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29 de março de 2019
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22:12

Piada de caserna ou irresponsabilidade?

Por
Sul 21
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Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados

Sergio Araujo (*)

A semana que finda foi marcada pela troca de ironias entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia. O lamentável episódio, porém, prestou-se ao esclarecimento do que os dois pensam. Uma espécie de vitória do subconsciente sobre o politicamente correto, embora seja pouco provável que o atual ocupante do Palácio do Planalto saiba separar o que é realidade e o que é fruto da sua fértil imaginação. E demonstra isso acreditando ser e se comportando como um mito. Um predestinado que se coloca acima de tudo e de todos.

Insatisfeito com a manifestação do presidente da Câmara dos Deputados quanto ao seu pouco envolvimento na busca da aprovação da reforma da previdência, Bolsonaro disparou sua metralhadora verborrágica insinuando que Maia está abalado por questões pessoais, numa nítida alusão a prisão do seu sogro, o ex-governador e ex-ministro Moreira Franco.

Em sua réplica, Rodrigo Maia afirmou que abalados estão os brasileiros que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. “São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”.

Foi o que bastou para Bolsonaro generalizar, passando o rodo nos parlamentares a quem chamou de “representantes da velha política” e que querem manter a histórica troca de favores, popularmente conhecida como “toma lá, dá cá”. Como se ele próprio não fizesse parte desse grupo no longo tempo em que ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Mas apesar dos pesares, “pelo bem da nação”, os ânimos se arrefeceram, pelo menos momentaneamente. Foi um mal-entendido, me disse um bolsonariano. “Uma piada de caserna”, complementou. O que me permitiu dizer-lhe que então Rodrigo Maia tinha razão. E aí é que está um dos graves equívocos do ex-capitão, hoje presidente.

Ele precisa decidir se adota a postura de militar saudosista ou de político por formação. A presidência da República não é um quartel e muito menos uma caserna. E essa confusão não é recente, ou alguém já esqueceu que Bolsonaro, então deputado federal, dedicou seu voto favorável ao impeachment da presidente Dilma ao ex-chefe do DOI-CODI, coronel Brilhante Ustra.

Esse tipo de “brincadeira” não se presta a democracia. E muito menos a quem tem a responsabilidade de governar uma nação do tamanho e da importância do Brasil. E motivos para dar seriedade ao cargo é que não faltam. Basta, por exemplo, consultar o Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Já ultrapassamos a marca de 62 mil assassinatos por ano, trinta vezes mais do que o índice alcançado pelos países europeus. Só na última década, segundo o estudo, 353 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta, numa média de 153 mortes/dia, equivalente a queda de um Boeing-737 a cada 24 horas. E, pasmem, a maioria dos assassinatos (56,5%) são de homens jovens entre 15 e 19 anos, preferencialmente negros e pardos. Ah, e a imensa maioria das mortes (71,6%) foram causadas por arma de fogo.

Diante de tais números, como justificar a prioridade dada por Bolsonaro a liberalização da compra de armas e a redução da maioridade penal? Enquanto isso, a melhoria do ensino público, solução para os males da violência, continua sendo tratado de maneira secundária. Ou a escolha do atual ministro da Educação não passa de um grande descaso, no mínimo uma brincadeira de muito mau gosto?

E nesse circo em que o país está se transformando resta ao cidadão os papéis de palhaço, equilibrista e mágico. E ainda querem que a gente sente na plateia ache graça e bata palmas. Fala sério, rir de quê?

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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