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14 de maio de 2019
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20:04

Governando com o inimigo

Por
Sul 21
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Governando com o inimigo
Governando com o inimigo
(Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Sergio Araujo (*)

A tolerância adotada pelo presidente da República às agressões verbais proferidas por seus filhos e pelo guru da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho, contra os generais-ministros e as Forças Armadas, trouxe ao Palácio do Planalto o empoderamento de sentimentos destrutivos ao relacionamento humano, no caso, o rancor, a vingança, a arrogância, a inveja e a prepotência. Jair Bolsonaro jamais esqueceu a sua exclusão forçada da caserna, um aborto inesquecível e imperdoável para quem sonhava um dia ser um todo poderoso general.

Em razão disso, o perfilamento do ex-capitão ao baixo clero do Congresso Nacional, por 27 anos, teve um significado de castigo e de exílio. O sentimento de fracasso, vê-se hoje, lhe corroía as entranhas e assombrava seu sono. Natural, pois não era o terno e gravata que ele gostaria de estar vestindo, mais a briosa farda verde-oliva, adornada com as ambicionadas divisas de general quatro estrelas.

Mas aí veio o tsunami mundial do conservadorismo e da ascensão da direita radical e, com ele, a oportunidade da tão ambicionada vingança. Ungido pela onda avassaladora do antipetismo, o “alfaiate do oportunismo” trajou Jair Bolsonaro com as vestes de “salvador da pátria”, aquele que veio para tirar o Brasil das trevas. E foi assim, estigmatizado pela imposição da condição de mito, idealizado e apoiado pelas forças retrógradas da sociedade, que venceu a eleição presidencial. O sonho de ser tornar o comandante supremo das Forças Armadas finalmente tornou-se realidade.

E a desforra não poderia ser mais “saborosa”. O todo poderoso presidente da República, ao rechear o seu primeiro escalão de governo com generais, não apenas colocou-os na condição de subalternos como passou a tratá-los rigorosamente e impiedosamente como tal. E para não deixar dúvidas, trata com desdém os impropérios verbais proferidos contra os militares e permite que as redes sociais se transformem em trincheiras para o disparo incessante de ofensas contra aliados verde-olivas. A começar pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, apresentado como adversário e não como companheiro.

A situação tem se agravado de tal maneira que já se fala abertamente sobre a eminente demissão do general Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Aquele a quem Olavo de Carvalho chamou de “bosta engomada”. Para quem não sabe, Santos Cruz é tido nacional e internacionalmente como um dos oficiais brasileiros mais preparados para o exercício de missões de grande complexidade, tendo comandado as forças da ONU no Haiti e no Congo.

Como a postura de Bolsonaro às agressões de Carvalho tem sido de neutralidade, o tal de guru dispara indistintamente sua metralhadora de ofensas, não poupando sequer o vice-presidente Hamilton Mourão, democraticamente eleito, e o ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, líder respeitadíssimo na esfera militar. E como se não bastasse o descaso para com a gravidade das ofensas, o presidente condecorou Olavo de Carvalho com o mais alto grau da Ordem do Rio Branco, privilégio concedido aqueles que “se distinguiram por serviços meritórios e virtudes cívicas, estimulando a prática de ações e feitos dignos de menção honrosa”. E pensar que idêntica honraria foi concedida à Mourão.

Diante dessa sequência de afrontas aos antigos companheiros de farta é inevitável associá-la ao desejo de vingança. Aliás, a represália tem mostrado ser uma característica da personalidade de Bolsonaro. Prova disso, por exemplo, é a tentativa de acabar com a estação de Tamoio, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, área considerada santuário nacional e localizada próxima a residência de veraneio do hoje presidente. É que sete anos atrás Bolsonaro foi autuado por pesca ilegal na região. Agora, aproveitando a nova condição, mandou anular a multa que nunca foi paga, demitiu o fiscal que do Ibama que o flagrou e está tratando de revogar o decreto que criou a área protegida. A desculpa pública? Quer transformar o local numa “nova Cancún”.

O curioso nisso tudo, nessa série de impropérios, é que não existe mocinho e nem bandido. Inocente ou culpado. Certo ou errado. Todos estão conectados pelo desejo de ocupar o poder a qualquer custo. No caso dos militares, por exemplo, quem não lembra das faixas portadas por saudosistas da época da ditadura durante a greve dos caminhoneiros e nos comícios da campanha eleitoral? Dos dedinhos em forma de revólver? Pois bem, o desejo foi atendido, os militares estão no governo. Mas o que nem os eleitores de Bolsonaro, nem os militares e nem seus apoiadores de primeira hora esperavam é que Bolsonaro, mais do que imprevisível, seria indomável.

É por isso que a presença das Forças Armadas no governo, a cada dia que passa, se mostra mais fragilizada. Pelo beco sem saída em que se meteram. Pensaram que o criador conseguiria controlar a criatura e que estamos observando é exatamente o contrário. Se deram mal. Muito mal. E o que deveria ser um acordo de conveniências tem todos os componentes para se tornar uma ruptura por incompatibilidade. Ou melhor, o que era para ser uma garantia para o cumprimento do mandato pode acabar sendo motivo para sua interrupção abrupta.

Ou será que na sua insensatez comportamental e na sua limitação intelectual o ex-capitão imagina ser maior e mais forte do que as Forças Armadas? Bem, em se tratando de alguém que pensa ser o representante de Deus na face da Terra, tudo é possível. O futuro, ao que tudo indica breve, nos dirá. Até lá, salve-se quem puder e como puder.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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