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11 de julho de 2019
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18:51

Delírios de um presidente fake

Por
Sul 21
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Delírios de um presidente fake
Delírios de um presidente fake
Bolsonaro. Foto: Arquivo/PR

Sergio Araujo (*)

Bolsonaro é um fingidor, que finge tão completamente, que chega a fingir que é Deus, um Deus como deveras se sente.  Adaptação de “O poeta é um fingidor”, de Fernando Pessoa.

Jair Bolsonaro nos seus seis meses como presidente da República vem mostrando em suas declarações e atitudes que sua postura militarista, religiosa e de líder e defensor da família não se restringe apenas a uma estratégia política, mas de uma plataforma existencial, de um projeto de vida, algo estritamente personalista. Daí porque seus descendentes mais próximos, por exemplo, não terem seguido a carreira militar exercida pelo pai, apesar de em diversas ocasiões terem manifestado o DNA beligerante paterno, como a defesa intransigente do direito da população andar armada.

Mas se a inspiração militarista não contagiou os garotos, como são chamados pelo Bolsonaro pai, Flávio, Carlos e Eduardo, gerados no primeiro casamento, herdaram o interesse político. O 01 se tornou senador, o 02 vereador e o 03 deputado federal. E dizem que o 04, Renan, concebido no segundo casamento, está sendo preparado para seguir o mesmo caminho dos irmãos. Sobre Laura, única filha resultante do seu terceiro e atual casamento – aquela que Bolsonaro disse ter fraquejado – devido à pouca idade e por ser do sexo feminino, nada se pode prever.

Pois é justamente aí, na atividade parlamentar, que se encontra a maioria das similaridades da prole Bolsonaro. Pai e filhos jamais apresentaram em seus mandatos qualquer projeto de média relevância. Já polêmica, especialidade do pai, foi o que não faltou. Flávio (01) é suspeito de usar Fabrício José Carlos Queiroz, seu ex-assessor parlamentar, como “laranja” na apropriação indevida de parte dos salários dos servidores que trabalhavam em seu gabinete na época em que era deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Por falar nisso, que fim levou o tal de Queiroz?

Carlos (02), fazendo jus ao apelido de pitbull dado pelo pai, usa as redes sociais para agredir e chutar para bem longe aquela que é uma das principais normas das forças armadas, frequentemente enaltecida por Jair Bolsonaro: o respeito à hierarquia. Desde o opositor menos expressivo, passando por jornalistas e generais, até o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, ninguém é poupado das censuras e das ofensas do “cão de guarda”. E o pior de tudo é que o pai, que se diz defensor da família enquanto célula mater da sociedade e dos bons costumes, nada diz e nada faz.

Já Eduardo (03), que antes de ingressar na política atuou como advogado e policial federal, prefere alvos maiores. Talvez por isso não resistiu à tentação de usar o poder do sobrenome para atacar a suprema corte do país. “Basta um cabo e um soldado para fechar o STF”, disse ele num arrobo típico do clã bolsonariano. Entre uma presepada e outra, o deputado federal mais votado na eleição de 2018 (que tal?) usa e abusa da influência do pai para atuar como ministro informal das Relações Exteriores, com direito a privilégios que nem o titular da pasta ousa usufruir, como participar da audiência privada entre Bolsonaro e Trump, na Casa Branca.

Mas se os Bolsonaros brothers com suas indisciplinas ajudam a desmistificar o a imagem do pai enquanto o todo poderoso controlador da família, também a imagem do devoto pregador do “Deus acima de todos” apresenta controvérsias. Isto porque apesar de se dizer evangélico praticante, a ponto de ser batizado no mesmo rio (Jordão) onde João Batista batizou Jesus, ele se apresenta documentalmente como católico. Mas o que realmente causa espécie é a fato dele,  enquanto representante maior de uma Nação que se propõe laica (religiosamente neutra), atuar preferencialmente em favor dos interesses das igrejas evangélicas (e da bancada evangélica no Congresso Nacional).

Com esse propósito, recentemente decidiu “afrouxar” as obrigações fiscais dessas igrejas, exigindo cadastramento do CNPJ apenas para as matrizes (excluindo as menores e/ou as filiais), e elevou de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões o piso de arrecadação que obriga as igrejas a declararem suas movimentações financeiras. Em troca recebeu a confirmação de que a expressiva bancada evangélica no Congresso (7 senadores e 84 deputados federais) será sensível aos interesses do governo nos projetos encaminhados à Casa legislativa. Isso sem falar na promessa de indicar um “ministro terrivelmente evangélico” para o STF.

A mesma disparidade de tratamento é dada por Bolsonaro aos militares na reforma da previdência. Enquanto o texto original prevê o sacrifício indiscriminado da classe trabalhadora, especialmente dos que ganham menos, o presidente da República atua na defesa de privilégios para os militares. E a intenção é a mesma das benesses concedidas aos evangélicos, obter o apoio da categoria com que mais se identifica e que detém parcela importante na divisão dos cargos do seu governo.

Assim, de contradição em contradição, os brasileiros estão conseguindo decifrar o mosaico de faces que compõe a figura do Mito, fabricada sob medida por quem realmente tem o controle econômico do país e que viu em Jair Bolsonaro – um político de menor expressão, intelectualidade limitada e com personalidade moldável, que pensa ser um conservador nos costumes e um liberal na economia – a matéria-prima ideal para despertar o “Salvador da Pátria” adormecido no imaginário dos antipetistas, dos saudosistas dos governos militares e dos acéfalos políticos.

Dito isso, fica facilitada a compreensão das razões da preferência dos Bolsonaros pelas fake news. Eles adoram fingir que são o que não são. Mentem até para si próprios, talvez tentando acreditar que são mais e maiores do que realmente são. Isso explica a idolatria de Jair Bolsonaro por Donald Trump. São seres análogos unidos pelo egocentrismo. Um sonho tupiniquim do tipo eu serei você amanhã. E como todo ditador em potencial, o presidente brasileiro deve ter uma pretensão megalomaníaca. Quem sabe poder bradar para o mundo, em posição de sentido e prestando continência, “Bolsonaro First”.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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