdades indesejáveis.

Bem, mas o que isso tem a ver com o título deste artigo? Tudo. Desde as coincidências históricas até os comportamentos repetitivos e na maioria das vezes, incoerentes. Vejam o encontro dos presidentes do Brasil e dos EUA na recente conferência da ONU. A espera de uma hora de Bolsonaro para cumprimentar Donald Trump não parece coisa de filho esperando o pai para pedir a benção? E isso não denota uma admiração filial? Literalmente. Uma admiração de quem se acha um mito para com quem tem certeza da sua onipotência?

Observem a imagem do aperto de mão dado no furtivo encontro dos dois. Trump está com o braço recolhido junto ao corpo e Bolsonaro com o braço esticado como se estivesse sendo puxado pelo presidente americano. E as expressões faciais? Trump sério, olhar fixo nos olhos de Bolsonaro. Este, por sua vez, olha para o chão e esboça um sorriso de timidez e encantamento. Só faltou uma legenda com o presidente do Brasil dizendo, “benção painho”.

Mas essa conotação filial não vale apenas para a relação interpessoal. Vale também para o sentido institucional. Esse sentimento de eu quero ser você amanhã, de Bolsonaro, faz com que Trump veja o Brasil como uma espécie de filial (no sentido de franquia) americana. Não duvido que ao pé do ouvido de Bolsonaro o bilionário político dos EUA já tenha dito: “Cuide dos nossos interesses na América do Sul, rapaz”. Ou: “Fique de olho na Venezuela, brother?” E em resposta, num sussurro de submissão, Bolsonaro dizendo: “Talquei chefe”.

Até mesmo nos casos de insubordinação dos filhos encontramos similaridade com o passado dos Bolsonaros. O desrespeito com a hierarquia militar, por exemplo. Se o então capitão Bolsonaro ousou peitar o ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, no episódio que resultou no seu expurgo das forças armadas, seu filho, o polêmico vereador Carlos, faz isso rotineiramente com os generais que ocupam cargos no primeiro escalão do governo do pai.

O mesmo ocorre com o outro filho, o senador e candidato a embaixador, Eduardo, que por se achar íntimo dos Trump e acreditar na utópica liderança continental do pai, se vê no direito de destratar publicamente presidentes de grandes nações como Emmanuel Macron (França), e Angela Merkel (Alemanha).

Aliás, seu encontro com os assessores de Trump, as vésperas da conferência da ONU, serve para explicar a semelhança dos discursos dos presidentes do Brasil e EUA no que tange as questões ambientais e a necessidade de combater os regimes cubano e venezuelano.

E por falar em meio ambiente, para finalizar, o descaso para com as causas indígenas e o ataque ao mundialmente conhecido cacique Raoni, pré-candidato ao Nobel da Paz deste ano, enfatizado por Bolsonaro no seu pronunciamento, certamente tem muito a ver com o descaso histórico dos EUA para com os povos indígenas. Aficionado por armas e adepto do aniquilamento do inimigo, Bolsonaro deve ter se sentido um John Wayne.

Mas se por um lado o presidente brasileiro foi corajoso para afrontar seus inimigos, foi injusto com os seus heróis. Deixou de fora do seu discurso aquele que integra sua preocupação diária e que ocupa o posto maior dentre suas prioridades de governo. Se você pensou em Deus, enganou-se. Ele foi referido. Falo do “Mercado”, o genitor responsável por sua condução ao Palácio do Planalto.

Mas pensando bem, em se tratando de uma conferência internacional onde a quase totalidade dos países presentes tem a mesma devoção ao mesmo deus o Mercado, certamente, estava presente. Talvez por isso Jair Bolsonaro tenha se sentido em casa e em família.

(*) Jornalista 

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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