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25 de dezembro de 2014
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02:09

O embargo caiu. E agora?

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Sul 21
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grande-irmao-02Por Sérgio Araújo

O fim do embargo comercial dos Estados Unidos da América à Cuba é visto por muitos como equivalente a queda do muro de Berlim. Apesar de ser ainda uma promessa a ser cumprida a medida, pela sua importância e significado, trás consigo várias indagações. Dentre ela, quais seriam os reais motivos que levaram os EUA a tomar a medida? Qual nação será mais beneficiada? Que reflexo isso trará à economia mundial, especialmente para o continente latino-americano?

Apesar da franquesa do presidente Barack Obama, que declarou que o fim do embargo encerra uma abordagem que por décadas falhou na defessa dos interesses dos EUA, e que a nova situação representa a criação de mais oportunidades para os americanos e para o povo cubano, só um ingênuo poderia acreditar que por trás dos objetivos comerciais não se esconde uma nítida estratégia visando a expansão do modelo capitalista defendido pela nação yankee.

Mais do que expandir o mercado das grandes empresas americanas, vendendo veículos da Ford e da GM, ou ampliando a rede de sandwiches da McDonald’s e da Coca-Cola, o foco dos EUA, sem dúvida, deve estar na tentativa de impor um novo (ao será apenas um make-up da antiga tentativa?) bloqueio, desta feita não apenas ao país comandado pelos irmãos Castro, mas a todo o continente sulamericano.

Refiro-me ao crescimento dos governos com tendências socialistas na região. É a aplicação do velho ditado americano que diz: “Se não podes derrotar o inimigo, junte-se a eles”. Ou uma nova versão do pensamento do conhecido filósofo chinês Lao Tsé, que afirmou: “Mantenha os amigos sempre perto de você e os inimigos mais ainda”. Ou alguém em sua sã consciência pode imaginar que depois de mais de meio século de ferrenha oposição os EUA, sob a batuta do seu primeiro presidente negro, teve um súbito insight de civilidade e de boa vontade?

Isso é tão evidente que antes mesmo de Cuba desfrutar das benécies financeiras resultantes do fim do embargo o presidente de Cuba, Raul Castro, já lançou um alerta: “Isso não quer dizer que a questão principal tenha sido resolvida”. Refere-se, claro, ao histórico embróglio ideológico entre socialismo e capitalismo. E este será, sem dúvida, o campo de batalha da nova era das relações cubano-americanas. Mas se existem dúvidas, não há como negar os benefícios econômicos que serão gerados pela aproximação da grande nação americana com a pequena ilha do Caribe.

Com o crescimento econômico Cuba – que hoje se destaca como líder latino-americano na luta pela implantação do regime socialista no continente – vê surgir um novo horizonte para que o país de Fidel venha a se tornar também o esteio econômico da região, posição ocupada atualmente pelo Brasil, que só perde para o poderio econômico norte-americano. Aliás, dados do Banco Mundial já indicam que mesmo antes do fim do embargo o comércio exterior de Cuba já é proporcionalmente maior que o Brasil.

E quem pensa que Cuba por ser uma pequena ilha não pode pensar grande é recomendável lembrar-se do caso do Japão, que apesar de quase totalmente destruído pela guerra tornou-se a quarta maior economia do planeta. O mesmo pode ser dito da Coreia do Sul, Singapura e Hong Kong, tão pobres quanto Cuba há 50 anos, que abriram a porteira para o capitalismo internacional e que hoje estão mais ricos que a Europa. Mas junto com o crescimento econômico veio o enfraquecimento da doutrina socialista.

Claro que não se pode prever o mesmo para Cuba, até porque o presidente Raul Castro, em seu primeiro pronunciamento após o anúncio feito por Barack Obama, declarou que “assim como Cuba respeita o sistema político dos Estados Unidos, irá exigir que os Estados Unidos respeite o sistema político cubano”. E é aí que está a importância do crescimento da economia cubana. Com mais dinheiro fica mais fácil atingir a meta de espalhar a doutrina socialista por todo o continente latino-americano. E esse é e sempre foi o temor dos EUA.

Mas o presidente cubano está sendo correto. Dinheiro algum pode comprar a soberania de uma nação. Cabe aos cubanos, desde que livremente, escolher o melhor para as suas vidas. Ninguém tem o direito de impor sua verdade a outrem. Nem mesmo numa ditadura. Seja ela de direita ou de esquerda. Que o el bloqueo traga consigo mais do que dinheiro. Que traga ares de liberdade e de cidadania. Para Cuba e para os EUA.

Cuba já foi capitalista, bem sucedida economicamente, mesmo assim seu povo foi prisioneiro de governantes corruptos e pouco avessos à cidadania. Hoje vive um momento socialista, implantado pela força das armas há mais de meio século, que mantém seu povo totalmente dependente do Estado, apesar de reconhecidos avanços em áreas de grande impacto social, como a Educação.

Os Estados Unidos, por sua vez, aprenderam com a chegada dos refugiados cubanos e com as inúmeras guerras que dizimaram a vida de milhares de jovens americanos, que dinheiro e poder não significam paz e felicidade. O medo do terrorismo é a chaga mais visível da histórica distorção das relações internacionais dos EUA com os países a eles subjugados pelo poderio econômico e/ou bélico.

Que a maturidade das experiências cubanas e norte-americanas permita que as duas nações comprovem que aprenderam a lição. Mesmo quando as intenções ainda se mostrem pouco transparentes. O povo cubano merece ter uma melhor qualidade de vida e os americanos precisam aprender a olhar o mundo com mais civilidade, respeitando as individualidades de cada nação, agindo como se fosse realmente um grande irmão, como gosta de ser chamado, e não como um padrasto egoísta, prepotente e dominador.

Só assim poderemos acreditar na sinceridade das intenções de Obama e Raul Castro. Só desta forma o gesto a tanto tempo aguardado poderá ser visto com a mesma importância e o mesmo significado que teve a queda do muro de Berlim. Que Cuba e os Estados Unidos da América não nos decepcionem.

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Sérgio Araújo é jornalista e publicitário


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