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24 de abril de 2019
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19:23

O que você deveria saber mas a mídia não mostra

Por
Sul 21
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O que você deveria saber mas a mídia não mostra
O que você deveria saber mas a mídia não mostra
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Sergio Araujo (*)

Lembram do provérbio português que diz que “em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”? Pois é, usem o mesmo raciocínio para a crise econômica do país e a lógica será a mesma. Com a exceção de sempre, claro. Quem tem muito dinheiro faz da crise uma oportunidade para ganhar mais dinheiro. E isso talvez explique uma outra situação de complexidade estratégica, o posicionamento amplamente favorável da grande mídia às alternativas que estão sendo apresentadas como “vacinas” pelos nossos governantes para o agravamento da tal crise. Nada que possa ser chamado de ilegal, mas que dada a peculiaridade de uma atividade cuja finalidade primordial é informar a população, tamanho entusiasmo pela posição de uma das partes envolvidas no processo caracteriza um comportamento no mínimo reprovável e moralmente injusto.

Premida pelo avanço tecnológico, o antes poderoso monopólio da informação precisou adaptar-se aos novos tempos, especialmente após o surgimento da Internet e com ela as redes sociais. A informação até então dependente do meio impresso, televisivo ou radiofônico, evoluiu de maneira supersônica e está sendo vasculhada, manuseada e comentada instantaneamente pelos milhões de usuários de smartphones (em inglês, “telefone inteligente”) e relativizada pelos milhões de assinantes da TV à cabo.

Tamanha transformação exigiu que os veículos tradicionais se adaptassem aos novos tempos. Só que junto com a modernidade veio a perda de recursos, seja pelo compartilhamento financeiro (concorrência) com as novas plataformas, seja pelos custos dispendidos para a adaptação operacional às mesmas. E para agravar a situação, veio a crise econômica nacional. Ou seja, o que era visto como privilégio do tradicional complexo midiático, que tradicionalmente ‘dava as cartas e jogava de mão’, passou a ser uma tentativa desesperada de sobrevivência.

E como diz uma das leis de Murphy, de que “nada é tão ruim que não possa piorar”, junto com a crise econômica chegou o governo Bolsonaro, aquele que não veio para explicar, veio para confundir. Com uma lista prévia de veículos inimigos, catalogada desde a campanha eleitoral, e com uma visão distorcida sobre o uso e sobre a importância das redes sociais, o presidente, seus filhos e sua tropa fanatizada de seguidores, trataram de tocar o horror na grande mídia nos seus primeiros 100 dias do novo governo, um período de jogo de forças onde valeu de tudo, desde fake news até xingamento com palavrões.

Mas como para quem está se afogando, jacaré é tronco, a dor da crise logo ensinou todos a gemer. E da semente do ódio brotou o entendimento casuístico. O governo, pela vertiginosa queda na popularidade, e a grande mídia, pela dependência dos recursos públicos. Da mesma forma, dada a situação deficitária de boa parte das maiores empresas de comunicação, a verba advinda da iniciativa privada, mais do que nunca, passou a ser imprescindível para a subsistência das mesmas.

Nesse cenário de interdependência e de ação interativa de conveniências – o governo querendo melhorar a imagem, as empresas de comunicação necessitando de urgente aporte financeiro e o empresariado buscando negócios mais lucrativos – a mídia brasileira chutou para o alto seus princípios éticos e tratou de focar nos seus interesses, colocando em segundo plano os interesses da sociedade. É a logica capitalista do “primeiro os meus, depois os teus”.

Na real, o que as empresas de comunicação estão fazendo é institucionalizar uma prática cotidiana utilizada há tempos no trato com seus funcionários. A obediência a legislação que determina uma carga horária de cinco horas para jornalistas, por exemplo, sempre foi descumprida. Da mesma forma, a demissão sem justa causa é uma constante nas empresas jornalísticas, quase sempre gerada por questões financeiras (salários altos ou queda de receita). Em razão disso, se torna perfeitamente compreensível o apoio dado pela mídia a uma reforma trabalhista que suprimiu benefícios e flexibilizou direitos dos trabalhadores.

Igualmente, se torna evidente o porquê do explícito apoio editorial às privatizações, especialmente aquelas que tratam de áreas públicas lucrativas. Como empresa privada, o conglomerado midiático vê a transferência dos serviços e do patrimônio público como uma oportunidade de negócio, onde o que importa é o lucro. Então dê-lhe crítica as estatais que passam por difícil situação financeira ou com resultados momentaneamente insatisfatórios. E azar se elas são de interesse público. O que importa é dizer que se tivessem gerenciamento privado seriam melhor administradas. Mesmo que não aja garantias para tanto e mesmo que isso resulte num custo maior para o já sobrecarregado contribuinte.

