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21 de setembro de 2018
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19:00

A eleição do ódio

Por
Sul 21
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A eleição do ódio
A eleição do ódio
Foto: Guilherme Santos/Sul21

 Sergio Araujo (*)

“Nada é permanente, exceto a mudança”. Heráclito

Se o atentado contra um candidato à presidente da República é algo inédito, o mesmo não pode ser dito da interferência dos EUA e do Exército brasileiro no cenário político nacional. Depois de 1964, quando o governo americano apoiou o golpe militar impetrado contra o então presidente João Goulart, inclusive com a presença de uma esquadra da Marinha norte-americana estacionada próxima ao litoral brasileiro, não se observava tamanho interesse pelos destinos do comando do país.

E são vários os indícios recentes dessa ingerência. O encontro do marqueteiro de Donald Trump com a equipe de Jair Bolsonaro, objetivando auxiliar na campanha é um deles. O mesmo pode ser dito da reunião do vice-presidente americano, Mike Pence, com Michel Temer, que sob a fachada de relações comerciais e científicas, teve como pauta principal o pedido para que o Brasil adote atitudes mais vigorosas para isolar o regime de Nicolás Maduro.

Da mesma forma, são frequentes as intromissões de lideranças militares brasileiras sobre as eleições de outubro, reeditando temas como uma possível intervenção das forças armadas nos destinos do país. Ou a manifestação do comandante do Exército, general Villas Bôas, dizendo que “se o Exército tiver que intervir será para fazer valer a Constituição, manter a democracia e proteger as instituições”, não é exatamente isto? Onde está a ameaça que justifique o alerta? E para não deixar dúvidas foi enfático ao declarar que “a candidatura de Lula seria uma afronta à Constituição”.

Pois foi o descontentamento com as brechas constitucionais que fez com que o general da reserva, Hamilton Mourão, candidato à vice na chapa de Jair Bolsonaro, fizesse o contundente pronunciamento de que “na hipótese de anarquia poderá haver um autogolpe do presidente com o apoio das forças armadas”. E para não deixar dúvidas sobre seu pensamento, complementou dizendo que caso seja necessária a construção de uma nova Constituição não seria necessário convocar uma Constituinte. “Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, afirmou.

Com tanto interesse pela atividade política, não chega a causar surpresa o vertiginoso crescimento das candidaturas de militares. A começar pelo ineditismo de dois candidatos da reserva disputarem à presidência da República na mesma chapa, no caso o ex-capitão Jair Bolsonaro (PSL) e o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB). Acrescente-se ainda a esta nominata de postulantes ao Palácio do Planalto o nome do Cabo Daciolo (Patriota), um bombeiro militar do Rio de Janeiro.

Mas é nas eleições proporcionais que encontramos o maior contingente de representantes deste segmento. Segundo levantamento realizado pelo jornal Folha de São Paulo, 553 candidatos militares, sejam eles das Forças Armadas, das Polícias ou do Corpo de Bombeiros, estarão concorrendo nas eleições de 7 de outubro. O número é 12 vezes maior do que o registrado em 1994, quando 43 postulantes apostarão na militarização de nomes para atrair votos e 39% acima na comparação com as eleições de 2014.

Pois bem, toda essa movimentação pouco peculiar a atividade política demonstra que estamos diante de uma súbita participação de agentes até então pouco transparentes. Falo da interferência externa, os Estados Unidos por exemplo, e interna, como a mobilização doutrinária dos quartéis e o ativismo dos saudosistas do regime militar. O interessante é que isso se processa de uma forma contraditória, pois as minorias antes caladas hoje atacam as minorias ruidosas, até então democraticamente atuantes.

E para apimentar ainda mais o ambiente de incompreensões, a campanha eleitoral se processa de maneira belicosa, com declarações preconceituosas e radicais, que atuam como gasolina às fogueiras das vaidades e das intenções nada republicanas.

Posso até estar enganado, mas não foi esse o clamor ouvido nas ruas nas grandes mobilizações populares de 2013 e 2014. Onde estão as medidas exigidas, como o fim da corrupção e mais investimentos nas áreas da educação, saúde e infraestrutura? E por que isto é tratado de maneira secundária na campanha eleitoral? Onde foi parar o espírito democrático e a defesa da cidadania? Cadê o respeito pela vontade livre e soberana dos brasileiros? Por que tanto ódio?

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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