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1 de agosto de 2019
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17:55

Bolsonaro e a sua verdade inconveniente

Por
Sul 21
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Bolsonaro e a sua verdade inconveniente
Bolsonaro e a sua verdade inconveniente
Jair Bolsonaro. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Sergio Araujo (*)

Senhoras e senhores.
Trago boas novas.
Eu vi a cara da morte.
E ela estava viva – viva!”
(Cazuza)

Engana-se aquele que acredita que o Brasil está passando por um casuísmo histórico. Uma “chuva política” passageira. Os primeiros sete meses do governo Bolsonaro bastaram para desnudar a intencionalidade escondida nas palavras, gestos e atitudes polêmicas do presidente da República, classificadas equivocadamente como desatino, ignorância, incapacidade e despreparo. Embora reflitam sua gênese, o comportamento e as atitudes de Jair Bolsonaro são a parte visível de um processo que usa o radicalismo, a intransigência, o segregacionismo, a desfaçatez, a ambição desmedida e o ódio como instrumentos para a tomada de poder.

Tudo o que ele diz ou faz foi estrategicamente calculado. Mesmo que ele próprio não tenha a devida percepção disso e certamente não tem. “Sou assim mesmo e não vou mudar”, disse em recente entrevista. Sinceridade à parte, é inegável que ele permanece refém dos interesses daqueles que o encarceraram no poder e que suas desastrosas declarações apenas comprovam que ele ainda não se deu conta da dimensão do seu cativeiro. Ou seja, o que estamos observando, estarrecidos e apreensivos, nada mais é do que um caos devidamente organizado. Por mais contraditório que isso possa parecer.

E com intenções nada nobres e muito menos republicanas, mas com elevadas doses de maldade e desprezo para com os interesses da nação e do povo brasileiro. Se pudéssemos nomear o estereótipo criado sob medida para Jair Bolsonaro seria algo parecido como “uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, plagiando o que disse um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Nessa “superprodução” montada e dirigida pelo poderio econômico, coube à Bolsonaro desempenhar o papel de comandante em chefe das chamadas “forças do bem”, cujo objetivo maior é combater e aniquilar as “forças do mal”, no caso os partidos de esquerda, principalmente o PT. E foi assim, na condição imposta de “salvador da pátria”, que venceu a eleição e chegou ao palácio do Planalto.

Tamanha desenvoltura na função que lhe fora delegada, antes, durante e depois da eleição, nos leva a concluir que a escolha de seu nome para a presidência deu-se mais pelas suas deficiências do que pelas suas qualidades. O que os produtores do mito não previram, ou não acreditaram, é que o personagem pudesse criar vida própria e se descontrolasse, assumindo uma rebeldia perigosa para o sistema.

Em meio a tantas dúvidas e incertezas a questão que se apresenta é: será que os devaneios do presidente não integram um planejamento previamente estabelecido? Para, por exemplo, disfarçar sua inaptidão para solucionar os grandes problemas da nação? Ou quem sabe popularizar a absurdez como característica da sua personalidade, de maneira a acostumar as pessoas, especialmente seus fanáticos simpatizantes, às suas declarações impróprias, inadequadas e polêmicas, e a sua incapacidade de gerir os interesses da nação?

Ocorre que por mais plausíveis que estas suposições possam parecer é imperioso reconhecer que tudo o que aconteceu, acontece e com toda certeza continuará acontecendo, tem a marca da personalidade de Jair Bolsonaro e a influência do seu estafe de aconselhamento pessoal, especialmente dos filhos. E é justamente no conflito entre o homem e o presidente que o descontrole se processa e os disparates acontecem.

Quando ele fala em defender a família ele se refere a sua família. Quando ele fala em Deus, age como se o seu Deus fosse a divindade adorada por todos os brasileiros. Quando ele menciona inimigos, está classificando todos aqueles que não pactuam com suas ideias e suas atitudes. Quando ele se perfila, estufa o peito, bate continência e brada pátria, ele está fazendo referência ao território que ele acredita lhe pertence e ao povo que julga deve-lhe submissão.

Tamanha sensação de poder deve lhe alçar aos píncaros do egocentrismo.

Por que então as forças econômicas e os aliados das forças armadas assistem, passivamente, a queda da popularidade do governo e o enfraquecimento da imagem do presidente? No primeiro caso por puro fisiologismo.

Para o tal “mercado” pouco importa a crise política e as rusgas particulares de Bolsonaro, pois o que realmente interessa é a aprovação das reformas. Esse é o benefício esperado pelo investimento aplicado na candidatura do “Mito”. Até mesmo porque estão satisfeitos com o trabalho que o “posto Ipiranga” está realizando nos bastidores.

Já com as Forças Armadas os riscos são maiores do que as vantagens. Voltar ao poder civil ou garantir mais recursos para o segmento militar não precisaria, necessariamente, passar pelo desgaste da instituição, onde ministros militares são demitidos sumariamente, generais são ofendidos pelo filho do presidente sem a mínima reprovação ou retratação do pai, e o fantasma da ditadura é ressuscitado. Mas pensando bem, como reclamar se aceitaram servir de avalista da candidatura do ex-companheiro de caserna e de garantidores da estabilidade do seu mandato?

E assim, com os “pais da criança” cuidando das suas vidas e a “criança” cada vez mais desbocada e rebelde, segue o Brasil o seu trôpego destino. Mas nem tudo é decepção. Embora as ruas ainda permaneçam silenciosas, já se percebe focos de reação. O ato promovido esta semana pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em apoio ao jornalista Glenn Greenwald, ameaçado de prisão por Bolsonaro, fez com que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, saísse em defesa da liberdade de expressão. “Sou a favor da liberdade de imprensa em qualquer circunstância e defendo o sigilo da fonte. Isso está assegurado na nossa Constituição”, afirmou. Ufa!

Otimismo à parte, é preciso serenidade e obstinação nesse embate entre o vale-tudo governista e aqueles que defendem a democracia e as liberdades fundamentais. Porque existe uma belicosidade latente, constantemente estimulada e aceita pelos fanáticos seguidores de Bolsonaro, e que pode resultar numa reedição dos períodos de exceção e na incidência de episódios onde o a violência foi usada para amordaçar palavras e reprimir ideias. Uma nova ditadura é tudo o que não estamos precisando.

“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, lembram? Esse é o caminho, está é a ironia premonitória. Conscientizar a população de que a realidade não está nas fake news palacianas, nas bravatas presidenciais ou nos noticiosos mercantilistas, mas no seu dia-a-dia, nos milhões de desempregados, na crescente miserabilidade dos que passam fome, na infância e na velhice desassistidas, no corte das verbas para a educação, no medo de sair às ruas, nos direitos humanos desrespeitados, no desânimo e no desespero de milhões de brasileiros e brasileiras.

Esta sim é a verdade libertadora que começa a ganhar corpo. A outra, a do milagre messiânico, pouco a pouco se esfacela e definha, mostrando sua verdadeira cara. De que não passa de uma grande e rotunda utopia. Ou melhor, artimanha. Por isso a verborragia descontrolada de Bolsonaro nos últimos dias tem uma visível motivação: ele descobriu que “o rei está nu” (Hans Christian Andersen, 1837). Ou como disse Cazuza, viu a cara da morte e descobriu que ela estava viva. Viva!

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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