Sergio Araujo (*)
Tem um ditado português que representa perfeitamente o início truculento e atrapalhado do governo Bolsonaro: “Ovelhas não são para o mato”. Ou seja, a falta de aptidão para o desempenho do cargo de presidente da República explica as confusões e o fraco desempenho do novo ocupante do palácio do Planalto. O que não deveria surpreender ninguém, haja visto a trajetória improdutiva de Jair Bolsonaro em seus sete mandatos (27 anos) como deputado federal.
Entretanto, o que causa espanto é justamente outra expressão que começa a se tornar lugar comum num governo com feições de Exército de Brancaleone, o “fogo amigo” (do inglês – Friendly fire), uma expressão eufêmica utilizada militarmente para retratar ataques de aliado contra aliado. No caso, dos filhos do presidente contra seus ministros, contra seus correligionários e contra o próprio governo.
Os “garotos’, como Bolsonaro chama seus filhos, estão mais para barbados irresponsáveis do que para adolescentes transloucados. Flávio, o senador, tem 37 anos e mesmo antes de assumir o cargo no Senado se tornou alvo de inquérito da PGR por suspeita da prática de falsidade ideológica eleitoral e lavagem de dinheiro. Eduardo, o deputado federal, tem 34 anos e foi o autor da “pérola” de que para fechar o STF “basta um soldado e um cabo”.
Já Carlos, vereador, 36 anos, classificado pelo pai como seu pitbull, e que coordena as redes sociais do presidente, tem se mostrado o mais indisciplinado da prole. Com estímulo paterno, chuta a canela de todos sem medir tamanho ou importância. Ao dizer que a morte do pai não interessava somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto, “principalmente após a sua posse”, colocou em dúvida a lealdade do vice, general Hamilton Mourão. Agora recente, resolveu deliberadamente e com o endosso do pai-presidente, chamar publicamente o ex-presidente do PSL e atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, de mentiroso, causando um frenesi político generalizado.
Ao permitir que seu filhos ajam como se as questões de governo fossem parte da vida familiar e ao se comportar como se ainda fosse candidato, com toda a verborragia que lhe é peculiar, incluindo o habitual disse não disse, Jair Bolsonaro consegue mostrar nos primeiros dias de governo que aquele estilo Mr. Bean não era uma estratégia política e sim uma realidade comportamental. E é dessa forma trôpega e surpreendente, ao que tudo indica, que pretende tratar os temas que afetam diretamente a vida dos brasileiros, como a previdência.
O presidente precisa saber que mesmo que apareça numa reunião ministerial de abrigo, camiseta pirata do seu time de preferência e de chinelo, a presidência da República jamais será a sua casa, porquanto sua temporariedade no posto. Ser presidente do Brasil é ter respeito pela grandeza e importância do cargo e agir e se portar de maneira compatível é mais do que uma consequência, é uma obrigação.
O mesmo serve para a montagem da sua equipe de assessores. Não dá para aceitar o critério da amizade ou da religiosidade, para ficar apenas nesses dois quesitos. Porque a autoridade administrativa do presidente não pode ter limites ou exceções. Para não correr riscos, vexames e descrença. Ou ridicularizar os escolhidos, como acontece com a ministra dos Direitos Humanos, Família e Mulher, Damares Alves, e com os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Ser chefe de Estado não significa transformar o governo numa confraria de Bolsonaristas. O Brasil tem problemas demais para se conformar com um governo doméstico, de viés autoritário e discriminatório. Mas as urnas fizeram sua escolha. Resta torcer para que o presidente, bem ao seu estilo, consiga minimamente pôr ordem na casa.
(*) Jornalista
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