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4 de dezembro de 2014
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10:36

Conexão popular

Por
Sul 21
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Por Sérgio Araújo

Fazer política partidária é saber estar conectado com a vontade popular. Mas tal qual pauta jornalística, onde nem tudo que parece notícia é, na política também, nem tudo que interessa ao partido é de interesse do povo em geral. Portanto, se saber identificar uma notícia é coisa para especialista, o mesmo ocorre com a sintonia entre partido e eleitor. Como partido significa parte da população, saber identificar a vontade da maioria é um pré-requisito indispensável para a boa relação entre o partido e o eleitor. Mas as últimas eleições mostram que não é bem isso que está acontecendo.

Quando o pluripartidarismo se instalou no país após o regime militar os brasileiros estavam desacostumados com o papel da oposição. Natural, pois foram 21 anos de ditadura. Naquela época era muito sim senhor e quase nenhuma contestação. Mas os tempos mudaram e, passado quase três décadas da redemocratização, vários partidos ocuparam, de maneira escalonada, o poder da nação, dos estados e dos municípios.

De todos, um dos recordistas de permanência no poder é o Partido dos Trabalhadores. Num rápido exercício de memória me recordo dos 16 anos do PT na prefeitura de Porto Alegre, mesmo período assegurado até agora pelo PT nacional, que desde 1998 ocupa a presidência da República.

Tal predomínio leva a crer que o PT foi, dentre todos os partidos, aquele que mais conseguiu se apresentar como legítimo representante da oposição. E pelo peculiaridade das suas ações, aplicadas especialmente nas campanhas eleitorais e na prática legislativa, sua atitude serviu mais como balizador das ações do eleitor identificado com o voto de oposição do que como representante da vontade popular. Embora esse tenha sido o discurso utilizado. É só lembrar, por exemplo, do Orçamento Participativo.

Mas como ser governo (situação) não é fácil, ainda mais para quem sempre teve o domínio oposicionista, permanecer por um longo período no poder acaba, mesmo sem querer, construindo uma imagem de situação. E como vidraça sujeito a pedradas. Mesmo que o atirador de pedras não tenha a mesma competência para fazer oposição. Pois é isso que vem acontecendo com o PT nas eleições gerais.

Nunca nas últimas quatro campanhas presidenciais o PT esteve tão ameaçado pela derrota eleitoral. Basta ver a pequena diferença que separou Dilma Rousseff de Aécio Neves. E muitas foram as causas. Mensalão, Petrolão, protestos de junho de 2013, vaias na Copa do Mundo, etc. A reeleição de Dilma foi salva pelo resto da gordura que sobrou do pacote de bondades populares aplicados desde o governo Lula. Mas nitidamente o que faltou ao PT foi uma maior identificação com as causas populares. Mas foi à nível estadual que esta falta de sintonia se mostrou mais visível. E o exemplo maior foi o resultado obtido pelo PT nas últimas eleições. Vejam o quadro abaixo:

Representação petista nas últimas quatro eleições gerais

tabela artigo

 

 

Como se percebe, o crescimento do PT nas eleições proporcionais ocorre sempre que ele desempenha o papel de oposição, retraindo-se, posteriormente, quando atua como situação. E é essa tendência, aliada a adoção de práticas tradicionais, comuns aos outros partidos, que está fazendo com que o PT, ao olhos do eleitor, acabe sendo visto como mais um dentre tantos partidos políticos.

E esse é o desafio do Partido dos Trabalhadores. Consolidar sua conexão com a vontade popular estando na oposição ou no governo. Em outras palavras, fazer com que o seu eleitorado se sinta representado e partícipe da gestão petista quando o partido estiver ocupando o poder. E claro, esse também é o desafio para os demais partidos que precisam mostrar à população que podem servir de alternativa enquanto representantes da oposição. E as manifestações, ainda tímidas, que estão acontecendo pelo país demonstram um esforço nesse sentido.

É por isso que vejo coerência na atitude da bancada petista ao votar contra a aposentadoria especial para os deputados estaduais. Não sei se intencionalmente ou não, tal comportamento acabou se identificando com o pensamento da maioria dos gaúchos. Claro que tal postura pode ter como pano de fundo a tentativa de melhorar a má imagem dos políticos, agravada pelas recentes denúncias geradas pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Mas não resta dúvida de que desta vez houve sintonia com a vontade popular. Salvo se os parlamentares petistas que votaram contra o privilégio acabarem aderindo ao mesmo. É esperar para ver.

Aliás, bem que o PT nacional poderia adotar medida semelhante, adotando medidas punitivas e preventivas para os filiados que se envolverem em corrupção, em consonância com o clamor das ruas.

Esse, a meu juízo, é o caminho para uma boa comunicação com o eleitor e um melhor desempenho eleitoral. Fazer o cidadão se sentir importante nas decisões sobre a sua vida. Permanentemente, e não apenas nas urnas. Como? Prestando atenção nas suas manifestações e ouvindo suas reivindicações. E, claro, tornando-as realidade. Afinal, vivemos numa democracia e a soberania tem que ser popular.

Sérgio Araújo é jornalista


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