Mas é na reforma da previdência que a promiscuidade financeira se manifesta de forma mais contundente. Afinal, desde o presidente da República, passando pelos governadores, prefeitos, boa parte dos parlamentares federais, estaduais e municipais, até a unanimidade do empresariado nacional, todos são favoráveis a medida. Mas o que é proposto? O presidente não diz (será que sabe?). O ministro da Fazenda não informa. Aliás, diz que se trata de informações sigilosas. Os deputados federais e os senadores afirmam desconhecer os detalhes do texto que o governo pretende ver votado e mesmo assim estão aprovando-o nas comissões temáticas. Mas aí vem a grande imprensa e afirma em editoriais e manifestações de colunistas que ela (a reforma da previdência) precisa ser aprovada. E com urgência.

E o proponente (governo federal) até então refratário ao conteúdo midiático, através do presidente da República, esquece as ofensas de outrora e faz juras de amor a importância da imprensa, dando a entender, veladamente, que saberá reconhecer o apoio recebido. Algo muito parecido com o troca-troca utilizado na busca de votos favoráveis aos projetos do governo e que a grande imprensa, contraditoriamente, diz condenar.

Em meio a essa negociata espúria o trabalhador que se exploda. O contribuinte que se rale. Se é o dinheiro que importa, então que sobre para alguns e falte para muitos. Aí dê-lhe supressão da contribuição sindical, de corte de verbas para as ONGs e outras formas de subsistência da participação popular. Em contrapartida, que se facilite ao máximo as intenções privatistas. Afinal, pela lógica reformista, o que interessa é fazer com que a população odeie a classe trabalhadora, especialmente os servidores públicos, tratados pela mídia como responsáveis por todas as mazelas do Estado e pela quebradeira do país, estados e municípios, e que os pobres fiquem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos.

Mas é preciso entender certas peculiaridades do segmento midiático para não pecar por equívocos, mal-entendidos ou preconceitos. Já existe jurisprudência de que um veículo de comunicação não precisa obrigatoriamente ser imparcial. Desde que deixe isso transparente, registrando em sua linha editorial. Por exemplo, qual a ideologia de sua preferência e até mesmo, em época eleitoral, qual o candidato de sua predileção? O que não pode é posar de neutralidade e usar o direito à liberdade de expressão como instrumento de indução coercitiva, praticando uma espécie de propaganda subliminar em suas reportagens e comentários.

O mesmo vale para os profissionais de imprensa. Aliás, embora inadmissível, é comum ver jornalistas deixarem-se contaminar por pseudas verdades que não passam de visões preconceituosas. Como a de que todo servidor público é preguiçoso e privilegiado. Ora, se a atividade jornalística exige que seus profissionais trabalhem nos finais de semana e nos feriados, que culpa tem os servidores públicos de possuírem carga horária diferenciada? Aliás, o pessoal da segurança pública e de áreas consideradas de utilidade pública também não tem folga nos sábados, domingos e feriados.

Da mesma forma, por que os jornalistas condenam o funcionalismo público por possuir estabilidade no emprego se isto está na lei? Fizeram concurso público, passaram por estágio probatório, atuam com dedicação exclusiva ao seu empregador e são regidos por uma legislação e um contrato de trabalho específico no que tange obrigações e direitos, pré-requisitos aos quais os jornalistas que atuam na iniciativa privada não estão submetidos. Então qual o problema do funcionalismo atuar segundo o regramento do serviço público? Tais distorções conceituais levam a outras tantas, como a de dizer que todo jornalista é venal e dissimulado. O que, de maneira generalizada, sabemos que não é verdade.

Aliás, como jornalista me alvoro a dizer que tanto o servidor público como os profissionais da imprensa são seres humanos movidos por situações mundanas que conduzem a erros e acertos. Cabe a cada um primar pelo seu aperfeiçoamento como cidadão e como profissional. Sem hierarquização difamatória e sem preconceitos infundados e, principalmente, com o foco fixado na cidadania.

Mas não espere ler, ver ou ouvir isto na grande imprensa. Ela estará sempre e agora cada vez mais ocupada com os bastidores econômicos da notícia que colocam, em primeiro lugar, o interesse do patrão. E no mundo do capitalismo esta é uma verdade inconveniente.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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