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20 de novembro de 2018
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17:07

Remédio amargo para a crise financeira sem a participação da iniciativa privada é placebo

Por
Sul 21
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Remédio amargo para a crise financeira sem a participação da iniciativa privada é placebo
Remédio amargo para a crise financeira sem a participação da iniciativa privada é placebo
Governo Sartori: “estratégia governamental mal sucedida”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Sergio Araujo (*)

Ao apoiar o discurso do quanto pior melhor, praticado pela atual administração estadual, o grupo RBS através de dezenas de editoriais defendeu a lógica de que o equilíbrio das finanças do Estado dependeria quase que exclusivamente de medidas voltadas ao enxugamento da máquina pública e a supressão de “privilégios” do funcionalismo estadual, especialmente os do poder Executivo. Nesse sentido, defendeu e justificou a adoção de medidas praticadas pelo governo Sartori, como o congelamento e o parcelamento dos salários, a extinção de fundações e estatais, a falta de investimentos em áreas prioritárias, etc.

Às vésperas da troca de governo, sem fazer a necessário mea culpa por ter exortado a estratégia governamental mal sucedida, comprovada pela projeção da piora das contas do erário cujo passivo deverá superar o recebido em 1º de janeiro de 2015, o jornal Zero Hora em novo editorial, adota um discurso menos depressivo/calamitoso e mais otimista. Talvez movido pelo tom conciliatório e esperançoso que tem caracterizado as manifestações do governador eleito Eduardo Leite, inclusive em entrevista exclusiva divulgada pelo próprio jornal.

Mas apesar da transformação aparentemente camaleônica, o periódico não abdica do posicionamento de que a busca do equilíbrio das contas do Estado, sintetizada pela figura do “caos”, depende visceralmente da “distribuição de sacrifícios dos demais poderes” e, principalmente, das “corporações” dos servidores públicos. E essa foi a tônica do editorial do Grupo RBS, publicado na edição do dia 20 de novembro sob o título “O acordo pelo Rio Grande”.

Ou seja, insiste na aplicação do remédio amargo, sustentando a necessidade de aumentar a sua dosagem, sem se preocupar se isso poderá colapsar o organismo estatal causando, ai sim, um caos no atendimento dos serviços públicos, indispensáveis para a população desassistida.

E essa é a grande questão, quem se beneficia com a desvalorização do cabedal estatal, tanto patrimonial como humano? Ora, aqueles que tem interesse em assumir o papel desempenhado pelo Estado, ou seja, a iniciativa privada. Claro, desde que a preços atrativos.

E é aí que se encontra a grande contradição da fórmula defendida pelos editoriais da RBS. Ao desconsiderar o segmento empresarial no diagnóstico das razões para a grave crise financeira do Rio Grande, retira da prescrição das medidas saneadoras um elemento importantíssimo, quer para o agravamento da “doença”, quer para a recuperação do “paciente”, ameaçando transformar o tal “remédio amargo” num novo placebo.

Óbvio que é preciso racionalizar os gastos públicos, cortando despesas desnecessárias e revisando a manutenção de privilégios funcionais, principalmente os dos poderes que ficaram alheios aos sacrifícios impostos aos servidores do Executivo, mas é vital para a saneamento das finanças que o sacrifício apregoado pelo editorialismo da RBS atinja também aqueles que se beneficiam com a sonegação de impostos e com favorecimentos fiscais que não encontram justificativa na relação custo-benefício, no caso as grandes empresas privadas.

Aliás, é recomendável que o governador eleito, que tem dialogado com as entidades representativas da classe empresarial visando o apoio à manutenção das atuais alíquotas do ICMS, mantenha essa interlocução para que o empresariado (atual e futuro) se sinta parte integrante do esforço para recuperar a economia gaúcha, oferecendo sua cota de colaboração, incluindo sacrifício se for o caso.

Só assim, num pacto generalizado, democrático e justo, o proclamado acordo defendido pelo editorial da Zero Hora poderá, quem sabe, se tornar realidade. Afinal, como se diz no jargão comercial, um negócio só é bom quando todos ficam satisfeitos.

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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