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5 de julho de 2018
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21:04

Doações privadas para o Estado: Filantropia ou negócio?

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Sul 21
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Doações privadas para o Estado: Filantropia ou negócio?
Doações privadas para o Estado: Filantropia ou negócio?
O governador Sartori e o secretário de Segurança Pública, Cezar Schrimer, recebem doações da Taurus | Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

Sergio Araujo (*)

Quando o então presidente Washington Luis (1926-1930) pronunciou a célebre frase “governar é construir estradas”, a situação do erário não era boa, ao contrário do que ocorria com os barões do café e os coronéis nordestinos. Mesmo assim, com essa visão nacionalista iniciou, com recursos públicos, o asfaltando de rodovias interestaduais.

E quem se beneficiou mais destes investimentos? Os grandes produtores privados, que puderam escoar pelo país continental as suas produções com muito mais rapidez e economia.

Passadas nove décadas, a situação pouco se modificou. O Estado continua financiando a construção de rodovias e quem continua lucrando com isso é a iniciativa privada. Agora não mais indiretamente, mas objetivamente, através de concessões públicas onde o governo constrói e os concessionários administram.

Mas como não existe almoço grátis, o ressarcimento pela manutenção, restauração e ampliação dos trechos ocorrerá mediante a lucrativa cobrança de pedágio. Afinal, assim é a lógica privatista: só entrar no negócio se for para ganhar. Não importa se você já paga uma exorbitância tributária, botou o pneu na rodovia “deles” tem que pôr a mão na carteira. Sem lucro, sem serviço.

E aí acaba acontecendo o que estamos observando com o término do contrato de concessão da Freeway, como é conhecido o trecho da BR-290 entre Porto Alegre e Osório. A estrada ficou “sem pai, nem mãe”. Solução? Nova concessão, em licitação prevista para acontecer no final do ano.

A menção das rodovias pedagiadas é apenas um exemplo do foco deste artigo: a suspeita da relação da propalada parceria público-privada, uma das bandeiras defendidas pela maioria dos pré-candidatos à Governador e à Presidente da República.

E o que dizem os defensores da privatização dos serviços públicos, que veem nela a solução para a crise financeira que depaupera os cofres dos Estados e da União? Que a função do Estado é cuidar apenas das áreas da Saúde, da Educação e da Segurança. O resto fica por conta da iniciativa privada.

Fosse verdadeira essa tese, então por que tanto interesse, tanta interferência privada nessas áreas? Ou o crescimento do número de planos privados de saúde, do número de escolas e universidades particulares e da quantidade de empresas de vigilância é apenas uma coincidência? Uma obra do acaso?

A verdade, não dita, é que a bússola social do empresariado sempre foi, é, e sempre será, a rentabilidade. O lucro. Sem nenhum constrangimento. Mesmo quando aparenta ser uma atitude filantrópica.

Querem um exemplo? De uns tempos para cá um grupo de empresários porto-alegrenses, que possuem estabelecimentos comerciais em determinadas áreas da capital, resolveu doar viaturas, armamento e munição para a polícia gaúcha.

Diante de uma realidade assustadora, com crescentes índices da criminalidade e em meio a falta de recursos públicos para investir em segurança pública, a ação espontânea foi retratada pela grande imprensa como um exemplo de cidadania.

E pensando bem, até pode ser. Não fosse a dúvida sobre a sinceridade dos interesses. Receio mais do que natural, tendo em vista a máxima privatista do “primeiro os meus”. Mas quem garante que os bairros e até mesmos as ruas e avenidas, onde residem ou atuam comercialmente os doadores, não serão privilegiadas pelo aparato policialesco presenteado?

Claro que essas doações são bem-vindas, pois irão servir para suprir uma carência imprescindível.

Óbvio que elas poderão beneficiar os porto-alegrenses como um todo. Mas quem garante que por trás do interesse comum não se esconde o interesse pessoal ou corporativo?

E o que fundamenta esse temor é aquilo que tem se caracterizado como um dos maiores problemas da administração pública: a falta de uma fiscalização eficiente e eficaz.

A associação do poder público com a iniciativa é privada será sempre bem vinda quando a parceria for boa para todos e não para alguns.

Quer administrar as rodovias, cuide bem delas e cobre tarifas justas, que possam ser suportadas pelos usuários. Quer doar equipamentos e viaturas para a polícia, faça isso com desprendimento, sabendo que o policial que fará uso deles tem como missão servir a coletividade, sem privilegiar ninguém particularmente.

Mas como controlar a subalternidade aos interesses privados se o Estado é irresponsável na fiscalização e o cidadão precisa cuidar da sua vida e não tem tempo para fiscalizar a vida dos outros?

Simples, escolhendo corretamente aqueles que serão os nossos representantes. Como? Votando certo para prefeito, governador e presidente.

Falando nisso, você já se pensou em quem irá votar nas eleições do dia 7 de outubro?

(*) Jornalista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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