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7 de novembro de 2018
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20:07

Entre o bode na sala e o balão de ensaio

Por
Sul 21
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(Foto Tomaz Silva/Agência Brasil)

Sergio Araujo (*)

Quatro séculos depois do brilhante poeta e dramaturgo inglês, Willian Shakespeare, ter dito que “há mais coisas entre o céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”, a frase foi adaptada pelo jornalista e escritor brasileiro, Apparício Torelly, conhecido como Barão do Itararé, que disse que “há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira”. Pois bem, precisou as urnas consagrarem a vitória de Jair Bolsonaro para que a célebre frase exigisse uma nova modificação, muito mais adequada às polêmicas declarações do presidente eleito, qual seja: “Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira e dos balões de ensaio”.

Explico usando outra expressão popular, o chamado “colocar o bode na sala”. Trata-se da estratégia amplamente utilizada por empresas e governos onde diante de um problema e da impossibilidade de resolvê-lo, frequentemente a opção é por arrumar um problema maior, causar ainda mais mal estar e depois eliminá-lo, de modo que todos fiquem felizes pela eliminação do problema maior (criado artificialmente) e se esqueçam do problema menor, que não chegou a ser resolvido. Agora digam se não é isso que o presidente eleito, pessoalmente ou através dos seus interlocutores (filhos, Mourão e ministros anunciados), está fazendo nas entrevistas e nas postagens das redes sociais?

É um tal de disse não disse, um vai-e-vem, poucas vezes visto. O mais recente, diz respeito a transferência da embaixada brasileira da cidade de Tel Aviv para Jerusalém, em Israel. Depois de anunciar enfaticamente a mudança e ter sofrido represália dos países árabes e de empresários brasileiros que mantém negociações com o Oriente Médio, Bolsonaro voltou atrás e disse que o assunto ainda não está oficialmente definido. Ou seja, legítimo balão de ensaio. Ainda na área internacional, outro desmentido envolveu a pretensa saída do Brasil da ONU, uma organização que segundo Bolsonaro não passa de uma “reunião de comunistas”.

Mas é no âmbito interno, especificamente na composição do novo governo, que se processa o maior volume de declarações do tipo disse-desdisse. Na fusão de ministérios, por exemplo. Inicialmente os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente fariam parte de uma só Pasta. A motivação? Atender os interesses dos produtores rurais. Pois bastou que os mesmos se mostrassem contrários à medida para que a ideia fosse afastada. O mesmo ocorreu com a fusão do ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços com o da Fazenda. Precisou os empresários manifestarem contrariedade para que a intenção caísse por terra.

Ainda sem uma transparência quanto ao que pretende fazer e da forma como irá atuar – fruto da falta de uma participação mais ativa do então candidato Jair Bolsonaro em entrevistas e debates -, nada mais compreensível do que a oscilação do mercado e o sentimento de incerteza que se instalou no dia-a-dia dos brasileiros e no futuro da Nação. E como nada está tão ruim que não possa piorar, o presidente eleito não se cansa de criticar a imprensa, classificando-a como tendenciosa e pouco confiável. Ou seja, quer ser ele próprio o seu contraponto. Daí a sua preferência pelo uso das redes sociais.

Mas também não podemos dizer que as estratégias do “balão de ensaio” e do “bode na sala” são algo peculiar, inédito, principalmente no meio político. O que diferencia o atual momento dos anteriores é que ao invés do caráter de excepcionalidade, tais artimanhas adquirem feições de praxidade, de rito, algo que se somado ao desvario da figura do mito, coloca em risco não apenas a credibilidade do novo governo mas, especialmente, a confiabilidade de que as coisas que já estão em situação calamitosa, econômica e socialmente, terão um curso de melhoria e não de agravamento.

Mas o pior mesmo será se descobrirmos que toda essa ambiguidade é intencional, de que o real objetivo pode estar na conhecida frase do saudoso Abelardo Barbosa, o Chacrinha, que dizia não ter vindo para explicar, mas para confundir. Menos mal que o próprio Chacrinha se incumbiu de oferecer o antídoto para esse disparate. Segundo o velho guerreiro “quem não se comunica, se trumbica”. Alea jacta est.

Sergio Araujo

(*) Jornalista

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