Colunas>Sérgio Araújo
|
29 de outubro de 2014
|
19:23

O recado das urnas

Por
Sul 21
[email protected]
O recado das urnas
O recado das urnas

Tornou-se lugar comum afirmar que o recado das urnas nesta eleição foi a necessidade de mudança. Uma obviedade do ponto de vista do revezamento de governantes – no RS isso virou uma prática quadrianual -, embora no caso do PT, que está há 12 anos no poder, a opção de 51,2% dos eleitores votantes foi o de mudar não mudando a presidenta. Mas então que mudança é essa? Pois esse é o primeiro e grande desafio dos novos governantes e seus partidos. Saber interpretar a mensagem das urnas.

A começar, no caso da eleição presidencial, por entender por que 37% dos 135 milhões de eleitores optaram por não votar (21%) ou anular ou votar em branco (6,3%). Ou seja, não participaram ativamente da escolha do presidente da República. Embora esses percentuais reflitam uma tendência dos últimos pleitos, não há como negar sua importância pelo fato de ocorrer num país onde o voto é obrigatório. Será por desinteresse ou por protesto?

Outro sintoma facilmente detectável no segundo turno desta eleição foi a divisão geográfica dos votos. O Norte, com exceção de Roraima, e o Nordeste votaram maciçamente em Dilma, e o Centro-Oeste, o Sudeste, com exceção de Minas e o Rio de Janeiro, e o Sul, optaram majoritariamente por Aécio Neves. Ok, trata-se de uma repetição de uma tendência histórica, mas nunca ficou tão evidenciada como nessa eleição.

Por se tratar de um país continental, com diferenciações econômicas e culturais acentuadas, não há como não se preocupar com a consolidação desses dois feudos eleitorais. Afinal, se o federalismo permite a pluralidade territorial, o comando nacional do país é único. Saber lidar com essas diferenças e implantar uma gestão socialmente justa e economicamente responsável é mais uma tarefa deixada pelas urnas.

Como satisfazer expectativas diferenciadas em regiões economicamente desiguais? Como gerar desenvolvimento e qualidade de vida num estado onde a maioria dos seus habitantes depende fundamentalmente do paternalismo e do assistencialismo estatal? Onde o ganho advindo do Bolsa Família, por exemplo, é mais atraente do que a aprovação escolar ou a formação profissional. Da mesma forma, como contentar a classe média residente nos estados mais desenvolvidos, que clamam por serviços públicos de melhor qualidade como contrapartida ao pagamento dos seus impostos, que servem de lastro financeiro para o financiamento de programas populares?

Mas essas e outras indagações não deveriam ter sido respondidas na campanha eleitoral? Claro que sim. Mas não foram. Por diversas razões, mas principalmente porque o foco dos candidatos se prendeu mais na desconstituição do adversário do que na construção de alternativas para os problemas da população. E isso certamente resultou no aumento do descontentamento do cidadão com a política e com os políticos. Daí a necessidade premente de uma urgente reforma política. Não a que o Congresso Nacional tolera, mas a que o cidadão exige. As urnas sentenciaram: ou muda a política ou o eleitor muda os políticos.

Mas até mesmo a lavação de roupa suja, apresentada exaustivamente na propaganda eleitoral de rádio e televisão e nas redes sociais, serviu para demonstrar que o país inteiro não tolera mais as falcatruas geradas pelo mau uso do dinheiro público. Lamentavelmente o bate-boca mostrou que a corrupção no meio político e no setor pública é mais comum do que se imaginava.

Porém o eleitor também precisa mudar. Num mundo onde a informação é fartamente disseminada pelos meios de comunicação e pela Internet, é inadmissível que alguém vote num candidato apenas porque ele é um conhecido jogador de futebol ou um artista de TV. Ou que se deixe corromper pela oferta de vantagens pessoais. Conhecer a vida pregressa do candidato que pretende votar é o mínimo que se pode exigir de um eleitor consciente.

Por isso nessa eleição o grande recado das urnas foi o de que os brasileiros estão mais exigentes com os seus representantes e mais impacientes com a demora no atendimento de suas necessidades básicas. Nada mais natural, já que a democracia brasileira, embora ainda jovem, tenha adquirido feições de maturidade. Os movimentos populares independentes, que tudo indica se manterão ativos, são um exemplo dessa nova fase da política nacional.

Que os novos governantes sejam sensíveis ao clamor das urnas e das ruas e administrem pensando no que é melhor para a população e não para si e para o seu partido. Que os parlamentares, independente de sigla partidária, coloquem a cidadania em primeiro lugar e legislem sabendo que estão sendo fiscalizados pela sociedade. E que o eleitor exerça sua cidadania na plenitude, sem paternalismo ou conivência com atos ilícitos.

Sérgio Araújo é jornalista.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora